domingo, 21 de junho de 2009

"Não podemos ignorar..."


Eram 6 jovens e discutiam questões relativas à educação a propósito de temas lançados por Ana Zanatti, moderadora do programa "7 Palmos de Testa" que a RTP 2 transmite ao domingo à noite... já fizera "zapping" sobre o programa num dos últimos domingos mas, hoje, ouvi uma pergunta que me fez parar: a pergunta referia-se ao que consideravam necessário para que um Professor seja reconhecido como Um Bom Professor... para além das comuns referências à disciplina, às regras e à exigência, foi gratificante ouvir aquilo que penso desde sempre e que nada, ao longo destes anos de reformas e contestações, anulou... pelo contrário. O comentário de 2 destes jovens foi eloquente e inequívoco: o mais importante é os Professores gostarem do que estão a fazer, ou seja, ensinar!... um destes jovens afirmou aliás, repetidamente!, que se não tratava apenas de gostar mas, mais do que isso, de estar apaixonado pelo que se ensina, de amar os livros, o saber e a sua transmissão... o outro, quis elucidar o que pretendiam dizer com um exemplo e contou que, quando leu "Os Maias" de Eça de Queiróz no âmbito do antigo programa de 12º ano, a turma foi conduzida aos trajectos dos passeios de João da Ega, em Sintra e aí, sob o entusiasmo de uma professora que conseguia cativar o interesse dos alunos pelos personagens, o tempo histórico e a narrativa, todos compreenderam o alcance da obra em causa e aprenderam...uma das jovens quis reiterar o efeito do modo de ser e de estar dos professores e retorquiu que , também ela fizera uma visita de estudo a Sintra mas, ao contrário do que o colega contara, de nada valera porque o Professor falava de um tal modo, com um nível linguístico não dominado pelos alunos, que da dita viagem disseram os jovens ter sido um acontecimento inútil para o efeito, transformando-se numa coisa aborrecida... Foi então que me veio à memória uma história ocorrida comigo, quando dei aulas de Filosofia ao Ensino Secundário, muito antes de ter prosseguido com a minha formação académica pós-licenciatura que me conduziu a pós-graduações, Mestrados e Doutoramento... penso que a história data do ano lectivo 1989/1990, com uma turma 10º ano com quem estava a trabalhar sobre "Pensamento mítico", " mitos" e "ritos", matéria que eu adorava leccionar por me permitir ver os alunos confrontados com um tema sobre o qual nada tinham, antes desse momento, pensado. Para além de algumas sessões de apresentação de leituras comentadas com interpretação de lendas da mitologia grega, em que os alunos projectavam os problemas socio-culturais contemporâneos (lembro-me de 2 jovens, ambos filhos de militares, que escolheram o Mito de Atalanta cuja interpretação deu origem a uma extraordinária sessão sobre a igualdade de direitos e de género)... mas, mais interessante, foi saber e constatar, num domingo de manhã, após ter ouvido tocar a campainha, que um grupo de 8 alunos tratara de arranjar as bicicletas para, nada mais, nada menos, ir visitar o património arqueológico do concelho de Évora (nomeadamente, antas e cromeleques) para melhor perceberem como é que uma pessoa podia pensar naqueles termos... Na semana seguinte, os jovens aprendizes de filósofos, explicaram aos colegas, a relação entre sociedade, religião e economia... talvez por isso, sempre que se evoca a educação, pouco há a relevar... porque hoje, os alunos são conduzidos a escolher os cursos em função do mercado de emprego enquanto, por outro lado, os professores optam pelo exercício docente, para prevenir o desemprego que continua a crescer, à vista desarmada, por todo o lado. Portanto, como daqui se pode deduzir, a reforma das políticas governativas para a Educação continua a não se esgotar na tecnologia ou, sequer, na avaliação dos professores, nas suas carreiras e vencimentos... como dizia a canção: "Não podemos ignorar..."...

4 comentários:

  1. Cara Ana,
    De facto, "não podemos ignorar"... Após ler "isto", perguntei-me: se hoje tivesse de nomear duas pessoas que "marcaram" a diferença no meu percurso "académico", o que diria?! Bem, no fundo, acabaria por agradecer a duas professoras: à professora que me "fez" ingressar no "curso" (aquele que temos em comum) e, posteriormente à professora que me "fez começar a pensar claramente". E, dizer isto, é assumir uma mudança… Uma mudança que tem no seu interior também a "paixão" transmitida por estas docentes. Em tom de brincadeira costumo dizer que um Professor poderá ser um "assassino de uma geração", e a verdade é que a responsabilidade é tão grande que apelo constantemente a colegas que vão optar pelo ensino (ou não) para pesarem se gostariam de ter um professor que não gostasse de "dar aulas" (com tudo o que isto implica)! Eu, por exemplo, não senti esse apelo, penso na investigação e, bem ou mal, sinto-me coerente com o que pensava. Como diz: " (...) a reforma das políticas governativas para a Educação continua a não se esgotar na tecnologia ou, sequer, na avaliação dos professores, nas suas carreiras e vencimentos (...) ", pois terá de ter em atenção que "o ensino" está cada vez pior, porque simplemente é para alguns/umas a única via (solução) possível…Se este for o "motivo" para se "ensinar" acredita que algum dia sejam "bons professores"?! O meu abraço.

