... a luta das mulheres é um combate silencioso contra os medos... os medos da sua própria fragilidade e os medos escondidos nos homens pela representação masculina do mundo em que vivem, onde lhes cabe o papel de proprietários e guerreiros... o mais extraordinário é que, já no século XXI e depois de tanta visibilidade, tanta legislação e tanta campanha, homens e mulheres continuem a recorrer à imposição da sua vontade pela força e à sua aceitação pela tolerância e a negligência no reclamar e praticar, de facto, os direitos de igualdade de género que as sociedades democráticas procuram valorizar... O assédio, a reacção instintiva, os modos de tratamento, as alusões em discurso indirecto, o imaginário popular e a sociedade de consumo, continuam presentes no nosso quotidiano sem que, grande parte das vezes, disso nos apercebamos e sem que isso nos suscite reacção... e quando acordamos para a realidade sempre que o crime público nos entra pela casa dentro, através da televisão ou dos jornais, não projectamos nessas realidades o extremar de atitudes que conhecemos e que vamos relativizando... como num jogo de espelhos que confunde os inseguros e os mais jovens, entre a promoção dos direitos que a sociedade vai apregoando, taciturna, e o exacerbar de uma cultura de moda que leva ao limite as representações tradicionais sobre homens e mulheres (a imagem sensual no vestuário e na postura corporal que acentua, dicotomicamente, a fragilidade feminina e a virilidade masculina), vivemos ainda um mundo onde a própria participação profissional feminina no mercado de trabalho se deixa reduzir às representações tradicionais da divisão sexual do trabalho... por isso, é fácil perceber a solidão silenciosa das mulheres que é, afinal, o lado invisível da violência social no espaço doméstico, na família e na transmissão educacional onde o exemplo continua a ditar a aprendizagem do não-dito.
quarta-feira, 2 de dezembro de 2009
Violência de Género no Espaço Doméstico, o lado invisível do não-dito
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Ana Paula,
ResponderEliminardois post's de fôlego seguidinhos. E muito bons.É pena que os assuntos relativos ao género ainda sejam tabu para largas camadas da população, de quase todas as sociedades, mesmo nas matriarcais existentes em África e no Pacífico.
Mais do que um problema de educação é um problema de cultura e que, a grande custo e durante as muitas gerações que hão-de vir, continuará a pairar por sobre as nossas cabeças por mais que se lute para inverter a situação.
E por mais que aumente o apoio à igualdade de género, com todas as suas (boas) consequências, haverá sempre uma larga fatia da sociedade, fundamentalmente masculina mas, diga-se com honestidade, também feminina, que fará os possíveis para atrasar e/ou anular os progressos conseguidos.
Irá ser um longo porcesso de transformação social que um dia chegará ao desejado destino.
Mas, para ser realista, não será no nosso tempo;
esperemos que o seja no dos nossos netos ou bisnetos.
Mas ninguém nos poderá acusar de, no nosso tempo, não termos denunciado e, talvez, continuado a aplanar o caminho que, certamente, outros percorrerão rumo à sua consagração efectiva.
Por isso...continuemos...
Um abraço.
Um notável grito e manifesto anti silêncio como este só podeira ser escrito por uma mulher, pois existe nele o saber, o sentir do que é a diferença. Não a que existe de forma natural entre ambos os sexos, que a existe, mas aquela que resulta das imposições e das convenções.
ResponderEliminarE essa é uma corrente subterrânea que, quando menos se espera, irrompe por aí fora, violenta quase sempre sem ter de roçar a boçalidade da agressão física pois por vezes um gesto, um olhar ou uma palavra são tão ou mais humilhantes!
Este teu post vem mesmo a propósito, ainda na semana passada tive uma discussão com um casal amigo sobre este mesmo tema e agora mais do que nunca estou convencida de que este tipo de comportamentos é mantido com a conivência das mulheres.
ResponderEliminarHá já alguns anos que tenho para mim que a causa do aumento da taxa dos divórcios e da violência em Portugal é “culpa” das mulheres (não consciente ou de todas), pois são elas que educam os filhos (na maior parte do tempo).
Hoje, nós as mulheres do Sec. 20/21 estamos a educar filhas para não se deixarem maltratar e não deixarem de exercer os seus direitos. A par de nós as mães dos jovens desta geração (não todas claro) estão a educar os filhos (homens) para terem o mesmo papel dos homens das gerações passadas.
