Diminuir investimentos e eliminar serviços é uma receita eficaz para reduzir custos... e se, a par desta receita, se aumentar sistematicamente o custo de vida e o valor dos impostos, rapidamente se alcança o tal "corte" de 4.000 milhões de euros que o FMI indica como horizonte de futuro para efeitos de "equilíbrio das contas"- quer dizer, de pagamento da "dívida soberana" (muito bem, na opinião de alguns! - sim, porque é isso que significa dizer que "está muito bem feito" um relatório cujos pressupostos são completa e propositadamente alheios à única dinâmica que deveria preocupar quem representa um país, ou seja : o interesse social colectivo)... refira-se, antes de mais, que falar deste modo da "dívida pública" é de uma ignorância sociológica não apenas "provinciana" (no exclusivo sentido pessoano do termo) mas, essencialmente, atroz. Porque, ao contrário do que dizem políticos e comentadores, antagonicamente "alinhados" em função dos respetivos interesses corporativos e partidários, a dita "dívida" não é, exclusiva e essencialmente (a não ser numa abordagem simplista e intencionalmente culpabilizante!), resultado de "desvarios despesistas (sem detrimento da consciência de que grande parte das opções ideológicas e prioridades político-partidárias das últimas décadas se podem inscrever nesta classificação) mas decorre, isso sim! (surpresa das surpresas!?), da resposta ao funcionamento dos mercados que, disponibilizaram e estimularam, por todos os meios!, o consumo público e privado, em sociedades cuja gestão amadora não esteve (nem está!) adequadamente preparada, em termos de conhecimento, para compreender e enfrentar a lógica dos seus mecanismos (leiam-se: "custos"), dado o peso dos condicionalismos a que submergem os seus protagonistas, em função de pragmatismos político-partidários demagógicos, redutíveis a objetivos eleitorais de perpetuação do poder. Posto isto, traduza-se a tal receita eficaz que o célebre relatório do FMI reproduz como solução para todos problemas (registe-se que o termo "todos" significa afinal, apenas e só, os tais mercados ,assumidamente privados e destituídos de consciência e sentido de responsabilidade social - porque, como diria qualquer Eça, tudo o resto, "é paisagem")... Paisagem que são pessoas, países, valores e princípios, pouco importam os conceitos fundantes da humanização social, isto é, independência, liberdade, igualdade e dignidade, perante os quais se ergue o "salvífico" conteúdo da solução proposta pelo Fundo Monetário Internacional: promoção liberal do desemprego e extinção das competências sociais do Estado... A receita, assente na intencional destruição dos serviços nacionais, nomeadamente de saúde, educação e segurança social, bem como do tecido empresarial (com destaque para as pequenas e médias empresas que, a nível local e regional, são as únicas que podem sobreviver autonomamente em relação à interdependência que a globalização garante), resulta na multiplicação da pobreza, no crescimento exponencial do grau de vulnerabilidade dos cidadãos às condições de oferta de trabalho (isto é, a baixos salários de precariedade incontornável) e no aumento descontrolado da emigração. O caminho apontado pelo FMI conduz a um passado de fome, privação e carência que considerámos extinto com o 25 de Abril... ignorá-lo e recusar uma negociação com elevação e dignidade é o maior atestado de incompetência que um país pode passar a si próprio!... porque o verdadeiro diagnóstico não é o que resulta do olhar externo, incapaz de compreender as dinâmicas socio-culturais e económico-políticas endógenas (leia-se: nacionais) mas, o que somos capazes de fazer sobre nós próprios, com distanciamento, sem medo, sem vergonha e, acima de tudo, com a firme intenção de defender a vida das pessoas e a sobrevivência da sociedade, da cultura e deste país, cuja longa história, identidade e futuro não deveriamos estar dispostos a ver hipotecar em nome de interesses financeiros destituídos de competências humanas, segundo uma lógica de "casino" em que se leva a vida "a jogo" em nome de um montinho de fichas... de plástico! - mas que dá, a quem as usa, a sensação de poder e de aproximação à riqueza!... Senhores, o tempo do "monopólio" acabou! ... não o compreender e insistir nesta "supersticiosa fé" do dinheiro e dos mercados é apenas resultado da incapacidade de ultrapassar um passado já morto que insiste em viver do medo, da chantagem e da especulação enquanto formas de coacção exercida sobre aqueles que, imobilizados na mente e na inflexibilidade das convicções, jamais poderão construir o presente... e menos ainda, o futuro!...
As águas estão inquinadas
ResponderEliminardo ventre até à foz