quinta-feira, 20 de junho de 2013

Osvaldo Castro - Da Liberdade e do Legado...

 
 
Discurso do 25 de Abril - Assembleia da República

(Sempre Vivo e In Memoriam):


"Subo a esta tribuna, em nome do Grupo Parlamentar do Partido Socialista para saudar o 25 de Abril da liberdade, da tolerância, da igualdade e da fraternidade.
 
O 25 de Abril da democracia, da descolonização e do desenvolvimento. O 25 de Abril da paz, mas também das utopias e dos sonhos ainda por concretizar.
 
E esta saudação vai inteirinha e directa para Vós, Caros capitães de Abril, que reiteradamente, ano após ano, honram o Parlamento com a Vossa significativa presença. E tudo porque sonharam e concretizaram a madrugada, essa madrugada, em que os corações dos portugueses se alvoroçaram. E assim nasceu “O dia inicial inteiro e limpo/ Onde emergimos da noite e do silêncio…” como a celebrou Sophia de Mello Breyner num dos seus belos poemas.
 
Sim, vivíamos num enclausurado silêncio, numa longa noite que se arrastava por mais de 48 anos e que se entrecortava com uma guerra colonial que devastava pela morte, pela mutilação e pela doença, vastos milhares de jovens portugueses, mas também muitos milhares de jovens guerrilheiros e simples cidadãos africanos. Obviamente, Portugal sangrava em África os recursos humanos e financeiros.
 
O mesmo é dizer, vivíamos num país esmagado pela fome e pela mais pesada miséria. Claro, não havia liberdade de opinião, nem liberdade de imprensa, nem liberdade de reunião, de manifestação ou de greve. O regime assentava num partido único e no poder ilimitado da polícia política.
 
Centenas dos nossos melhores intelectuais e homens da cultura foram forçados ao penoso exílio e assim afastados compulsivamente das suas cátedras universitárias e carreiras académicas. Milhares de jovens optaram por desertar ou mesmo não aceitar serem incorporados com destino à guerra colonial.
 
Mas, também o quero assinalar, houve sempre muita gente que se empenhou na luta contra a opressão. Democratas, operários, camponeses, estudantes, mulheres, intelectuais, enfim, uma grossa corrente de opinião que, por isso, penou nas prisões políticas ou até sucumbiu às balas ou aos maus tratos dos esbirros do fascismo.
 
É que, parafraseando o poeta, “houve sempre alguém que resistiu e houve sempre alguém que disse não”. Saúdo, também, todos esses cuja memória deve para sempre perdurar. Mas é inquestionável que foi um punhado de indómitos e jovens capitães que ousou levar de vencida a ditadura e interpretar os mais lídimos sentimentos de um povo, que os saudou e motivou, naquela madrugada de 25 de Abril de 1974.
 
“Esta é a madrugada que eu esperava…”disse Sophia. Falava por todos os portugueses!
 
Passados que são 34 anos podemos dizer que Portugal é um país que dispõe de uma Constituição democrática, onde estão lapidarmente inscritos os princípios basilares da democracia, onde se garantem os direitos fundamentais, em que está assegurado o primado do estado de direito democrático, consagrados o direito à opinião e expressão livres, mesmo quando são avessas à democracia, ou até a afrontam, onde se encontram plasmados os direitos, liberdades e garantias que enformam o nosso regime democrático representativo e pluralista.
 
E mais, creio ser quase consensual asseverar que a nossa Constituição não se constitui em qualquer factor de limitação ou impedimento aos legítimos interesses daqueles que querem conviver sadiamente com o regime democrático, mesmo em termos de iniciativa económica. E o mesmo se pode dizer da legitimação democrática do 25 de Abril, através dos sucessivos actos eleitorais para os diversos órgãos conformantes da nossa estrutura democrática.
 
Vale por dizer que a legitimidade inscrita no frontispício do nosso estado democrático é a que radica no voto popular. E tudo sem prejuízo do recrudescimento do papel da democracia participativa, bem ilustrado pelos três referendos já realizados, pelo instituto da iniciativa legislativa de cidadãos e pela faculdade de os cidadãos se poderem candidatar a eleições autárquicas sem carecerem do patrocínio partidário.
 
Nesta democracia paulatinamente consolidada, há também que salientar o papel crescente da sedimentação e ampliação da autonomia e dos poderes e atribuições das instituições representativas do poder regional, que daqui saudamos. E de igual modo sublinhamos e saudamos o poder local democrático e os milhares de cidadãos que nas assembleias e nos executivos autárquicos têm dado o seu melhor para fazer de Portugal, freguesia a freguesia, concelho a concelho, um país moderno e com mais qualidade de vida e onde cada vez mais apeteça viver.
 
