domingo, 1 de novembro de 2009

Um País na Idade do Armário...

"Portugal é um país de amadores" (Jorge de Sena in O Reino da Estupidez)... hoje, no programa Câmara Clara (RTP 2), dedicado a Jorge de Sena, foram convidados de Paula Moura Pinheiro, Jorge Vaz de Carvalho e o sempre extraordinário Eugénio Lisboa, intelectual por quem nutro uma admiração sincera, resultante do sentimento de libertação que provoca o seu desassombramento, lúcido e claro, sobre os objectos a propósito dos quais se pronuncia... Jorge de Sena era um desmistificador... aprendi-o quando me apaixonei pelos seus Estudos Camonianos... e a citação de Jorge de Sena que aqui reproduzo, materializa sempre, no meu imaginário, o retrato do país que somos, radiografia do espaço e das dinâmicas que no tempo vamos percepcionando e em que vamos, mais ou menos a contragosto mas sempre de boa-fé, participando. "Portugal é um país de amadores" escreveu, em 1961, o pensador Jorge de Sena... ainda é!... um país de amadores nas escolhas, nos critérios, nas metodologias e nas perspectivas em que se satisfaz com uma espécie de obediência cega à lógica do previsível, do seguro e do conforme... um país de amadores por se manter quase escolástico, quase canónico, quase, por certo, apenas, cartesiano... um país de amadores por querer medir o futuro com a exacta medida de uma proporcionalidade garantida pelo passado e que, sem ousar, conserva o presente arrumadinho, sem margem para a desordem da criatividade de que irrompe a inovação, a partir da qual se instalam os ritmos da mudança... um país de amadores, por certo, porque nas suas representações se equivalem diversidades, diferenças e inseguranças e onde se pretende que, em vez de se correr, se marche para que se impeçam distinções inconvenientes ou comparações de competências e méritos que deixem de justificar opções assentes em laços de dependência corporativa... um país que se quer resumido às oportunidades do prevísivel e controlado, contrariando esse ímpeto que, em muita da literatura portuguesa, diz a verdade, o sonho e a utopia... um país que recusa a lisura com medo de ficar nú... um país que tem sempre juízos de valor para classificar os que falam, antes mesmo de os escutar... um país que grita sem razão num quarto fechado com medo do mundo, com medo de si e com medo de perder a ordem em que se auto-representa, num esforço de auto-reconhecimento e auto-valorização da adequação dos seus meios, esquecendo que o hábito lhe inquina o raciocínio... um país que tem a História e a Vida arrumadas em pequenas gavetas, ordenadas e rotuladas, é um país que se recusa a sair do armário... por isso, talvez por tudo isto e por tudo o mais o que lhe sabemos poder somar, Jorge de Sena tenha dito, com propriedade: "Portugal é um país de amadores"... o presente aí está para o comprovarmos e, se restarem dúvidas, aí estará, infelizmente!, o futuro, para o confirmar...

6 comentários:

  1. Apenas digo que é um texto profissional. Obrigado

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  2. Querida Ana Paula

    Um texto muito clarificante, até para uma pessoa pouco intelectual como eu. Tudo o que escreveu me fez recordar as palavras do nosso querido Eça de Queirós, com mais de um século e sempre actuais... o que é uma lástima. Demonstra que apesar de ter toda a razão, nada mudou no contexto sóciológico, político e económico. Se mudou foi para pior, pois nota-se uma quebra de Valores vertiginosa.
    Como diz a Ana Paula, aí estará o futuro para o determinar, uma ideia também exposta e fundamentada por Miguel Real, no seu livro A Morte de Portugal. Excertos de uma crítica nesse sentido, que "apanhei" no blogue "ComLivros-Teresa" de Teresa Sá Couto:


    «em nome de um orçamento metafísico e de uma canina imitação do pior da Europa, terão sido eliminados por este os curtos direitos ganhos pelas populações desde o 25 de Abril de 1974 (ter escola na sua terra, ter maternidade na sua terra, ter assistência hospitalar na sua terra, ter dinheiro suficiente para ir ao dentista, ter reforma garantida). É um Portugal solto, desregrado, cheirando alarvemente a dinheiro, os ricos por o terem, os pobres por o desejarem, todos por nas “Índias” o espreitarem, isto é, na mirífica Europa.».
    «títeres janotas que transfiguram a nobre arte da política numa cinzenta cadeia técnica de raciocínios casuais», «uma nova geração de engenheiros e economistas totalmente desprovida de espírito histórico», escreve o ensaísta:
    português, que a segue como “bom aluno”.

    Por fim, o do CANIBALISMO CULTURAL, o complexo canibalista, «que alimenta o desejo de cada pai de família portuguesa de se tornar súbdito do chefe ou do patrão, “familiar” do Tribunal da Inquisição, sicofanta da Intendência-Geral de Pina Manique, “informador” de qualquer uma das várias polícias políticas, carreirista do Estado, devoto acrítico da Igreja, histrião da claque de um clube de futebol, bisbilhoteiro do interior da casa dos vizinhos, denunciador ao supremo hierárquico», aludindo-se, na actualidade, à «perseguição a funcionários públicos rebeldes pelos poderes partidários instituídos pelo governo de José Sócrates/Cavaco Silva.».
    Resta aos homens de bem virarem as costas a esta nova elite tecnocrática que assaltou e se apoderou do Estado português (..) e, se puderem, emigrarem.

    A «”morte de Portugal” não significa que Portugal desapareça (Portugal “dura”, escrevia Eça de Queirós durante a crise do Ultimatum; é, aliás, a sua grande virtude, não dar felicidade ao seu povo, mas durar, sobreviver, existir por existir, criando contínuas mitologias que justifiquem a sua existência)», diz Miguel Real .A morte de Portugal residirá, então, no desaparecimento de toda a originalidade portuguesa substituída pela vertigem estrangeira por uma «ditadura tecnocrática» instituída por «técnicos medíocres» para quem só conta «primeiro, a contabilidade das estatísticas, e, segundo, o sentido europeu das estatísticas». Acrescenta Miguel Real:

    A consonância de ideias é tal, que me deixou estupefacta!
    Porque não lutamos por um futuro melhor? Porque é sempre mais do mesmo? Porque é que não seguimos o exemplo, dos povos da Europa do Norte?
    Não consigo entender de forma nenhuma. Duvido que tenhamos uma aura masoquista... mas é o que realmente é demonstrado aqui.
    Eu diria, um País de regresso à Idade Média.

    Um beijo de um grão de pó.

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  3. Obrigado pelas vossas palavras, Fernando, T.Mike e Fada do Bosque... pelos vossos comentários Jorge de Sena perceberia melhor o sentido da actualidade da sua afirmação... por isso, sou eu que agradeço a reciprocidade de entendimento e sentires...
    Um grande abraço e... um beijo de grão de pó :)
    Ana Paula

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  4. Ana Paula,
    por favor aceda ao "Vermelho" e atente no post
    "Um pouco de mim em 5 revelações".
    Um abraço

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