segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Da Dimensão Subjectiva da Justiça ao Estado de Direito


A discussão sobre "escutas" que decorre, com especialistas da matéria, no programa "P'rós e Contras" da RTP1, revela, de forma incontornável e evidente, perante a opinião pública, a dimensão subjectiva do Direito que os cidadãos supostamente considerariam inequívoco, por dele decorrer a própria Lei, proclamada e assumida matriz do Estado democrático. Antes de mais, convém dizer que é saudável podermos ter acesso à verdade - a esta verdade, da subjectividade da discussão do Direito e da sua polémica - apesar de, na realidade, o facto contribuir decisivamente para o sentimento de insegurança das pessoas. A debilidade das condições que configuram as investigações, bem como as fugas de informação e as violações do segredo de justiça que não permitem escamotear as promíscuas relações entre o poder político e a comunicação social, assumem publicamente as limitações do poder judicial e a fortissima tentação da sua politização, designadamente partidária. No meio de tanta impunidade, tanta suspeita e tanta desautorização institucional é difícil pensar a Justiça como equitativa e independente, autónoma e credível. Importa por isso, antes de mais, destacar a evidente necessidade de uma formação específica, capaz de transcender o senso comum de uma cultura assente no interconhecimento, para todos os profissionais do sector da Justiça... até que essa formação seja um facto, ficaremos expostos às proximidades sociais que se sobrepõem ao rigor profissional e aos quesitos institucionais... infelizmente, é claro! ... para mal do Estado, da Democracia, da Justiça, da Igualdade, da Liberdade e do Direito... para mal, afinal, de todos os cidadãos!
(Este post será também publicado no A Regra do Jogo)

19 comentários:

  1. Ana,
    Cito o Dr. Ricardo Cardoso (que me exasperou), mas disse algo que subscrevo: "As violações do segredo de justiça têm impressões digitais. Até Pingam!"...
    Isto até podia dar para rir, mas não é o caso.. Abraço.

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  2. É verdade, Jeune Dame... daria até um riso deliciado não fosse tratar-se de uma realidade muito, muito amarga... Grande Abraço.

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  3. Da recta final do debate vi aí uns cinco minutos e vi confirmadas algumas coisas; uma, o senhor Pinto Albuquerque que agora nos aparece arvorado em especialista em Direito (e não duvido que o seja) mas que me pareceu estar lá enquanto deputado do PSD (tinha uma preocupação evidente); duas, o senhor bastonário Marinho Pinto continua consistente nos disparos mas ao disparar parar todos os lados soa, aqui e ali, a populista; três, o senhor (sem desprimor) Germano Marques da Silva é um sapiente e sabedor jurista mas escusava de ter dado tão arrogante demonstração de falta de humildade quando atestou da menoridade intelectual dos deputados, porquanto muitos até são seus colegas de ensino (caso do que estava à sua frente); quatro, o senhor (sem desprimor para o visado) Ricardo Cardoso deu uma demonstração cabal com a sobranceria com que se dirigia ao Bastonário de como muitos cidadãos são tratados nos tribunais por uma classe, constituída por homens e mulheres, fracos e bons, que se julga acima e ao lado de todos!

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  4. Ana Paula subscrevo inteiramente o post. Com tanta frase no ar mediático e, seguramente, no silêncio carpelizado dos doutos gabinetes onde se respira justiça, interrogo-me: é possível haver uma lei com apenas uma interpretação? Tinha uma amiga há muitos anos que sendo jurista, dizia-me que era a única profissão técnica de factos, como tal, eminentemente objectiva e cegamente justa. A evolução da corporação como viveiro dos primeiros passos na política, a sobreposição de leis contraditórias, abertas à melhor eloquência, sem respeito pelo serviço à República, deixa-nos nas mãos das personagens que temos visto nas variadíssimas exposições públicas. Cristalizou-se de tal modo a rede de interesses sem controlo, sem moral que não vejo nenhuma hipótese de, nas próximas décadas, podermos acreditar na cegueira da Justiça. Um abraço.

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  5. Impressionou-me muito constatar a arbitrariedade do Direito português.´Estavam no debate sumidades da Justiça. Ora uma mesma lei dá para tudo e o seu contrário. Como é que estes juristas e magistrados ainda estão nessa de «interpretar» como querem a Lei, ao seu bel prazer, como convém às circunstâncias, quando ela devia ser inequívoca? Não vejo saber (porque já não posso classificar o Direito como Ciência Jurídica) mais arbitrário. Só tem semelhança com as Ciências Ocultas ou com as antigas ordálias. Os deuses que decidam...