Mas para além dos direitos democráticos e da descolonização, Portugal vai sendo cada vez mais um país que não recebe lições de ninguém em matéria de direitos sociais. Tudo porque a consagração constitucional e legal de um catálogo de direitos fundamentais dos trabalhadores, o salário mínimo, o direito à greve, à liberdade sindical, o direito pleno à segurança social, ao subsídio de desemprego, às prestações sociais, às pensões de reforma, e ao rendimento social de inserção e a protecção na doença, são pilares de um verdadeiro estado social que faz transparecer a valorização dos direitos sociais e a preocupação com a coesão social.
 
E tudo isto, que são diferenças por demais relevantes, no plano político e social, em confronto com os tempos da ditadura, deve-se em primeira instância ao 25 de Abril e aos 34 anos que já lhe sucederam.
 
Mas o 25 de Abril teve também o mérito de reintegrar o nosso país no mundo onde, por força do regime autoritário, estávamos absolutamente isolados e desprestigiados. Foi a instauração da liberdade e a instituição de um regime democrático em Portugal que permitiu que o então primeiro-ministro Mário Soares pudesse assinar em 1985 a adesão à Comunidade Económica Europeia. E, indiscutivelmente, foi a nossa reconciliação com os areópagos internacionais e sobremaneira a nossa integração política na Europa que permitiram acelerar, consolidar e aprofundar a democracia portuguesa.
 
Por outras palavras, Portugal é uma democracia parlamentar vinculada constitucionalmente ao conjunto de direitos políticos e sociais e ao modelo social europeu. E se dúvidas restassem, aí está a referência no Tratado de Lisboa à Carta dos Direitos Fundamentais, o que lhe confere valor jurídico com força de tratado e implica força jurídica vinculativa.
 
Ora, os seis capítulos da Carta que se referem aos valores e direitos fundamentais da dignidade, das liberdades, da igualdade, da solidariedade, da cidadania e da justiça constituem, como aqui disse 4ª feira o primeiro-ministro, a “fundação da cidadania europeia” e traduzem-se, de facto, num dos maiores ganhos de causa do Tratado. Também por isso se saúda o novo impulso para o desenvolvimento do projecto europeu que a aprovação do Tratado de Lisboa significa. A contribuição para a aprovação deste Tratado por parte da Presidência portuguesa da União Europeia é um grande feito de Portugal e da sua diplomacia e é uma circunstância feliz que esta celebração do 25 de Abril ocorra 2 dias depois de este parlamento ter aprovado o Tratado de Lisboa.
 
É que, para além de haver, agora, condições para superar os impasses em que a União estava mergulhada, é um facto que o Tratado retoma e aprofunda os valores europeus, ou seja, a vinculação aos direitos humanos, à paz e à valorização dos direitos sociais, assim se acentuando a coesão, uma nova dimensão da economia e o aprofundamento do controlo democrático por parte dos parlamentos nacionais das decisões legislativas e não legislativas oriundas da Comissão. Mas, deixem-me sublinhar, creio que vai sendo cada vez mais indiscutível que a participação de Portugal na União Europeia tem sido, até agora, uma história de sucesso. Foram criadas condições económicas, sociais e culturais para que Portugal acedesse ao conjunto dos países mais desenvolvidos do mundo. Nos últimos 20 anos, o país progrediu em termos da melhoria de indicadores de qualidade de vida e de saúde, transformaram-se profundamente as condições de mobilidade e acessibilidade. Portugal reagiu favoravelmente à crescente importância do tema da sustentabilidade ambiental, alinhou positivamente nos progressos da sociedade de informação e do governo electrónico e revelou uma capacidade significativa de integração de populações etnicamente diversificadas. Por outro lado, a integração europeia propiciou condições favoráveis ao crescimento estruturado do sistema científico nacional e à sua internacionalização. Com a ajuda dos fundos estruturais e de coesão -a maior operação de solidariedade económica na história recente de Portugal – o país foi elevado a outro nível de expansão económica, como o evidencia a convergência do seu Produto Interno Bruto com a média comunitária. Sim, é verdade que o PIB per capita (em padrão de poder compra) que era de 54,2% em 1986, passou para 68%, em 2003 e atingiu 75% em 2006 (último ano disponível) e com referência tão só a UE a 15, o que significa que o cálculo a 27 dará valores ainda mais convergentes e uma diminuição substantiva da diferença do nosso país relativamente à média comunitária. O 25 de Abril significa a refundação da democracia em Portugal.
 
