Morreu Mário Barradas. Acabei de o saber... e, para além de pensar que o Teatro Garcia de Resende deveria passar a chamar-se: Teatro Mário Barradas, assinalo este momento com a evocação de uma pequena e insignificante história suscitada pelo luto... porque o luto dos amigos, em nós, evoca o seu melhor... De facto, não deixa de me ocorrer a imagem de um encontro que com ele tive, sob os arcos que vão do Largo Luís de Camões para o Garcia, lá, em Évora, quando a cidade era a capital da cultura e o povo a vivia de peito aberto, na rua... Eu tinha 16 anos e encontrara-o em boa hora porque me pairava na cabeça o projecto de abraçar as artes que o Centro Cultural de Évora em mim despertara... disse-lhe!... ele, demorou um pouco para retorquir e perguntou-me: "Estás a acabar o Liceu, não é? Mas pensaste ir para a Universidade... diz lá que curso querias fazer" e eu, um pouco desiludida por pensar que ele ia ficar entusiasmado por haver jovens que acompanhavam o trabalho cultural que a Companhia levara, depois do 25 de Abril, ao coração do Alentejo, respondi: "Filosofia..."... o Mário parou, olhou para mim e disse: "Vai para a Faculdade... tira Filosofia"... eu tentei ripostar: "mas... posso fazer as duas coisas até porque o teatro pode articular-se com o estudo e a leitura"... ele voltou a parar e, em frente da Violeta (a pastelaria, claro), disse-me, muito sério: "És muito nova... vai primeiro fazer Filosofia... depois, se ainda quiseres vir, vem"... Acompanhei o trabalho de Mário Barradas e do grupo de actores que criou, do Centro Cultural de Évora ao Cendrev e à Companhia... devo à sua arte e à sua forma de estar na vida, uma parte do que sou. Por isso, hoje, sinto que todos perdemos um Amigo e um Mestre... mas se sinto que a minha vida ganhou muito por habitar o espaço que ele escolheu para trabalhar, imagino a perda dos meus amigos que, com ele, partilharam uma vida inteira de quotidianos, mágoas, alegrias e trabalho... conforta-me saber que a herança que o Mário Barradas deixou a este país tem na Ana Meira, no Alvaro Corte-Real, na Isabel Bilou, na Rosário Gonzaga, no Rui Nuno, no Vitor Zambujo, no Zé Russo e em tantos outros (de que não posso deixar de destacar o Fernando Mora Ramos), a garantia de continuidade de que as novas gerações já dão sinal. Um grande, grande abraço a todos... por todos nós, os que aprendemos a construção do ser também convosco!... dele deixo a fotografia (na companhia de J.Benite) e um texto que pode ser lido AQUI.
Um grande nome do teatro português, que não vive apenas dos teatros nacionais, e que na sua vertente mais genuína é tão pouco apoiado e acarinhado. Obrigado, Ana Paula, por partilhar a sua história.
ResponderEliminarLogo após o 25 de Abril, e a descentralização do teatro e a consequente criação do Centro Cultural de Évora, da qual faziam parte um leque incrível de actores como o Paços, a Teresa e o Mário entre outros, eu uma criança de 8 anos fui levada ao teatro pela minha professora de teatro D. Arlete.
ResponderEliminarA primeira peça da Companhia de Teatro Profissional de Évora, era um luxo para mim, para os meus colegas e para a cidade.
Entrei nesse dia pela primeira vez no teatro Garcia de Resende, então muito mal tratado e a necessitar de muitas obras. A peça penso que o “28 de Setembro” era forte, tinha muito texto e perdoem-me os actores não me lembro de quase nada mas a figura daquele homem imenso, de voz rouca e grossa, com gestos forte e precisos, ficou na minha memoria até hoje.
Posso ainda agora fechar os olhos e vê-lo no palco a representar para um bando de miúdos, como se fossem o publico mais entendido do mundo.
Esta foi a minha primeira imagem de Mário Barradas, depois outras se seguiram no palco ou um pouco por toda a cidade, mas esta sempre se sobrepôs.
Talvez por isso eu me tenha apaixonado por esta nobre arte, talvez por isso eu tenha ido para a biblioteca pública ler outras peças de teatro, talvez por isso eu tenha enveredado pelo mundo das artes em geral.
E talvez por isso defenda hoje que a arte não necessita de ser simples ou primaria para que o publico a entenda, tem sim de ser honesta e clara.
Ao Mário devo isto como pessoa, já como eborense devo-lhe, eu e todos nós, muito mais, mas essa divida ficará por pagar, quem sabe um dia!
Nota: Permite-me descordar de ti, não mudem o nome do Teatro que o garcia também nos marcou no seu tempo, façam outro que esta era também uma reivindicação do Mario, e ele mais do que todos nós merecia-a.
Nota: Permite-me discordar de ti, não mudem o nome do Teatro que o Garcia também nos marcou no seu tempo, façam outro que esta era também uma reivindicação do Mário, e ele mais do que todos nós merecia-a.
Lurdes
Sim, Rui... de facto, temos a lamentar, no nosso país, uma certa incapacidade de avaliar e apreciar a genuinidade da arte e da cultura... Mário Barradas foi o exemplo claro da contra-corrente... Um grande abraço :)
ResponderEliminarLurdes,
ResponderEliminarObrigado pelo teu excelente, sentido e verdadeiro comentário que se constitui como um claro e sintomático exemplo do que um Homem pode fazer pela Cultura, pela Arte, pela Cidade e pelas Pessoas... quanto à tua discordância, deixa que te diga, minha amiga, que a não considero uma discordância porque o que importa é que a Cidade reconheça publicamente o trabalho, a vida e a obra de quem se lhe dedicou de corpo e alma, num esforço produtivo a que, talvez só nós os que o vivemos e a História, poderão fazer justiça... por mim, Lurdes, o Garcia pode continuar a ser o Garcia mas é justo e honroso que tenhamos um Teatro ou um Cine-Teatro que honre a figura e o trabalho de Mário Barradas... por exemplo, o futuro Cine-Teatro onde a Companhia deverá instalar-se quando as obras (de Santa Engrácia?!) finalmente forem feitas... porque há muito mais cultura para além das Arenas e a população merece... a herança e o futuro. Obrigado pela tua pertinente sugestão. Um beijinho :)