quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Para uma Epistemologia da Crise...

A crise económica, social e política com que as sociedades europeias se defrontam não decorre do que se pode designar por "falhanço das ciências sociais" - tese sugerida num oportuno comentário do Porfírio Silva ao post anterior. Pelo contrário, na minha opinião, a crise decorre de uma negligência intencional no uso e recurso a um saber técnico e tecnocrático sustentado através de dinâmicas que, em última análise e em detrimento do conhecimento científico, viabilizam a eficácia da manipulação dos interesses financeiros (em termos de controle dos movimentos de circulação dos capitais)... e se esta lógica funciona é porque aos interesses instalados em que se integra a comunicação social, as explicações simplistas servem de justificação para o legitimar dos enquadramentos "teóricos" das medidas que, enunciadas sob a aparência de uma pretensa racionalização científica (que, regra geral, ninguém problematiza), servem de caução à tomada de decisões. Na verdade,  não foram os cientistas sociais a criar, implementar e desenvolver estas dinâmicas económicas, sociais e políticas... quando muito, foram os protagonistas políticos sob pareceres e "estudos" pretensamente científicos, feitos por pessoas que se pensam e se intitulam (ou se deixam intitular) como "cientistas sociais" que serviram de justificação e fundamentação aos regimes... o que é, de facto, muito diferente do que devemos entender e entendemos por "espírito científico"! De facto, na minha perspectiva, a crise, a desigualdade, a injustiça e a desinteligência processual decorrem da ausência de espírito científico, contrário ao saber que socialmente nos é apresentado como tal e que mais não é do que generalização abusiva, retórica e estatística deficientemente interpretada - instrumentos que têm servido de "pseudo-ciência" para validar a vigência da orgânica económico-social e política contemporânea. Entretanto, como escrevi em resposta ao comentário do Porfírio que muito agradeço!, penso que esta é uma das feridas em que se deve colocar o dedo: repensar e esclarecer a relação entre epistemologia, ciências sociais, política e desenvolvimento.

3 comentários:

  1. Cara Ana Paula Fitas, desculpe, mas foi mais clara e racional na resposta ao Porfírio no comentário ao post anterior do que me pareceu ser agora... Diria, em síntese que o sistema social europeu passou a ser um objectivo a neutralizar ou mesmo a abater. Por quem? Com que motivações? Como fazer frente? São as questões.

    Não me passa nem um pouco pela cabeça que a existência de negligências intencionais justifiquem o quer que seja. O capitalismo perdeu a máscara do civismo. Não se trata de negligência, trata-se de um objectivo definido a frio. O resto (saberes, tecnologias, ciências) marcha tudo à frente. Cada área do saber, ignorando isso, envolve-se em polémica e avaliação especulativa e sentenciosa sobre o sistema e os modelos, estes e os possíveis alternativos, mas andam, em circulo, à volta da questão central: onde está realmente o poder e, uma vez localizado, que tem feito (e vai fazer) para se manter...

    ResponderEliminar
  2. Caro Rogério, antes de mais, obrigado por participar nesta reflexão que, em boa hora, o Porfírio despertou com o comentário ao post anterior. É verdade que as 2 respostas aos comentários do Porfírio se tornam mais claras porque são mais circunscritos e, neste post, tentei, em termos gerais, relacionar ideologia e ciência do ponto de vista dos condicionalismos epistemológicos. A verdade é que a sociedade pragmática dos mercados transformou o saber e as universidades em espaços de formação úteis à perspectiva de curto prazo das suas economias, cuja fragilidade e mudança não permitiram a rentabilização de tal orientação. O problema teve ainda outra consequência que foi a do facilitismo e utilitarismo a que foi sujeito o ensino com a redução de conteúdos e uma abordagem cada vez mais empobrecida no que se refere à reflexão crítica e ao estímulo à criatividade. Foi a esta questão que me referi ao falar em negligência intencional - porque o desinvestimento na investigação e no apoio à diversidade na pesquisa contribuem para reduzir a capacidade criativa dos recursos humanos que temos - para não falar das questões, em que se inscreve a adopção do processo de Bolonha, no que se refere ao ensino superior cada vez mais linear e escolástico... Contudo, questões desta natureza, a montante e a jusante da realidade social que nos afecta directamente todos os dias, seriam naturalmente objecto de alterações, se o problema principal tivesse uma resolução concertada, tal como o Rogério diz: identificar, prever e prevenir o que, relativamente aos interesses do poder financeiro, prejudica e agrava a vida económica e social dos países, dos povos e das pessoas... entretanto, também na sequência do que o Rogério bem escreveu sobre o facto de saberes, tecnologias, ciências "marchar tudo à frente" desse "objectivo definido a frio", acrescentaria que, se os cidadãos detivessem maiores e melhores competências analíticas e dispusessem de mais diversificados e criativos instrumentos de percepção crítica e construção de alternativas metodológicas, poderia ser mais fácil que da riqueza da abordagem emergissem soluções viáveis capazes de mobilizar a sociedade para a urgente mudança político-económica de que a sociedade precisa...
    Um abraço.

    ResponderEliminar
  3. Parece-me a reflexão sobre a ciência e a sua manipulação falaciosa para justificar ganhos imediatos, à custa do interesse público de longo prazo, o debate importante que a universidade deve travar a par da denuncia da mediocridade dos partidos políticos na direcção do estado.

    Porém, observe-se que há uma certa inocência objectiva na especulação financeira dos detentores de riqueza: eles justamente recusam confiar em políticos medíocres a dirigir a coisa pública.

    Por exemplo, quando Georges Soros especulou contra a libra, a libra não valia mesmo a cotação que tinha! Ele apenas desencadeou o grito: «O rei vai nú!».

    O mesmo se passa com os eurodevedores actuais. Mas se os grandes credores chineses da dívida americana julgam que vão receber tudo quanto supõem ter a haver, enganados estão porque o dólar há-de rolar pela ladeira da desvalorização, salvo as contas árabes de petrodólares que continuarão abonadas do máximo poder de compra.

    ...

    Por outras palavras, a verdadeira ciência das sociedades tem de olhar os recursos do planeta na justa perspectiva da condicionalidade que eles causam à vida e à civilização dos homens na Terra. E temos de convir que 7 000 000 000 de pessoas é mesmo gente a mais, e vai sendo o tempo de substituir o carvão e o petróleo pela descoberta de energias mais sustentáveis...

    ResponderEliminar