A democracia é um processo inacabado, que requer constante aprofundamento. O Parlamento é a casa da democracia. Não se pode, pois, deixar de assinalar hoje que esta sessão legislativa já decorre sob o signo de um novo Regimento que trouxe maior centralidade ao Parlamento, consubstanciadas no reforço das suas competências de fiscalização do Governo e da administração e o aumento significativo dos poderes da oposição. Esta reforma inscreve-se, aliás, na linha das decisões estruturantes para a reforma da democracia, que a Assembleia já tomou ao longo desta legislatura: a consagração legal do princípio da paridade, a limitação dos mandatos legislativos, o aperfeiçoamento do registo de interesses e incompatibilidades, assim como outros instrumentos do papel do deputado e da deputada. Felizmente, estas mudanças já inspiraram também a iniciativa de revisão do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores e só é de esperar que venham também a inspirar outras realidades do território nacional, porque a democracia que hoje celebramos só é verdadeiramente democrática lá onde todos os deputados são respeitados como legítimos representantes dos que os elegeram, onde os direitos das oposições são estimados e se verifica a fiscalização política pelas assembleias representativas.
 
É por isso que se pode dizer com verdade que o 25 de Abril valeu a pena. Não ignoramos que subsistem problemas, que há ainda pobreza, que há desemprego e situações de vida dolorosas para muitos portugueses. Mas mesmo essas situações têm vindo a ser atalhadas, minoradas e há medidas em curso para as corrigir. Mas também ninguém pode ignorar que além da ciclópica tarefa de corrigir o défice e pôr em ordem as contas públicas, as verdadeiras reformas estruturais, as que podem criar as condições para um desenvolvimento económico sustentado têm estado na agenda do governo.
 
Ao celebrarmos o 25 de Abril queremos que fique claro, particularmente para os mais jovens, aqueles que estão abaixo dos 40 anos, que a “revolução dos cravos”, uma revolução pacífica, devolveu a todos nós a dignidade e o orgulho de sermos portugueses.
 
Sim, o 25 de Abril, gesto heróico de jovens capitães, valeu a pena, porque melhorou a vida dos portugueses, acabou com uma guerra fratricida e conferiu aos cidadãos de Portugal os direitos, liberdades e garantias que a ditadura sempre nos negou.
 
É por tudo isto e pela honra de ter subido à tribuna em Sessão de tamanha relevância que estas palavras são dedicadas ao Ernesto Melo Antunes que fez o favor de ser meu Amigo, desde que nos conhecemos no Regimento de Artilharia de Leiria, ano e meio antes do 25 de Abril, ao António Marques Júnior, ele sabe porquê…e nestes dois envolvo todos os capitães de Abril. E, inevitavelmente dedicadas também aos jovens da Crise Académica de 1969, em Coimbra, na pessoa do Alberto Martins que sempre nos representou a todos.
 
Mas palavras dedicadas também a alguns jovens que estando na casa dos 30 anos, ou até menos, e porque lhes conheço a devoção pelo 25 de Abril, que conhecem de ler e de ouvir contar, ou porque estão no meu coração ou porque tão simplesmente são o penhor do nosso futuro democrático, mesmo quando discordem de algumas palavras que proferi.
 
O 25 de Abril foi “o dia inicial inteiro e limpo”…Por isso, Filipa, Gabriela, João Martins, Rute, Daniel Filipe, Vanda, Nélia, João Nuno, Odete, Catarina, Tiago, Guilherme, Cristianne, Dinis, e também para vós senhores deputados, os mais jovens de cada uma e de todas as bancadas.
 
O 25 de Abril foi “o dia inicial inteiro e limpo”…………………. Guardem -no para sempre!"
 
OSVALDO CASTRO in "A Carta a Garcia"(2008)

2 comentários:

  1. Cara Ana Paula Fitas
    Não podia prestar melhor homenagem ao Osvaldo do que relembrar este discurso na A.Republica num 25 de Abril.
    Acabo de chegar do Velório. Embora seja conhecido o seu prestígio, fiquei impressionado com o numero de dirigentes, deputados e outros destacados camaradas do Osvaldo. Não destaco nomes, mas fiquei sensibilizado.
    Abraço
    Rodrigo

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    1. Caro Rodrigo,
      Obrigado pela partilha do sentir... eu também prefiro não destacar nomes mas, fiquei sensibilizada pela justa e tão merecida homenagem ao Homem, ao Político, ao Cidadão e ao Amigo que guardaremos para sempre nas melhores das nossas memórias e referências... Um grande abraço.

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