    Moisés Espírito Santo

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  6. Olá Querida Ana Paula,
    Concordo plenamente no que diz Moisés... interpretam uma mesma lei de formas diametralmente opostas. Foi tempo demais no poder, este bloco central... 30 anos de poder rotativo dos mesmos actores políticos corrompe.
    Estamos a ficar um pouco à semelhança de Angola com o seu ditador e a sua comandita! Tudo está viciado, fizeram leis, que o não são, deturparam a Constituição, tudo em prol de apanhar o mais possível aos seus governados(?) se é que não são os seus desgovernados. Aqui existe uma falta de rectidão no País, no aspecto em que os dois partidos que sempre estiveram no poder escudam-se atrás da culpa do adversário! O PS diz que é o PSD e vice versa, assim lá vão continuando no poder, a andar e a rir da degraça dos outros e tudo na mesma! E no diz que disse, continuam na política mesquinha! Ambos e com a ajuda um do outro, mataram a Democracia.
    O caso do Victor Constâncio é flagrante, esse senhor precisava do trabalho eficaz de um sniper, esse, Balsemão e muitos outros... só assim um dia voltaria ao normal a tranquilidade deste País.
    Hoje ouvi o Fórum TSF sobre o aumento de impostos... pessoas a pedir apoio ao exército, pessoas a dizer que venha então o caos, para que tudo comece de novo, outros diziam que passariam a roubar... enfim anda por aí à solta uma camada de "assassinos" que não é brincadeira... mas esses estão nos mais altos cargos do poder. Estão a matar o futuro do País, se não o mataram já!
    Pelo que deduzi a coisa está a fervilhar até ao limite... só não sei quando será.
    Entretanto ouvi também, que na Alemanha os milionários pediram ao Estado para os taxarem de mais impostos, para ajudar a combater a crise. Justiça ao mais alto nível, o ALTRUÍSMO!
    Talvez esses tenham memória do que é uma Grande Guerra, para virem propor isso... e porque 4 milhões de desempregados é uma verdadeira ameaça. Nós em vez de ter governantes que o evitem , colaboram para que a guerra seja um facto dentro de pouco tempo. Talvez seja a falta dela, que permita que um povo se deixe matar de forma tão lenta. A nossa Morte, vão ser aqueles, que a maioria escolheu para estar sempre no poder...

    Um dia as forças vão colidir físicamente...
    Pa´s sem Justiça em um País sem Lei!
    Um beijo Grande querida Ana Paula.

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  7. Ana Paula,
    Depois do excelente texto e destes comentários pertinentes, apenas deixo a minha inquietação/pergunta, tendo em conta o facto de que tanto o Prof. Germano Marques da Silva e o Prof. Pinto Albuquerque serem professores na mesma Instituição, iremos ter no futuro, além das interpretações já existentes das Leis, a interpretação Germano versus a interpretação Albuquerque e respectivos seguidores?
    Um abraço.
    Josefa

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  8. Olá, Ana Paula

    Como sabe, o Direito não é uma ciência. Aliás, tentar dizer o que é o Direito é coisa bem complexa. Há montanhas de livros sobre o assunto. E outras tantas teorias muito influenciadas pelas posições filosóficas de cada um. Não creio que em nenhum outro curso universitário se leve tanto tempo, quando o curso é dado a sério, a tentar explicar em que consiste o objecto daquilo que se vai estudar...
    Mas se o Direito não é uma ciência, já o seu estudo deve ser feito segundo métodos científicos, sem, porém, nunca se perder de vista que estamos lidando com uma realidade normativa, que obviamente é muito diferente daquela de que se ocupam as ciências da natureza ou mesmo as ciências sociais.
    Em conclusão, eu creio que se Direito fosse estudado segundo métodos científicos e consequentemente exposto com mais rigor não chegaríamos certamente a soluções unívocas, mas chegaríamos concerteza a soluções bem diferentes daquelas que normalmente se ouvem...
    Mas é bom não esquecer que se a ciência pode ser usada para fins que são a sua negação, também o Direito, ou melhor, a sua plicação pode ser usada para "fazer batota". E como "gato escaldado de água fria tem medo", também é natural que a gente não acredite naquilo que nos dizem...
    JMCPinto

