Uma das questões essenciais para o enfrentar da crise é a capacidade de compreensão da realidade que se situa além das dimensões formais a que as leituras institucionais a reduzem. Ao ler no Cogir a referência ao artigo de Leonel Moura, não resisti a comentar a questão que, de há muito, considero, no contexto da previsibilidade que os custos sociais da globalização têm vindo a desenvolver, um dos caminhos dignos de ponderação dada, nomeadamente, a dimensão galopante com que a pobreza tem atingido as famílias e a sociedade em geral. De facto, o endividamento das famílias deve-se não apenas à sua desregulação consumista como muitas vezes querem fazer crer mas, à sua efectiva perda de poder de compra; por isso, centrar a responsabilidade do fenómeno na irresponsabilidade dos cidadãos é, por um lado, desresponsabilizar a gestão económico-financeira de um mercado em crise que vive do agravamento do custo de vida e do desemprego e, por outro lado, reforçar a falta de auto-estima das pessoas, diminuindo a sua falta de confiança enquanto consumidores, humilhados e aflitos, na tentativa de gerir os orçamentos precários que justificam o crescente recurso ao Banco Alimentar e às instituições de solidariedade social. A concentração urbana da população que o fenómeno do êxodo rural provocou como esforço de subsistência face a um interior destituído de opções produtivas e, consequentemente, de emprego, criou gerações de despojados no sentido em que a sobrevivência familiar se tornou, exclusivamente, dependente do trabalho por conta de outrem... a resposta, inspirada primeiro na memória rural da polivalência de desempenhos e depois, no próprio incentivo do mercado que reconheceu no conceito de flexibilidade a sua importância como resposta ao combate europeu ao desemprego, foi a acumulação de empregos, trabalhos ou tarefas que, em larga medida, contribuiu para o número de pequenos devedores ao fisco e à banca pela incapacidade de cumprimento dos créditos à habitação mas cujo fundamento residiu na necessidade de sustento das famílias... multiplicou-se assim, exponencialmente, o grau de dependência externa das famílias sem possibilidade de acesso a meios de subsistência que, há meia dúzia de décadas, eram acessíveis em meio rural: uma horta, uma pequena criação pecuária, a caça, a pesca e a recolecção cujo valor seria seguramente incipiente mas que poderia complementar o trabalho assalariado (refira-se o facto de assim se reiterar a importância do minifúndio enquanto gestão agrícola no passado e para um futuro que se requer sustentado). Sem meios de recurso à economia formal, a economia informal e paralela assumiu-se como única alternativa... e apesar da sua associação à pequena e grande criminalidade, a sua dimensão não se resume a esta consequência... porque o recurso à economia paralela resulta do simples facto da economia formal não coincidir com a Economia Social que é indispensável promover... Afinal de contas, se o autismo financeiro do mercado destruiu a capacidade social de sobrevivência económica dos cidadãos não pode agora surpreender-se com os seus autofágicos efeitos que só na radical reorganização dos modelos de distribuição de riqueza, assente na adopção de uma Economia Social, diversificada e rentabilizadora das alternativas dos meios e dos modos de produção, encontraria solução... tentar resolver "por dentro" o problema, insistindo na simples injecção de capital que não chega aos consumidores e se não reverte em investimento produtivo, poderá ter um efeito mediático a curto ou médio prazo mas, não conduz à eliminação da causa do fenómeno cujo rosto é visível no desemprego e na pobreza.
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