quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Dos limites constitucionais ao endividamento

Há, na defesa da definição de limites constitucionais ao endividamento no quadro dos Estados-membros da União Europeia, desde o primeiro momento e face ao espírito subjacente ao modelo em que se procurou construir a UE, uma incoerência estrutural que ainda não vi destacada, apesar da sua evidência e do seu significado. De facto, o estabelecimento de limites constitucionais às dívidas soberanas, mais não é do que o compromisso político prévio supra-partidário de aceitação das medidas punitivas que a sua rede de parceiros decida impôr-lhe sempre que esse limite seja posto em causa, sem atender aos imprevistos que a especulação dos mercados determina ou ao potencial efeito nacional provocado por crises económico-financeiras externas, mundiais ou regionais. Pior que isso, a inscrição de limites constitucionais às dívidas nacionais ignora a possibilidade dos efeitos das causas acabadas de referir não serem rigorosamente previsíveis, além de desprezar o facto das condições de partida de cada Estado-membro perante este compromisso diferirem de forma abissal no que se refere ao equilíbrio das contas públicas ou à relação entre PIB's e exportações e de eliminar, de vez!, o princípio da solidariedade entre Estados, substituindo-o por uma relação contratual sem preocupações sociais de espécie alguma. A proposta é o que de mais extremista conheço no assumir do neo-liberalismo selvagem, dada a agravante de ser proferida por Estados-membros altamente poderosos do ponto de vista da influência económica e política internacional. Hoje, foi conhecida a opinião de Jacques Delors (ler aqui) que afirma que tais limites "não valem nada" designadamente por não estar definido o que se entende por défice - argumento pertinente se pensarmos que, do ponto de vista da economia global e da dinâmica dos mercados, as economias contemporâneas se caracterizam por múltiplas relações de dependência que fazem variar os factores de ponderação da estabilidade das respectivas finanças. Esclarecer o sentido da recusa desta proposta faz todo o sentido e requer explicações sérias aos cidadãos para que se não pense que ela decorre da desresponsabilização dos países e dos governos mas que, muito mais importante que isso, ela implica sentido de responsabilidade sobre as condições sociais de vida das populações.   

2 comentários:

  1. Claro, Ana Paula, que o problema é esse. Abordei a questão quando tratei do asunto a primeira vez. O texto espanhol, que estabelece apenas o princípio, prevê as três excepções da praxe, dando assim a entender que o défice de que se está a falar é o estrutural. Mas quem decide sobre o que é estrutural ou meramente conjuntural? E como evitar que um défice conjuntural para fazer face a uma grave crise se não torne estrutural? Tudo isto não passa de uma outra coisa bem mais simples de entender: a constitucionalização dos limites do défice é o caminho mais curto para a institucionalização da sociedade neoliberal ...pelos cortes inevitáveis a que vai dar lugar na saúde, no ensino e na segurança social.
    O PS tem a palavra...
    Abraço
    JMCPinto

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  2. Caro amigo JMCorreiaPinto,
    Antes de mais, obrigado pela sempre excelente e honrosa partilha da reflexão.
    As duas grandes questões que aqui coloca ("Mas quem decide o que é estrutural ou meramente conjuntural? E como evitar que um défice conjuntural para fazer face a uma grave crise se não torne estrutural?")são as questões que, de forma sintética, nos colocam os problemas suscitados no contexto de uma crise em que as pessoas tendem a radicalizar posições culpabilizadoras do carácter despesista do Estado, ignorando ou nem sequer reparando que está em causa a definição do funcionamento societário do curto e médio prazo... com custos elevadissimos para as populações que dificilmente serão reversíveis (dada a resistência face aos esforços de reforma social e ideológica dos mecanismos político-económicos)... daí que os cortes na saúde, no ensino e na segurança social sejam muito mais graves do que pode parecer aos olhos dos cidadãos, ansiosos pela "moralização" de um Estado cuja função social tem sido constantemente alvo de sucessivos ataques cujo objectivo foi sempre, mais ou menos assumidamente, criar condições para, como o JMCorreiPinto bem diz, concretizar "(...) o caminho mais curto para a institucionalização da sociedade neoliberal (...)"... quanto ao PS... gostaria que tomasse a palavra certa mas, até ver... aguardo...
    Um grande abraço.

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