sexta-feira, 17 de julho de 2009

A Corrupção...



Quando se fala da corrupção em Portugal, alegam-se procedimentos, apontam-se factos e critica-se a impunidade do crime seja o do tráfico de influências ou uma qualquer das suas formas mais activas... depois... depois, estranha-se esta mesma impunidade, esta negligência, os "brandos costumes", a cumplicidade, a aceitação tácita, a tolerância e a desculpabilização que assenta, quase sempre, na falta de provas... raramente se evoca o fundamento cultural desta interiorização do que a sociedade global contemporânea caracteriza como corrupção - e que a Lei reconhece como tal - mas que, no contexto da sociedade tradicional e rural de há 40/50 anos cujas raízes se prolongam até aos nossos dias, correspondiam a simples modos funcionais de exercer o controle da organização societária não perspectivados como tal mas, pelo contrário, como a ordem "natural" (leia-se: habitual) das coisas... O interconhecimento, as relações de parentesco constituídas em redes alargadas de consanguíneos, parentes por afinidade ou por simples motivações correlativas à vizinhança e à territorialidade marcavam a lógica de recrutamento e selecção dos actores, designadamente, na área da política... e é aqui que reside a dificuldade de levar à prática, de forma efectiva, "no terreno", o combate à corrupção... porque num país pequeno como é o nosso, onde os principais detentores de riqueza trazem como fundamentos da memória a realidade transviada e demagógica da sua vivência socio-familiar e onde o acesso ao poder se mantém próximo do exercício do poder económico, factores como o interconhecimento, o parentesco e a vizinhança (lato sensu) determinam ainda o modelo pelo qual se rege o "corpo" dos agentes activos nos desempenhos públicos e privados... são filhos dos filhos e netos, sobrinhos, primos e outros colaterais quem, de facto, domina o desempenho dos cargos públicos... por presumível transmissão de carácter? por eventuais e demagógicas lealdades?... a que preço?... ao preço do constante adiar da construção e institucionalizão dos procedimentos técnicos que visam a sua imparcial e equitativa homogeneidade, no quadro de uma efectiva igualdade de oportunidades... em Portugal, como em muitos outros países, de forma mais ou menos flagrante, rejeita-se o esforço de aplicação de metodologias e princípios de trabalho ao serviço de uma cada vez mais indispensável meritocracia, na medida em que essa opção feriria sempre - ou pelo menos numa probabilidade muito elevada - as redes sociais da sociedade rural e do interconhecimento, em que a corrupção se gere como uma espécie de reciprocidade cuja avaliação fica afinal, exclusivamente dependente de si própria ou dos protagonistas que a eternizam... ... é isto que me ocorre dizer: enquanto a cobardia deixar reféns os dirigentes nacionais da sua rede de favores, não será fácil vencer a luta contra a corrupção... até porque, perante os valores tradicionais, esta não é reconhecida como tal... a questão é, de facto, mental e de natureza cultural, razão pela qual só assitiremos à sua ultrapassagem quando interiorizarmos os valores que deveriam estar presentes no senso-comum, muitos dos quais, apesar de consignados na Lei, não participam ainda das nossas práticas, afastadas, de facto, dessa construção social da esperança que, de há muito, andamos, sem sucesso, a tentar aferir...

2 comentários:

  1. Poderia dizer que a corrupção em Portugal, primeiro estranha-se, depois entranha-se.
    Mas parece-me que não será bem assim, estará antes bem entranhada.

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  2. Obrigado por ter vindo até aqui e pelas suas palavras, Benjamina... tem toda a razão! De facto, a corrupção em Portugal, de tão bem entranhada, já nem se estranha!... tétrica esta conclusão, não é?... por duas razões, se me permite a observação: por um lado, dado o difícil contexto económico-político e social envolvente e , por outro lado, porque sabemos que a mudança cultural é uma construção social,lenta e complexa que se não pode "decretar"... gostei da sua visita!... Volte sempre!
    Um abraço,
    Ana Paula :)

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