Os dados recolhidos em 2008 no relatório da OIT (World Work Report) constataram que, a partir de meados dos anos 90, houve um crescimento global da riqueza na economia mundial com reflexos no aumento do volume da população empregada - a qual, entre 1997 e 2007, aumentou cerca de 30%.... porém, como o próprio relatório assinalava, tal crescimento não resultou da diminuição generalizada das desigualdades de rendimento (entre 1990 e 2005, pelo menos em dois terços dos países abrangidos pelo estudo, registou-se o aumento da proporção do rendimento apenas!, nos agregados familiares mais ricos face aos mais pobres)! Vale ainda a pena destacar uma outra constatação que decorre da conclusão paralela apresentada pelo Global Wage Report: o facto de, na generalidade dos países, a percentagem do PIB relativa a salários ter vindo a diminuir (por exemplo, entre 1995 e 2007, por cada 1,0% de aumento anual do PIB per capita houve um aumento de apenas 0,75% dos salários), evidencia que o aumento do PIB não tem sido proporcionalmente acompanhado pela compensação salarial dos empregados. Por esta e muitas outras razões, podemos afirmar que, não só o crescimento da riqueza não implica diminuição das desigualdades salariais mas, de facto, não existe uma relação linear e automática entre o aumento da produtividade e o crescimento de salários... e se às condições de partida da recolha destes dados acrescentarmos os elementos drásticos que significam as taxas de desemprego, a recessão económica e os efeitos sociais das chamadas medidas de austeridade que, nos últimos anos e, em particular, nos últimos meses, têm agravado de forma vertiginosa as condições de vida das populações, podemos, mesmo com falta de dados mais actualizados, ter uma ideia do cenário que, no médio prazo, reflectirá, nestes estudos, um inequívoco e profundo retrocesso socio-económico global e, naturalmente!, nacional. Logo, se dúvidas houvesse, bastaria este pequeno apontamento para podermos, sem medo de errar, afirmar contundentemente que as orientações políticas adoptadas pelas instâncias financeiras e cegamente seguidas pelos Governos dos países delas dependentes para, pretensamente, debelar a "crise", não têm em consideração, nem de longe nem de perto, os dados objectivos da análise socio-económica contemporânea e, por isso, não visam, de forma alguma e apesar de toda a argumentação demagógica e castradora das dinâmicas sociais, a recuperação económica e, menos ainda, a revitalização social dos países e dos povos.
(sobre os dados dos relatórios em causa podem ler aqui uma síntese esclarecedora; quanto à imagem, direi que esta prodigiosa obra de Salvador Dali adquire, nos dias que correm, uma pluralidade de significados que justifica a nossa melhor reflexão).
BALADA DOS AFLITOS
ResponderEliminarIrmãos humanos tão desamparados
a luz que nos guiava já não guia
somos pessoas - dizeis - e não mercados
este por certo não é tempo de poesia
gostaria de vos dar outros recados
com pão e vinho e menos mais valia.
Irmãos meus que passais um mau bocado
e não tendes sequer a fantasia
de sonhar outro tempo e outro lado
e como António digo adeus a Alexandria
desconcerto do mundo tão mudado
tão diferente daquilo que se queria.
Talvez Deus esteja a ser crucificado
neste reino onde tudo se avalia
irmãos meus sem valor acrescentado
rogai por nós Senhora da Agonia
irmãos meus a quem tudo é recusado
talvez o poema traga um novo dia.
Rogai por nós Senhora dos Aflitos
em cada dia em terra naufragados
mão invisível nos tem aqui proscritos
em nós mesmos perdidos e cercados
venham por nós os versos nunca escritos
irmãos humanos que não sois mercados.
"Acabei de escrever este poema e gostaria de o partilhar com os amigos, Manuel Alegre por Manuel Alegre, quinta, 23 de junho de 2011 às 15:46"
E eu M.José partilho com os amigos em 27 de Fevereiro de 2012
A ideia é mesmo cabar com o modelo social europeu, pelo menos com o que conhecemos. E isso seria um atraso civilizacional desastroso, não só para a Europa, mas também para o mundo.
ResponderEliminarNão quero ser antipático, mas é contrariável quase todo o argumento que conclui não visar as actuais análises a «recuperação económica e revitalização social»
ResponderEliminarO que as medidas adoptadas visam é que os (países) devedores paguem aos (países) credores o que devem. Não propriamente pagar tudo de uma vez, mas pagarem o que se vai vencendo e mostrarem competência de trabalho e produção para se continuar a confiar neles, nomeadamente que consigam continuar a pagar o que devem.
Sem dúvida que se um país não puder pagar o que deve, não paga, e os (países) credores pura e simplesmente perdem parte ou o todo que emprestaram. Em parte, isso não os preocupa excessivamente porque se bem avaliaram o risco que corriam nos empréstimos que fizeram, cobraram por tal risco alguma sobretaxa de juro, o chamado «prémio de risco». E, igualmente, uma boa parte dessa dívida já a terão endossado, vendido a terceiros, ainda que com algum moderado prejuízo. Portanto, obviamente, o que as autoridades estaduais andam a fazer é administrar a contenção possível dos prejuízos. No entanto, um país que puramente não pague nada sem acordo dos credores, fica vários anos sem nenhum acesso a financiamento externo: o que é uma situação de drástica gravidade, mas, claro, com o decorrer do tempo, as coisas irão melhorando, do extremo de austeridade a uma modesta prosperidade.
Quanto ao «facto de, na generalidade dos países, a percentagem do PIB relativa a salários ter vindo a diminuir (por exemplo, entre 1995 e 2007, por cada 1,0% de aumento anual do PIB per capita houve um aumento de apenas 0,75% dos salários)», isso não é anormal em si, se o diferencial de lucro for reinvestido no país e não transferido para o estrangeiro e se o próprio aumento salarial médio for parcialmente poupado e emprestado pelos bancos para projectos válidos de produção e desenvolvimento
Quanto ao «crescimento global da riqueza na economia mundial com reflexos no aumento do volume da população empregada», isso deveu-se à deslocalização das indústrias do Ocidente para o Oriente, empregando a mão-de-obra muito barata dos países subdesenvolvidos. O processo não vai poder continuar porque os países desenvolvidos não aguentam o vultuoso desemprego em que estão mergulhados. Quer a espoliação do petróleo caro quer o dumping social da mão-de-obra oriental terá de cessar para que o actual estado de coisas não degenere em guerra militar.
Na verdade, Malthus tem razão: há gente a mais. A natureza é fecunda e o engenho humano é criativo e civilizador: - mas não para crescimentos demográficos explosivos, que tornam a vida das pessoas em sociedade um inferno!
No fundo, o equilíbrio internacional do comércio impõe - como David Ricardo ensinou há duzentos anos -, que os países superavitários - Alemanha, China, Árabes (petróleo), Russos (petróleo, gaz) - se "descontraiam" e aumentem o seu bem estar gastando e comprando mais, aos países deficitários que têm de trabalhar mais e melhor para produzirem bens vendáveis aos países solventes.
Sem equilíbrio mundial, mínimo, nada se vai conseguir.