terça-feira, 30 de junho de 2009

O meu país ao espelho... em vésperas de eleições!

O meu país olhou-se ao espelho... e viu a imagem mal composta de partes de si, dispersas, pelo chão e pelos ares... viu os sonhos e as memórias de um tempo melhor que acreditou inteiro, afastando-se para sempre do pesadelo de que saiu em Abril, vai já para mais de 35 anos... e viu a realidade aproximar-se, cada vez mais velozmente, de uma outra paisagem, despida de gente, árvores e alento... o meu país, ao espelho, sonha consigo... devagarinho, em voz baixa, ao som de uma esperança que se reinventa a si própria para não soçobrar... o meu país, ao espelho, chora... pela crença convicta de ter ganho a luta do medo e pela consciência de que os medos renascem a cada passo na capacidade camaleónica que a desesperança confere aos seres colocados perante um dilema que mal conhecem, sobre o qual preferem não se pronunciar... do meu país, esse país que se orgulhava da sua imagem ao espelho, resta apenas a consciência de ser reflexo - a sombra de um desejo que no mundo encontrou, no intervalo da vida, o único reino da existência que o passado semeou e que o presente ainda não emancipou... o meu país, ao espelho, é uma imagem de si, uma imagem que evita fugir do que de si fizeram, com e sem o seu acordo - ou, até mesmo, contra ele... ao meu país resta, portanto, olhar de frente o espelho... e perceber, no que se esconde, a verdade do que há a revelar e, no que se mostra, o que há a corrigir... o meu país tem mãos e voz e pensamento... não pode, por isso, resumir-se aos figurantes que alegam ser seus representantes e dele nada dizem senão o mal que nos outros reconhecem, apenas e só na exacta medida da sua mesquinha ambição de poder... o meu país, adormecido, olha-se ao espelho, estremunhado... um dia, o meu país acorda e já não quer olhar-se ao espelho no caleidoscópio das palavras gratuitas de uns e outros... um dia, o meu país acorda decidido a viver e, nesse dia, rasgará (ele sim, rasgará) as ilusões com que lhe vendem os sonhos e lhe escravizam a alma... nesse dia, o meu país, acordado, não vai dar atenção às razões que justificam o mau-estar e vai, isso sim, querer acabar com o mau-estar... é por isso que é preciso combater a fome, o desemprego e a hipocrisia... é por isso que é importante dar razão de ser à esperança, no meu país... porque o meu país, ao acordar zangado, pode enganar-se na forma como se levanta contra o que o castiga e acabar por dar "um tiro no pé"...

12 comentários:

  1. Estive por aqui em visita ao seu blog! Abraços Ademar!!

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  2. Abraços, Ademar! Obrigado por ter vindo até aqui... fico feliz por isso! Volte sempre!

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  3. Um texto muito tocante, muito bem escrito e cheio de poder interior. Obrigado, Prof Ana Paula...

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  4. Bom-dia, Sokinus... obrigado pelas palavras com que fala deste texto... são, também elas, tocantes. Um abraço.

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  5. Belo poema! Parabéns.
    Abraço
    JMC Pinto

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  6. Ah...
    Belo texto Ana Paula!...
    Matéria prima de sonhos, palavras como num espelho de água, olhos, nascentes, fontes que cantam as explorações da alma...
    Gostei demais!...
    Mas há coisas que são muito importantes e que não sei se eram intenção sua ou não, mas calculo que sim: por exemplo, as metáforas que usamos na conversação corrente, como "tiro no pé" (lembrei-me agora de "O Discurso contra si Próprio", do Prof. José Carlos Gomes da Silva...) são-nos muitas vezes impostas. Eu comecei por me afligir com as que decorrem da economia - o processo social como "negociação" é a mãe de toda esta artilharia...; depois, as expressões do calão que designam fazer mal a alguém, tramar, lixar... é uma metáfora que aponta exactamente a antítese do fazer mal - o acto sexual. Isto surgiu-me como profundamente preocupante e calculo que possa ter raízes... cristãs, pela variação que representa face à consideração do sexo como mal, pecado, etc... sem excluir um vago sedimento gnóstico, neo-platónico... E assim, chegamos às metáforas que apelam para a violência, como o "tiro no pé". Magnífica, portanto, a forma como resolveu terminar um texto como este... Pelo que me toca, prometo tomar mais atenção...
    Depois há outra questão mais difícil que é o da metáfora do "amor ao país" - e o ritmo das suas palvras têm um eco xamânico, pela cadência (água é ritmo...) e colocam também a questão do enraizamento... - no fundo, do que nos permite fazer o jogo da política, da realidade ilusória do dever e dos muitos fatos que temos de vestir para sobreviver... Mas a questão é que no fundo no fundo, a única pátria que temos é a dos nossos sonhos (e que nunca nos tente o apelo à epifania, à concepção metafísica do símbolo como expressão do indizível no e pelo significante...).
    Por mim, o melhor mesmo seria irmos à frente, tangendo e bailando com vestiduras farpadas...

    Muito Obrigado Ana Paula

    Francisco Oneto

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  7. Ana Paula

    Não é um texto, è um Poema.
    Que me comove, envolve e inquieta...
    um abraço
    tina

    (não digo mais pq já fiz 3 coment. que não consegui enviar. Que há bruxas há, e uma anda em todas as capas de jornais)

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  8. Reli... e fiquei nesta passagem como que alcandorado nas falésias sobre o abismo: "resta apenas a consciência de ser reflexo - a sombra de um desejo que no mundo encontrou, no intervalo da vida, o único reino da existência que o passado semeou e que o presente ainda não emancipou..."
    Obrigado

    Francisco Oneto

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  9. Caro JMCPinto,

    Obrigado pelas suas palavras... sabe?... a escrita assalta-me assim quando a urgência da complexidade se sobrepõe à análise sectorial... uma espécie de grito de alma... chamar a este escrito, "poema" é um elogio que sinto duplamente gratificante... pelo uso do termo "poema" e pela consideração e amizade que me merece. Bem-haja! Um grande abraço.

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  10. Francisco... é difícil responder-lhe... muito, muito obrigado pela generosidade com que lê e pela grandiosidade com que interpreta, chegando facilmente ao não-dito mais profundo das palavras com que o sentir me devolve o impacto da realidade intangível que se respira no silêncio dos dias... é uma experiência digna de registo esta revelação que faz sobre a produção espontânea deste texto, como se tivesse assitido à decisão de o terminar com a evocação do "tiro no pé"... porque no encontro fervilhante da interioridade intencional com o distanciamento necessário à expressão há uma "arqueologia do sentir" que fala mais alto e se deixa transparecer... nomeadamente, porque, como bem diz: "a única pátria que temos é a dos nossos sonhos"... nas palavras que escreveu, encontra-se um modo de percorrer o caminho e uma razão, colorida, para se ir à frente... Obrigado pelo seu texto, Francisco... muito obrigado! "Aquele" abraço de tanto e por "tanto mar"!...

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  11. Tina,

    Obrigado pelas palavras e pelo sentir, cúmplice, com que os dias nos interpelam... e, também!, muito obrigado por me fazer sorrir a esta hora tardia... si, "que las hay, las hay"... Um grande abraço.

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