Se é certo que a Comissão Europeia tem de agir de forma a evitar males maiores (tal como exemplifica o caso a que me referi aqui), não pode, contudo, adiar "ad aeternum" a tomada de posições claras que as situações socio-económicas e financeiras dos diferentes Estados-membros e do espaço comunitário requerem, recorrendo a ambiguidades que reflectem, por um lado, a persistência das práticas económico-financeiras neoliberais e que, por outro lado, procuram afirmar uma hegemonia socio-política que está cada vez mais frágil. A questão suscitada pela discriminação dos cidadãos ciganos em França foi contornada, para efeitos de continuidade de legitimação do princípio da não-discriminação e da aparente sintonia europeia relativamente a princípios de igualdade de oportunidades para todos, pelo recurso à figura da insuficiente transposição da directiva sobre a livre circulação de pessoas; contudo, continuam por definir as políticas respeitantes aos processos migratórios que caracterizam a contemporaneidade, deixando margem para que, em relação aos emigrantes, a xenofobia possa até vir a assumir o rosto de reserva face a questões que se prendem com o acolhimento de refugiados. De igual modo, a pronúncia de aprovação sobre os orçamentos de Estado nacionais ou a aprovação de PEC's pela Comissão Europeia denota o mesmo "princípio de fuga" face ao confronto com questões delicadas mas, essenciais!, que se prendem com a arquitectura de uma desejada Europa social. Vejamos: os critérios de convergência e observância das linhas deficitárias consentidas entre os Estados-membros não atende às conjunturas nacionais ou sequer aos condicionalismos culturais que, no caso português, determinam um grau de maturidade da gestão democrática, configurado por representações sociais que, próximas do funcionamento rural que caracterizava o país que eramos há 40 anos, tem enfrentado sérias dificuldades (pouco estudadas - até porque problematizariam a própria classe política) na adaptação às mudanças sociais vertigionosas que caracterizaram as últimas décadas. De facto, de uma sociedade rural, pobre, destituída de conhecimento e condições tecnológicas passamos a uma sociedade a que hoje, face aos efeitos da crise, podemos chamar "sociedade de abundância" (leia-se: de consumo) para a qual nos disponibilizámos sem reservas, apesar de não termos criado as condições endógenas adequadas ao efeito (foi o caso da adesão à Comunidade Económica Europeia)... e se houve a possibilidade de equacionar um período de transição, não foi prevista com objectividade a dificuldade acrescida do funcionamento socio-cultural da população e, consequentemente, das suas "elites" políticas, económicas e financeiras. É essa a "factura" que estamos hoje a pagar e a que se soma, de forma agravante, a intransigência da ideologia neoliberal em termos económico-financeiros que domina a filosofia da UE... Por isso e porque o problema é demasiado multifacetado e complexo para um simples post, direi apenas que é urgente mais e melhor pedagogia política na transposição das regras económicas comunitárias para os Estados-membros, sob pena da Europa passar de uma "sociedade de abundância" para uma sociedade em que a pobreza e o desemprego serão o seu símbolo identitário para as (muitas) próximas décadas.
Ana Paula Fitas,
ResponderEliminarIsso que diz resolve-se apenas com "mais e melhor pedagogia política na transposição das regras económicas comunitárias para os Estados-membros"? Não percebi... Sei que é tema complexo, mas a grande questão está na reflexão de ser ou não esta a Europa dos povos. Não por isso em questão, é abdicar da afirmação da nossa identidade e, mais grave, da nossa própria Liberdade.
Abraço
Cara Ana,
ResponderEliminarDeixe-me saudá-la pelo seu esforço em ser intelectualmente séria e desalinhada nas suas análises e opiniões, por fazer o possível por ser você mesma, autentica.Porém, a respeito das suas últimas reflexões, oportunas e sérias, repito, acho que estão influenciadas pelo ambiente político/moral que vivemos, mas esta, ao contrário do que possa pensar,não é razão para eu a censurar, antes para lhe agradecer, porque depois de pensar um pouco sobre os seus escritos, passei a compreender-me melhor, pude verificar que tenho tendência a ser um lado c das duas faces e a aceitar isso nem como um ponto forte nem fraco da minha personalidade, do meu carácter. Obrigado. Um abraço.
Caro Rogério,
ResponderEliminarNão se trata apenas de mais e melhor pedagogia... aliás, vale apena referir que destaco a dimensão da pedagogia política e que me não refiro, de modo algum, a qualquer tipo de manipulação... é preciso entender a dimensão económico-política do impacto da actual arquitectura europeia e aplicar as suas regras considerando a sua dimensão social e não apenas de forma genérica ou num sentido "tout court". A questão prende-se com a das representações sociais a que nos alienámos por condicionalismo do consumismo instalado mas não se esgota aí, de forma alguma... a questão de fundo a que me referi é a dos critérios de convergência e da atenção às particularidades nacionais, bem como a da reformulação do problema da produção e da auto-suficiência dado que o nível de interdependência provocado pela globalização se revelou já contrário ao interesse e à qualidade de vida dos povos.
Abraço.
Caro José Luís,
ResponderEliminarA sinceridade das suas reflexões denota o quanto vale a pena esforçarmo-nos por pensar... de facto, precisamos de um grande esforço racional no sentido de permitir o entendimento da ambiguidade da realidade por ser tão grande o fosso entre intenções e resultados que, não pode deixar-nos no impasse da revolta e da rejeição. Um dos caminhos para a mudança cabe, segundo penso, à nossa capacidade de entendimento e desmistificação, com a qual,entendendo, podemos vislumbrar o agir.
Bem-haja por estar aqui e por partilhar este espaço!... o mundo precisa de cidadãos assim, inteligentes, críticos e capazes de repensar as próprias conceptualizações - como, aliás, tentamos aqui, em "voz alta", fazer.
Com toda a consideração, receba o meu abraço amigo.