terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Da Corrupção em Portugal

Gostei de ouvir Vera Jardim, hoje, no programa Dia D, da SIC. Raramente se tem a oportunidade de ouvir um político, ex-ministro, deputado, agora responsável pelos trabalhos da Comissão que, na AR, vai estudar o dossier da corrupção, falar com tanta clareza sobre o problema. Fica assim claro, para os portugueses, que nem todos negligenciam o problema e que, de facto, há matérias em que se devem tomar novas medidas, inspiradas designadamente em procedimentos já em vigor em muitos países europeus. Porém, do que de mais útil foi dito, nomeadamente por corresponder à agenda das preocupações dos cidadãos relativamente ao enriquecimento ilícito e às práticas da corrupção, destaco a diferença entre dois conceitos, a saber, as modalidades designadas "corrupção branca" e "corrupção negra", cuja distinção nos permite discernir as abordagens que a sociedade pode e deve fazer, para uma avaliação justa do problema. De facto e com razão, os índices de percepção da corrupção a que aludimos num post anterior, encontram razão de ser não apenas na visibilidade mediática dos casos que, cada vez mais, se vão conhecendo mas, também, na confusão conceptual em que radica a representação social do fenómeno. Antes de mais, convém reconhecer que, na cultura tradicional portuguesa, o agora designado "tráfico de influências" era inerente à orgânica social, como resultado recorrente da pequena dimensão territorial do país, cujo tecido social facilmente se revia - e ainda se revê - em redes de interconhecimento reconstituíveis, sem necessidade de recurso a investigações policiais da especialidade, capazes de emergir por acção de um olhar socialmente crítico e, consequentemente, distanciado. Neste contexto, a negligência processual com que se elaboravam juízos era - e ainda é - responsável pelo facto do senso comum não identificar práticas socio-culturais com indícios susceptíveis de suspeição da corrupção... e é neste contexto que se pode e deve compreender a "corrupção branca", enquanto realidade complexa que implica o desenvolvimento de uma cultura de cidadania assente na transparência e na ética, capaz de nos permitir "filtrar" a elevada taxa de percepção da corrupção, em nome do rigor, da igualdade e da justiça. Porém e além do mais, a distinção desta dicotomia conceptual, tem o mérito de evidenciar a chamada "corrupção negra" em que o enriquecimento ilícito desempenha o papel de indicador fundamental na detecção de práticas que configuram inequivocamente os contornos do crime e que se ocultam na indistinção generalizada dos dois conceitos. Preto no branco, a realidade carece urgentemente de ser percepcionada objectivamente, para além da grande mancha cinzenta que parece cobrir, homogeneamente, a sociedade portuguesa.

8 comentários:

  1. Ana Paula,
    estes assuntos, porque controversos, tratam-se com ponderação e sem demagogia radical.
    O seu texto está no ponto da iformação. É disso que se necessita.Corrupção é uma palavra com um significado tão lato que a maioria das pessoas não a compreende no seu total alcance.
    E não esqueçamos, o favor correspondido era prática habitual na nossa sociedade (só na nossa ?) que as pessoas não emglobavam na corrupção. Era um conhecimento...
    Um abraço.

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  2. Agora só nos resta aguardar...
    Para saber para que País o Vera Jardim vai ser convidado a ir morar!

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  3. Olá,

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  4. Olá Ana,
    Hummm – Corruptus - no primeiro ou segundo sentido etimológico?! Será só um dossie? Risos. Há um aspecto que foca, ao nível do "tráfico de influências", que me parece muito importante: essas "redes de interconhecimento" - a minha pergunta é (por exemplo): o que é isso de fazer um "favor" a...? E como se "pesa" esse "favor" para atribuir uma pena ou multa?...
    Um abraço.

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  5. Olá T.Mike :)
    Obrigado pelas boas palavras e pelo contributo que aqui deixa... de facto, a pergunta: "Só na nossa?" é uma questão que deve também ser bem ponderada no nosso equacionar do problema... não porque devamos descansar pelo facto de outros desenvolverem práticas que muito ficam a dever à ética, por hábito cultural como, tantas vezes, por cá constatamos mas, isso sim, porque o fenómeno revela uma complexidade que, a não ser compreendida, lesa o processo de intervenção e resposta adequada de que todas as sociedades -particularmente as do sul europeu e mediterrânico- tanto carecem...
    Um abraço :)

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  6. Cara Voz a 0 DB,
    Gostei do tom gentilmente jocoso com que, a brincar, refere, com alusão à subtil verdade!, uma dimensão da cultura portuguesa que muito diminui a democracia ou melhor, a transparência democrática, a saber, a capacidade de dialogar frontalmente e confrontar opiniões, importando as sugestões adequadas apenas e só por preconceito ou simples e inútil -quando não, contraproducente!- desconfiança.
    Um abraço :)

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  7. Olá Difundir,
    Vou tratar disso ...
    Obrigado!
    Um abraço :)

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  8. Olá Jeune Dame :)
    Pelo tom presumo que o Teeteto já passou "à história" dos dias... :)
    ... adorei o comentário... e, felizmente, no meio desta noite fria e entre tanto trabalho (os pequenos "teetetos" das nossas vidas), esta forma, justa e divertida de colocar o problema, fez-me sorrir :)
    OBrigado!
    Um grande abraço!

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