terça-feira, 1 de dezembro de 2009

A Violência Contra as Mulheres



Muito se tem falado na violência doméstica e na violência de género, nomeadamente porque o passado dia 25 de Novembro assinala, simbolicamente, a preocupação social e política com o fenómeno. Entretanto, são cada vez mais os casos públicos destas formas de violência pela visibilidade que a comunicação social lhes confere e pela capacidade que as vítimas vão adquirindo no que à confiança institucional respeita, registado que é o aumento, por um lado, da quantidade de denúncias e, por outro lado, da produção legislativa nesta matéria. A discussão do problema é, porém, muito mais vasta e se a prioridade é, de facto, assistir às vítimas e prevenir a recorrência destes crimes ditos passionais, a verdade é que esta realidade é quase sempre reflexo de enormes dificuldades de afirmação pessoal e identitária por parte dos intervenientes que neles se envolvem, em contextos caracterizados por uma excepcional vulnerabilidade, directamente associada às afectividades que as carências socio-individuais configuram e os cidadãos tentam ultrapassar num mundo de silêncios personalizados em conflito com o mundo... Não há esquerda nem direita, nem religião ou ideologia nesta conflitualidade violentissima que grassa na privacidade e no espaço público... há, isso sim, uma dimensão cultural que permite encarar o outro com sobranceria e hipervalorizar o "próprio" como detentor do poder, para além de todos os valores e juízos que possam ser defendidos e enunciados... a violência é sempre expressão de uma representação de direito ao seu exercício e salvo situações extremas de auto-defesa, visa sempre exercer esse poder sobre o outro e... vencer. Independentemente de outras abordagens que aqui iremos , eventualmente, fazer sobre o tema, dá a pensar a possibilidade legitimada pela cultura tradicional da representação masculina da mulher assentar ainda numa perspectiva da sua dependência individual... uma espécie de infantilização da mulher, mãe e filha, objecto da protecção e da condescendência do mais forte... como se as mulheres não tivessem direitos de opção, opinião e decisão própria, como se todos eles dependessem da concordância masculina!... Infelizmente, o problema não se esgota na sociedade portuguesa e merece, também por isso, maior reflexão.

5 comentários:

  1. Olá Ana Paula
    Transcrevendo uma parte do seu texto:
    «...uma dimensão cultural que permite encarar o outro com sobranceria e hipervalorizar o "próprio" como detentor do poder...»
    Não será esta a causa geral da maior parte das podridões do mundo?
    Se é inadmissível que ainda tantas mulheres no mundo ocidental sejam vítimas de maus tratos, como podemos ter tolerância com os que praticam violência contra as mulheres logo nas suas "leis"?
    Um abraço

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  2. Minha cara, permita-me um pouco de publicidade em casa alheia. Escrevi recentemente conforme segue: "Celebrou-se o Dia Internacional da eliminação da violência contra a mulher. Por acaso, foi ontem. Suponho que aos heróis que já mataram, violaram, feriram ou atentaram de qualquer forma contra uma mulher isso pouco diga. Ou importe sequer. Só assim se explica que já tenham morrido 26 mulheres este ano. Ou que quase todos os dias se tome conhecimento de casos de abusos sexuais perpetrados contra mulheres. Quem se crê herói, vê-se acima da lei. E da moral. Mas sendo heróis, também são humanos e é por isso que optam por acções que não os cansem. Para eles, imagino, deve ser menos cansativo matar uma mulher com um tiro pelas costas do que apanhar o lixo que deitam para o chão! Ou pregar duas bofetadas numa mulher do que não pisar um risco contínuo na estrada! E quanto mais humanos, menos se podem cansar. Daí que a alguns nem repugne violar filhas. Deles ou dos outros. E não me venham com a cantiga que "ai, coisa e tal que também há mulheres que ...".
    Ora, quando os vemos por aí feitos heróis assim, a única coisa a esperar é que pelo menos a Justiça seja inclemente.

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  3. Olá Benjamina!
    Obrigado por colocar o dedo numa das maiores "feridas" do diálogo cultural contemporâneo... de facto, a problemática dos Direitos Humanos e dos Direitos dos Povos, designadamente, o direito à sua identidade cultural, coloca o dilema que é urgente reconhecer: pode um costume, uma tradição, por ser ditada pelas práticas culturais ancestrais violar os Direitos Humanos?... a resposta é, para muitos, óbvia mas, infelizmente, para outros, pelas mais diversas razões, nem tanto... e o problema torna-se exponencialmente mais grave à medida que o interpelamos porque, se nas sociedades ocidentais lutamos há tanto pelos Direitos das Mulheres e continuamos a assistir à sua difícil interiorização, tanto por parte dos homens como das próprias mulheres, com que realidade se defronta o género feminino onde a crueldade é legitimada por razões que assentam na diferença sexual?... Temos muito caminho para andar... e só no quadro de uma sociedade que, definitivamente, condene a violência física e psicológica como recurso legítimo ou tolerável, poderemos esperar que a violência contra as mulheres deixe de ser uma realidade privada... Abraço :)

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  4. Caro Ferreira-Pinto,
    Depois de ler o seu texto, resta-me afirmar que, neste espaço, aquilo a que chama "publicidade em casa alheia" será sempre recebida como um grande contributo para o iluminar das causas e dos modos de pensar... e deixe que destaque a sua profunda e incisiva observação sobre a violência como a opção "que menos cansa" os que se julgam acima do esforço do entendimento, do diálogo e da razão... Obrigado pela sua contundência e pelo seu discernimento... e cito uma frase de que não sei o autor, daquelas que se registam na memória retiradas de um olhar de soslaio: "consigo, o mundo gira melhor". Um abraço amigo e... Bem-haja! :)

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  5. Ola visitei seu blog e gostei muito e gostaria de convidar para acessar o meu também e conferir a postagem de hoje: Meditações “Latino”-Americanas
    Sua visita será um grande prazer para nós.
    Acesse: www.brasilempreende.blogspot.com
    Atenciosamente,
    Sebastião Santos.

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