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  2. A primeira coisa a chamar-me a atenção foi a foto: a mão a soltar a borboleta. O meu anel tem duas a soltar uma pomba.
    Sim, depois de uma passagem de 2 anos , pela Universidade de Sófia, onde entre Makarenko e Krupskaia,(quantos os conhecerão por aqui?) me debatia entre as dificuldades de muita teoria, numa língua que apesar de dominar(1 ano de curso intensivo, o primeiro da minha "passagem"de 7 pela Bulgária),me dificultava a aprendizagem .Pedagogia era o curso.
    Ao fim destes dois anos, e já com dois filhos(loucos anos!)eu com o apoio do meu ex,pedi para mudar para o curso de Educadores de Infância.
    Pensava não me arrepender, tanto que gostei do curso e do trabalho posterior...
    Nunca pensei que chegasse o tempo (passados 25 anos)em que ao pegar no carro as pernas me tremessem de pânico.
    Razões pessoais (doença grave da minha Mãe,a quem tenho que prestar cuidados continuado),trouxeram-me o gosto amargo da ingratidão e decepção.
    Por isso o seu texto, mais uma vez mexeu comigo.
    Sobretudo as últimas frases...
    Para mim ensinar, educar, é também amar... as crianças, o espaço, o meio.
    Não sei se isso voltará a ser possível.Pode ser. "O sonho comanda a vida".

    Para terminar,corroboro a expressão que usou Jeune Dame de Jazz, de que um professor pode ser "um assassino de uma geração"...Também como mãe já pensei assim.
    Por isso,pergunto o mesmo,Ana Paula.
    Peço desculpa,pelo comentário demasiado egocêntrico.
    Exorcisei mágoas.
    Um abraço e parabéns pelos biscoitos.
    Tina

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  3. Obrigado, Jeune Dame, pelo comentário sintonizado com o sentir e a percepção de uma verdade que ninguém assume... quando o sistema se debruça sobre si mesmo e perde a noção do seu próprio horizonte, percebemos que é difícil corrigir e retomar o caminho adequado... e a gratuita invovação de culpabilizações e conflitos relativos às novas gerações, é, antes de mais, a demonstração de que os processos educativos estão a ser pensados não para as pessoas a quem se dirigem mas, apenas, a quem se esgota em perfis pré-definidos de protótipos... de facto, tenho sérias dúvidas em acreditar que ensinar sem prazer e sem paixão mas, também, com meios e condições é essencial... de outra forma, estaremos apenas no reino do mercado... e, sabemo-lo!, a Humanidade não é, nem pode vir a ser um mercadoria! Grande Abraço.

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  4. Obrigado pela partilha e o "exorcisar de mágoas", Tina. De facto, é dramático que um conjunto de circunstâncias associadas, nos conduzam à decepção... e faz sentido, Tina... Infelizmente, faz todo o sentido. Entre novas problemáticas, novos interesses, desactualizações pedagógicas, violência social (sempre transportada para os diversos contextos, inclusivé escolares) e a descrença generalizada de uma classe em relação a si própria, as condições de trabalho não permitem o reconhecimento e a auto-valorização do perfil profissional que poderia funcionar como antidoto aos "desgastes" da vida familiar e doméstica... Como bem diz, "o sonho comanda a vida" e, para além do que nos é dado pelo presente, teremos sempre de recorrer à nossa imensa capacidade de compreensão para decifrar o que nos pretende dizer o paradoxo comportamental juvenil perante o qual os adultos se sentem condicionados em termos de exercício de uma disponibilidade afectiva indispensável ao processo de ensino/aprendizgem. A responsabilidade social da docência é um processo que requer das pessoas uma entrega e uma disponibilidade que, apenas com muito apoio, podem ser deenvolvidas... exactamente, no polo oposto do que é comum verificar-se... porque o trabalho pedagógico tem dimensões transversais e interdisciplinares que requerem uma constante avaliação e revisão crítica - sem o que a educação será tratada como apenas mais uma peça do mercado... e como acima disse em resposta à nossa amiga Jeune Dame de Jazz, "a Humanidade não é, nem pode vir a ser uma mercadoria"... até porque, o próprio futuro da Terra não se compadece com essa opção ou essa... "condenação"!... Um abraço.

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