A persistente lógica de gestão das dinâmicas económicas a que assistimos (e de que, indiscutivelmente!, somos sistemáticas vítimas), decorre da prioridade concedida ao lucro como objectivo primeiro e último do envolvimento dos detentores de todas as formas de propriedade do capital... axiomático, este princípio revela a profunda ausência de cultura e de responsabilidade social dos agentes financeiros e evidencia um incontestável equívoco na formulação ideológica das teorias económicas em que, alegada e prepotentemente, o colectivo anónimo em que se agregam interesses corporativos, pretende fundamentar valores, juízos e práticas. Vale a pena repetir o que todos sabemos: a soma dos interesses individuais não tem como resultado o interesse do bem-comum mas, apenas, o que é comum ao grupo que o promove. Neste sentido, o antagonismo societário entre dominantes e dominados continua sem alterações substanciais desde sempre, nomeadamente porque, em situações de crise, assistimos ao radicalizar de atitudes que comprovam a vulnerabilidade de todo o aparelho conceptual (e legislativo) construido a propósito dos Direitos Humanos - que apenas os que não protagonizam o exercício real do poder político e económico continuam a defender, intransigentemente e sem reservas. A verdade é que a disfuncionalidade entre a opção pela prática concreta de métodos que acelerem a aproximação à efectiva melhoria da qualidade de vida para todos e a opção pelo aguardar que o ritmo dos mercados se auto-regule no sentido de proporcionar esta melhoria se não pode, em rigor, atribuir a diferenças estruturais de carácter orgânico porque solidariedade e corporativismo são potencialidades que o meio desenvolve nos seres, em função da correlação de influências que nele se desenvolvem. Assim sendo, que justificação poderemos encontrar para a avaliação societária que permite, mental e moralmente, a desigualdade económica e social no exercício dos direitos humanos, colectivos e individuais, a não ser uma concepção cultural e filosófica sustentada por uma ideologia legitimadora dessa desigualdade?... Vale a pena referir que estamos a falar da gestão internacional da política e da economia e que não subjaz a estes considerandos qualquer ironia velada - designadamente porque, se pensarmos na estreita relação entre o pensamento religioso e ideológico, rapidamente se percebe que os promotores/legitimadores desta gestão das desigualdades percepcionam esta realidade como inerente à existência humana, invocando o facto de serem praticamente uma constante ao longo da História (apesar da culpa que sentem necessidade de sublimar e que, em última análise, reitera uma espécie de consciência desresponsabilizadora do seu papel de dirigentes e configuradores do futuro)... Neste contexto, propomos, a título de contributo explicativo, uma breve incursão pela história do conhecimento que nos conduzirá a uma pequena mas assustadora percepção do fenómeno... De facto, há menos de 20 anos, a comunidade científica discutia ainda, com preocupações que se assumiram como legítimas, a questão dos coeficientes de inteligência associada às características genéticas... para dizer e promover a ideia de que as competências de raciocínio decorriam da hereditariedade e da pertença a grupos específicos, tornando o investimento laboratorial em opções cromossomáticas muito próximo das considerações que, durante o século XX, continuavam a afirmar que as "raças" e/ou etnias detinham diferentes potenciais de inteligência. Foi com base nestes pressupostos que muita produção livresca (de que se destacou a publicação, em 1994, do livro "A Curva de Bell") continuou a contaminar a opinião pública com afirmações insidiosas que induziam o reforço do pensamento discriminatório, generalizando preconceitos profundamente erróneos e infundados... como os que, nos anos 50 e 60, levavam o senso comum a dizer da população negra o que hoje muitos dizem da população cigana... e que outros tantos dizem da população árabe... ou latina!
Moral da história: é a ignorância científica e a consequente ausência de valores ética e cívicamente responsáveis e justos que sustenta, em pleno século XXI, a injustiça, a crueldade e a profunda assimetria das condições de vida das pessoas... como é a falta de coragem em assumir os paradigmas do conhecimento por parte dos líderes das instituições internacionais que alimenta a desumanidade que tem permitido a fome e a guerra por mais de 2/3 do planeta... e que, agora, investe no empobrecimento dos países até há pouco se afastavam da miséria!... está à vista: a configuração cultural das mentalidades é um factor decisivo para o desenvolvimento... em particular, quando constatamos que, afinal!, vivemos, como disse Erich Fromm, em sociedades doentes.
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