sábado, 14 de novembro de 2009

Da Manipulação Informativa à Ficção Literária como Catarse




Informação, contra-informação, suspeitas, factos, comentários e opiniões fazem o conhecimento? Não. E aproximam-nos da realidade?... apenas e só na medida em que forem epistemologicamente consideradas as afirmações e os seus contextos. Eis a razão porque, apenas se pudessemos dedicar todo o nosso tempo ao tratamento multidisciplinar das notícias e dos textos que chegam ao conhecimento público, configurando a opinião mediática que nos é apresentada como colectiva, poderiamos confiar, sem reservas, no que se diz e/ou no seu contraditório. Porém, hoje mais do que nunca, todos avocam a liberdade para usar o espaço público e todos evocam as suas fontes como fidedignas ainda que, em grande parte, sejam anónimas, pelo menos do ponto de vista do leitor-cidadão. A democracia surge assim, aparentemente, como um espaço aberto e não-restritivo de exercício da circulação informativa... sem que, proporcionalmente à sua importância, seja analisado ou discutido com seriedade, o problema central da sua legitimação: o poder económico em que assenta a propriedade dos media e as esferas políticas que nele desenvolvem a sua intervenção garantindo, exclusivamente, a gestão manipulada do teor do que vai emergindo, em função de interesses individuais ou de grupo. Não interessa nada o interesse nacional a não ser aquele que afecta os lobbies, formais ou informais, como não interessa o interesse colectivo de cidadãos e populações... essa é, afinal, a razão que justifica a dispersão da "causa pública" na política, que nos obriga a viver rodeados de uma poluição de intrigas inter-partidárias vestidas das mais diversas roupagens, com rostos de oportunidade que nos afastam do que sabemos ser essencial: combater a pobreza, o desemprego e a discriminação, criar riqueza, emprego, aumentar a produtividade, criar confiança nos consumidores e consolidar a confiança nas instituições democráticas. Porém, cada vez mais, em Portugal, Economia, Justiça, Trabalho, Segurança Social, Saúde, Educação e Cultura, parecem minimizar as causas, dispersando-se pelas consequências casuísticas de situações que nem deveriam existir se a sociedade formasse, na família, na escola, nos meios de comunicação social e no espaço público, pessoas capazes de resistir às tentações facilitistas de ascensão social pelo recurso a meios muito próximos do acesso ao dinheiro, mais ou menos, "ilícito" - conceito que, entre nós, radica na negligência de costumes e práticas relativamente a valores éticos de cidadania... continua, também por isso, a ser catártica a literatura, clássica e contemporânea, com a qual avaliamos e aferimos padrões do comportamento social, sem o condicionalismo da responsabilidade que sobre nós pesa quando pensamos o enquadramento em que se move o nosso quotidiano... Stieg Larsson, jornalista sueco, criou, em 2004, uma metáfora interessante das sociedades ocidentais contemporâneas, numa trilogia aliciante intitulada "Millenium", cuja personagem principal diz a certa altura: "Não há inocentes. Há apenas diferentes graus de responsabilidade"... depois de entregar o livro ao editor, numa daquelas ironias da vida que a doença resolve desencadear, Stieg Larsson morreu... ... fica a obra... fascinante para quem gosta de um bom romance de ficção por muito se interessar pela realidade.

6 comentários:

  1. Nesta sociedade solitária dos nossos dias surgiu para nos reanimar o movimento dos blogues. Movimento de comunicação entre seres “mais ou menos conhecidos” que tem pontos de interesse.
    Claro que temos sempre de separar o trigo do joio, mas isso temos de o fazer em todas as áreas da nossa vida social ou privada.
    Esta minha descoberta do teu e de mais meia dúzia de blogues, foi uma brisa de esperança neste meu percurso de vida.
    É bom sabermos que não estamos sós! È bom saber que ainda existe gente que pensa nos outros, no estado das nações e nas pessoas que as formam.
    Ainda bem que existe gente que não se robotizou entre o trabalho e os centros comerciais. Gente que não passa o tempo a dizer mal da sua vida (muitas vezes de barriga cheia) ou da dos outros e se preocupa com aqueles que estão em maiores dificuldades.
    Mas acima de tudo, gente que se preocupa com os problemas reais, a fome, a liberdade e os direitos e deveres.
    A ti já te conhecia, é bom saber que continuas atenta e interessada, mas aos que não conhecia aqui fica o meu agradecimento pessoal por pensarem! E acima de tudo por me ajudarem a estar um pouco mais acompanhada!
    Lurdes

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  2. Frontal !
    Desconhecia o autor. Vou ver se o encontro.
    Bom domingo.

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  3. Olá Lurdes!
    Também para mim a blogosfera foi uma descoberta gratificante, exactamente por nos permitir ter acesso a mais pensadores do que os que a comunicação social nos impinge, permitindo-nos o encontro com pessoas que partilham o pensar, o sentir e a inteligência nos textos que escrevem... há assim uma espécie de reencontro colectivo de uma parte significativa dos que têm voz e escrevem, de viva voz, o que nos vai na alma... obrigado por te juntares a nós :)
    Um beijinho e aquele abraço amigo :)

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  4. T. Mike,
    A obra de Stieg Larsson está, felizmente!, traduzida na nossa língua... e, se a boa ficção o motiva, vai ser uma excelente mas mesmo excelente descoberta! Boas leituras e
    Bom domingo :)
    Abraço.

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  5. Ana,
    É que o Teeteto é muito chato de se ler, mas ao menos, o conhecimento era uma opinião, verdadeira, justificada (ou com logos)... E agora?! "Não há inocentes. Há apenas diferentes graus de responsabilidade". O problema põe-se em saber: de que lado estamos? Se: "Não interessa nada o interesse nacional a não ser aquele que afecta os lobbies, formais ou informais, como não interessa o interesse colectivo de cidadãos e populações...", então, para além da manipulação poder-se-á falar de hipnose. Uma hipnose cultural negativa que visa a indução de estados mentais artificias e, consequentemente, tentará uma sedução que liberta pequenas quantidades de dopamina...
    Mais do mesmo. Até quando?! "Millenium" já está na minha lista... Um abraço Grande.

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  6. Jeune Dame,
    "Teeteto" sempre, minha amiga... adorei esta excelente expressão da "hipnose cultural negativa"!!! Obrigado :) ... e sim, "Millenium" merece estar na tua lista :)
    Um Grande Abraço... e Boas Leituras :)

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