Mas voltando atrás, tenho um casal amigo que tem uma filha e um filho, no outro dia numa pequena discussão a filha falou mais alto ao pai, ao que a mãe disse logo que ela não podia responder daquela forma ao pai, até aqui tudo bem... passado um bocado o filho entrou e a propósito de uma calças não passadas começou a brigar com a mãe, num tom alto e um pouco a dar para o indelicado. Passada a questão e as calças, e porque ninguém disse nada ao petiz eu perguntei aos meus amigos o porque da atitude tida em relação á filha e da passividade em relação ao filho, pois as duas atitudes tinham sido semelhantes e a conclusão do caso muito distinta... surpresa das surpresas...disseram os dois (pai e mãe) em conjunto que era diferente ao pai era necessário ter respeito e ainda por cima os miúdos tem muito mais hormonas e tem de as libertar!
Eu fiquei sem palavras, e a única coisa que me ocorreu dizer foi... “Vai ser por estas e por outras idênticas que daqui a uns anos a mulher o vai por fora de casa, pois quem não aprende a respeitar a mãe não pode respeitar as mulheres”, os meus amigos acordaram de repente e depois de muita conversa lá verificaram que realmente não estão a agir bem, mas será que ainda vão a tempo? E aqueles que não têm amigos que os chamem á razão?
Mas é ainda um medo maior que tolhe as mulheres e que as impede de falar disto tudo. É um medo que parece tolo, mas está lá: o de serem rotuladas de feministas do século passado. De serem consideradas pouco modernas, incapazes porque, de algum modo, as condições estão criadas, a legislação existe e se não estamos na política, nos cargos dirigentes, se não temos acesso às mesmas coisas e aos mesmos direitos é porque não queremos.
ResponderEliminarOs dias de hoje são cruéis porque se assume que se uma mulher sofre desigualdades, violência, brutalidade, discriminação a culpa só pode ser da sua fraqueza e da sua incapacidade de se bater de igual para igual com os homens.
Quantas mulheres que estão na política, nas empresas, no topo das carreiras assumem que em algum momento dos seus percursos foram maltratadas? Que muitas vezes fizeram escolhas violentas? Quantas ousam falar das horas que trabalham a mais?, do esforço adicional para manter tudo a funcionar?
E nem se trata de as acusar de alguma coisa...
Sofia
Infelizmente até neste tipo de crime a justiça é complacente. A cobardia é assim que interpreto a violência doméstica usada pelos homens, condenável a todos os títulos, tem sido no fundo estimulada porque a justiça não pune exemplarmente os agressores. Se tal acontecesse provavelmente muitos homens se desmotivariam e desistiam agredir violentamente as suas mulheres. Por outro lado as situações de denunciam continuam a não ocorrer por medo e cobardia de quem delas tem conhecimento-
ResponderEliminarOlá,Ana
ResponderEliminar1 - Janis Joplin: uma verdadeira lenda!
2- O modo como enuncia esta questão é interessante: "Violência de Género no Espaço Doméstico, o lado invisível do não-dito". Só queria deixar uma breve nota. a) Toda e qualquer "Violência de Género" retrata um grave problema de Saúde Pública que, infelizmente, se tenta negar. b) Sé é verdade que: no "(...) século XXI e depois de tanta visibilidade, tanta legislação e tanta campanha, homens e mulheres continuem a recorrer à imposição da sua vontade pela força e à sua aceitação pela tolerância e a negligência no reclamar e praticar praticar, de facto, os direitos de igualdade de género que as sociedades democráticas procuram valorizar..."; também é verdade que "a legislação" tornou invisível o pensamento "de um feminismo avant la lettre" (que Derrida tanto assinalou no pensamento de Lévinas)...
Questões tão imensas!
Abraço.
Querida Ana Paula, felizmente relaciono-me práticamente com um único homem, no meu dia a dia.
ResponderEliminarEsse único homem preenche o universo da minha vida, a sensação é da de que se vive, 24h por dia na companhia de um anjo. :)
Gostaria que todas as mulheres do mundo sentissem a plena felicidade de, pela sua fragilidade e talvez como geradoras de vida e portanto de um "milagre", se sentissem colocadas num pedestal ao abrigo e guarda de um anjo assim anjo, que protege de tudo, o que possa magoar ou condicionar.
Tivessem todas as mulheres do mundo, a compreensão e carinho de um anjo assim e este mundo seria o paraíso na Terra.
É tudo o que lhes posso desejar, que todos os dias convivam com homens assim.
Nada material ou mundano, pode dar tanto conforto, por muitas agruras que a vida tenha... e já vivi mais de metade da minha vida com este homem.
Um beijinho de um grão de pó, para um pirilampo muito, muito LUMINOSO! :))
Bem haja!
Desculpe Ana Paula... o sono já devia ser muito!
