sábado, 6 de abril de 2013

Das Declarações de Inconstitucionalidade...

Os 2 textos que aqui transcrevo são da autoria de José Manuel Correira Pinto e da sua relevância diz o seu próprio teor - que aqui partilho com um agradecimento ao autor pelas respetivas publicações no POLITEIA :

"TRIBUNAL CONSTITUCIONAL

"O Sentido de Uma Decisão


O Tribunal Constitucional poderá não ter ido na sua decisão até onde a Constituição lhe permitiria que fosse, todavia, tratando-se de um tribunal jurídico-político não apenas sujeito a fortíssimas pressões dos interessentes nacionais político-económico dominantes mas também compelido a decidir no contexto, nacional e europeu, de uma situação político-económica complexa, deve considerar-se que a decisão de ontem representa uma grande vitória do Estado direito democrático e das forças que o apoiam contra os agiotas, nacionais e internacionais, contra os rentistas das PPP e das empresas energéticas, em suma, contra essa cáfila de exploradores que tomou conta do poder político e económico em Portugal e que em estreita e criminosa aliança com os interesses do capital financeiro e especulativo internacional empobrece, rouba e explora o povo português.
É vê-los na televisão, é lê-los nos jornais, é ouvi-los na rádio, é escutar os que em Bruxelas representam a agiotagem internacional, e logo as dúvidas se dissiparão acerca do verdadeiro sentido da decisão do Tribunal Constitucional e do rude golpe que ela lhes desferiu.
Está aberta uma porta para a alteração da situação política em Portugal e com ela para uma nova etapa da vida política portuguesa. Incumbe ao PS a tarefa maior de dar continuidade à defesa do Estado de direito democrático corajosamente demonstrada pelo Tribunal Constitucional. Se o PS claudicar quer na busca ou concretização de alianças espúrias, quer na formulação das propostas que o povo português dele espera, é o próprio regime democrático que a breve trecho colapsará.
Exige-se por isso aos dirigentes do PS – aos actuais ou àqueles que os poderão substituir – uma coragem e uma capacidade de decisão que estejam à altura do momento que o país atravessa."


"Do Sentido Político do Acordão

O primeiro comentário que fiz, no Facebook, muito a quente, depois de ter ouvido a súmula do Acórdão pelo Relator (presumo) carece de alguns desenvolvimentos.
A ideia com que logo a seguir fiquei, sem ouvir ninguém – aliás ainda não ouvi ninguém para não ser, mesmo subconscientemente, influenciado – foi que o TC com esta decisão se queria defender de uma campanha demagógica que seguramente seria feita se declarasse a inconstitucionalidade da contribuição extraordinária de solidariedade sobre as pensões acima de 1350 € e da sobretaxa sobre o IRS, ambas indiscutivelmente inconstitucionais, mas que se prestavam muito facilmente à demagogia da direita por os grandes beneficiários dessas inconstitucionalidades serem obviamente os mais ricos (Pinhal, etc); é certo que também havia todos os outros, mas aproveitava-lhes relativamente pouco e tanto menos quanto menos ganham.
Quanto ao corte dos vencimentos dos funcionários públicos, dificilmente o tribunal poderia decidir de outra maneira depois do que já tinha decidido no primeiro acórdão (o “acórdão Sócrates”); relativamente à redução dos escalões do IRS, que também viola o princípio da progressividade, deve entender-se a decisão como um “rebuçado” dado ao Governo numa matéria em que a densificação do conceito (ou princípio) se presta a uma razoável amplitude de entendimentos.
No que toca à inconstitucionalidade da contribuição adicional dos beneficiários dos subsídios de desemprego e de doença, respectivamente de 6% e 5%, a decisão do Tribunal já se insere naquilo a que se poderia chamar o respeito pela mais elementar “decência civilizacional” que o Governo PSD/CDS manifestamente não tem.
Atacando o corte dos subsídios de férias dos funcionários públicos e dos pensionistas, o Tribunal privilegia um vastíssimo universo de pessoas que se sentem tratadas por igual por todas passarem a receber todos os ordenados a que têm direito. Aqui já não há mais nem menos beneficiados nem tão pouco a decisão é passível de qualquer campanha demagógica. Depois de tudo o que tem sido feito aos pensionistas e aos funcionários públicos seria preciso muita lata para que os comentadores do Governo regressassem à estafada conversa do “justo tratamento diferenciado” (para pior) dos pensionistas (por já não poderem perder o “emprego”, argumentação de Vital Moreira) e dos funcionários públicos (por ganharem mais e não poderem ser despedidos, argumentação de Paulo Rangel e quejandos) relativamente aos demais trabalhadores.
Creio que esta é a orientação política do acórdão. Depois é uma questão de lhe dar forma jurídica. Essa análise fica para mais tarde, depois da leitura do acórdão."
José Manuel Correia Pinto (in Politeia mas, também, via Facebook)

4 comentários:

  1. Eu acho que com as campanhas demagógicas podemos nós bem. Temos todos um grande treino disso. Agora a norma dos 1350 euros é verdadeiramente injusta e, ela sim, demagógica e verdadeiramente inconstitucional. Não há argumento político que lhe valha. Se começamos a considerar que há "orientações políticas" do acordo não vamos por bom caminho. Abraço

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    1. Vamos lá ver se nos entendemos. O tribunal constitucional não é um tribunal como os outros. Tem entre as suas funções uma que nenhum outro tem: uma função legislativa negativa. Ele não se limita a interpretar e aplicar normas como os demais, ele pode banir do ordenamento jurídico as normas que contrariam a Constituição, não obstante terem sido adoptadas por um órgão legitimado pelo voto popular. Portanto, é perfeitamente compreensível que as suas decisões, embora proferidas no quadro do princípio da legalidade (lato sensu) tenham em consideração o contexto político, económico e financeiro em que são proferidas. Este juízo também está presente em qualquer outra decisão jurisdicional, mas é perfeitamente compreensível que no TC ele desempenhe um papel mais destacado do que em qualquer outro.Mas é bom não confundir este juízo integravel no princípio da legalidade com decisões baseadas em simples juízos de oportunidade. Isso é que seria inaceitável. Mas não foi isso o que o tribunal fez, nem foi isso o que pretendi dizer no texto acima transcrito pela Ana Paula. Como foi um texto escrito muito em cima do acontecimento posso não me ter exprimido devidamente, embora esteja convencido que não é esse entendimento que dele resulta.
      Como disse a análise jurídica de fundo só poderá ser feita depois de lido calmamente todo o acórdão. Isso tem de ficar para mais tarde...

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    2. Obrigada pelo esclarecimento, meu amigo... apesar de, para mim, ser inequívoco o sentido que aqui explicita.
      Um abraço.

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  2. O primeiro dos textos transcritos mereceu-me uma citação do próprio autor

    «...Cortar com a Europa ou reconhecer o seu rotundo fracasso seria o mesmo que reconhecer a falência do seu próprio projecto. “A Europa connosco”, as ilusões sobre a construção europeia como uma zona de solidariedade e prosperidade sem par fazem parte da matriz genética do PS. Sem a Europa, como referencial imaginário – que para o PS funcionou como referencial substitutivo do mito imperial -, o PS não existe. E isso está-se notando já hoje, mesmo sem o partido ter feito esse debate ou sequer interiorizada a falência do projecto europeu, na incapacidade de apresentar uma real alternativa à presente situação, quer sob a liderança de Seguro, quer sob a de Costa ou de Assis, todos eles tolhidos pela ausência de saídas minimamente credíveis e susceptíveis de reverter a presente situação.»

    JM Correia Pinto

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