ResponderEliminarPorque além das repetições e má escrita, deixei de dar o elogio merecido, por tão elucidativo texto e tão realista, sobre os comportamentos humanos. Uma pequena maravilha.
Nada pode fazer mudar esta caminhada para o abismo, pois é como diz, os vendedores de ilusões têm todos os meios nas mãos e os mais jovens, são apesar de tudo, um isco fácil.
Estes vendedores da banha da cobra, têm como finalidade o seu ganho, pouco importando o futuro da humanidade. É um engôdo tal, que será impossível as gerações futuras conviver com tanta violência e falsidade, por mais antítese que pareça, será nisso que a humanidade em geral vai cair... violência.
As novas tecnologias, foram a melhor arma que os senhores do mundo arranjaram, para levar os povos à guerra.
Infelizmente, o nosso 1º ministro é um adepto fervoroso e em vez de incrementar as normas de conduta e comportamento nas escolas primárias de forma rigorosa, implanta magalhães!
O nosso país, está á frente da Europa em tudo o que é mau... infelizmente. O mundo vai ser tão duro para estes jovens... nem é bom pensar.
Um beijinho. :)
Excelente texto, T.Mike!... que subscrevo na íntegra! Muito, muito obrigado!... continuemos! porque nos não poderão acusar de termos calado a denúncia e sido cúmplices da realidade!
ResponderEliminarUm grande abraço.
Caro Ferreira-Pinto,
ResponderEliminarEstas suas palavras soam como um elogio a todas as mulheres silenciadas pela forma de vida que escolheram e com a qual vivem, vezes demais, na minha opinião, a contragosto!... e mais não digo! Obrigado por me fazer sentir que afinal, apesar das hesitações, fui capaz de transmitir esse sentir que me é caro por me ser difícil aceitar uma lógica de comportamento que em tudo contadiz o que tantas e tantas vezes, vítimas e agentes, condenam em voz alta mas, afinal e apenas! ... da "boca para fora"!!! Um grande abraço :)
Sim, Sofia... tem toda a razão! O medo da rotulagem social cria uma auto-censura que dificilmente permite a muitas mulheres escapar ao que é afinal, nada mais nada menos, do que mais um mecanismo de controle social: o de escapar à classificatória valorativa que dissimula sempre, mais ou menos directamente, uma das faces da discriminação e até da exclusão em qualquer dos campos onde a possamos constatar projectada... Um abraço.
ResponderEliminarJodoas,
ResponderEliminarA cumplicidade, mais ou menos negligente, revela sempre uma má-consciência e, pelos factos que enuncia e que todos sabemos corresponderem à realidade, torna-se mais evidente o quanto, de uma ou de outra forma, a sociedade portuguesa vive, nas mais diversas expressões do seu quotidiano, esta realidade onde cobardia, medo e poder se conjugam na expressão degradante da multifacetada violência cujo reconhecimento chega ao ponto de não ser feito pelos que a conhecem e vivenciam. Um abraço.
Olá Jeune Dame!
ResponderEliminarExcelentes "apports" - como sempre, aliás! Obrigado pelas referências a Derrida e Levinas!... mas, acima de tudo, pela alusão às questões da Saúde Pública que me fazem avançar na pista que aqui deixa, registando eu a vertente da Saúde Mental a que a vivência socio-cultural anda tão associada - apesar desta nossa dimensão humana ser praticamente ignorada por tudo e por todos!
Um grande abraço :)
Olá Fada do Bosque :)
ResponderEliminar1- Primeiro que tudo, deixe que registe a minha felicidade por saber que ama e é amada tal como merece... e da justeza desse amor nos dar conta aqui, num testemunho de esperança que é gratificante conhecer pela confiança que se reconhece e retira das suas palavras :)
2 - Obrigado também pelo segundo post, Fada do Bosque... nunca é demais a expressão solidária perante dramas que, de aparentemente invisíveis, fazem os dias de tantas mulheres que, por múltiplas razões, se vão conformando com uma cultura que castra e diminui...
Um grande beijinho de pirilampo... constipado:)
Lurdes,
ResponderEliminarMuito esclarecedor o episódio qu aqui nos trazes e qu revela bem como, mais ou menos inconscientemente, a cultura nos dita a formatação comportamental que transmitimos aos mais novos pela prática de uma educação discriminatória e injusta que o senso comum não se lembra de questionar... dada a força do hábito!... e sim, a questão é saber se ainda iremos a tempo e se a nossa consciência ultrapassará os ditames de uma forma de ser, estar e pensar que, reconhecidamente, provoca sofrimento e se revela inútil ao que a nossa natureza, a sociedade e as ideias de realização pessoal e felicidade requerem...
Um beijinho :)