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  9. Em todo este processo que nos deixa arrepiados por diversos e variados motivos (interpretação da lei como se quer, segredo de justiça que de segredo nada tem, de ligações entre poderes e privados) a única coisa concreta que sabemos e que seria bom que todos os partidos tivessem em atenção... É que o fazer as leis é uma responsabilidade muito grande, e que ao fazerem-nas e ao aprova-las teriam de o fazer com a certeza de que ela não tem duas leituras, de que é clara e concisa, para não dar azo a complicações futuras.
    Por isso mais uma vez, o povo português vê que o problema está não nos profissionais da área mas na classe politica.
    São eles (todos da esquerda à direita) que fazem as leis. Por tanto os responsáveis por esta amalgama de maus entendidos e de dúbias interpretações, que leva cada vez mais um país de 9 séculos para o buraco escuro em que nos encontramos.
    E quando digo todos os políticos, quero dizer mesmo todos! Os de agora, os do passado, os da esquerda e os da direita.
    Lurdes

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  10. Este teu escrito trata da Justiça e por isso peço desculpa por te invadir com outro temas mas que é tão grave e está tão mal como este A SAUDE.
    "Saúde: uma história nada exemplar
    "Quero partilhar com todos os que por aqui passam um episódio pessoal sobre o sistema de saúde que marca o nosso pais.
    O meu pai tem um tumor na próstata que quando detectado já não tinha hipótese de operar. O especialista do hospital da altura deu-lhe dois anos de vida.
    Os tratamentos começaram e, a par disso, porque conseguimos ter poder económico para tal, ele teve acompanhamento da medicina alternativa.
    Os dois anos passaram-se e quatro e depois outros e fez no mês passado 15 anos que a doença lhe foi diagnosticada.
    Nas consultas do hospital, ao fim de algum tempo e devido à estagnação do tumor, o médico disse-nos que sabia que fazíamos tratamentos paralelos, mas que ele não queria e nem podia saber o que era.
    Esta foi a primeira anedota desta história!
    Durante todos estes anos, de 3 em 3 meses o meu pai ia à consulta, mostrava as análises e levava uma injecção que só é aplicada no hospital e que nem tem venda nas farmácias.
    Segundo o médico e os especialistas na área da medicina alternativa esta injecção teria de ser dada até ao fim da sua vida.
    Durou 15 anos esta rotina.
    No ano passado o meu pai fez 75 anos, e na consulta seguinte ele não levou a injecção, perguntou porquê e sem grandes explicações disseram-lhe que já não era para levar.
    Passados dois meses começou a piorar e na consulta de medicina alternativa, voltaram a dizer-nos que ele teria de a tomar.
    A minha mãe dirigiu-se ao hospital e quis saber porquê, e depois de muito insistir foi-lhe dito que devido ao custo da mesma (500,00€ cada) os doentes a partir dos 75 anos já não tinham direito a ela.
    A minha mãe que é uma mulher de garra, fez um escarcéu, falou com deus e o mundo e um mês depois a injecção voltou a ser ministrada ao meu pai.
    Escusado será dizer que ele voltou a melhorar e o tumor voltou aos níveis a que estava.
    Em Junho deste ano o especialista que o acompanhou estes anos todos, reformou-se e os doentes deixaram de ter médico.
    Como o tempo estava a passar e ele estava sem consulta, sem medicamentos e sem injecção, voltámos a pedir explicações ao hospital e foi-nos dito que não havia médico substituto, não sabiam quando vinha um, e se vinha, e que os outros médicos só tinham tomado conta dos doentes novos, os mais velhos teriam de esperar até haver um.
    Moral da história, o meu pai por ter 76 anos já é velho e pode morrer, já está a dar prejuízo e portanto que se lixe, afinal como me disse um dos médicos com que falei, ele tinha dois anos e já ia em quinze, estava cheio de sorte.
    Eu por mim recuso-me a assistir a esta segunda tentativa de homicídio, que é o que o hospital está a fazer, fiz reclamação até já para o ministério e estou decidida a pôr a boca no trombone, foi o que disse aos senhores do hospital, que rapidamente me ligaram a dizer que dentro de uma semana chega um novo especialista.
    Acham isto normal, num estado de direito onde um homem descontou para o sistema de saúde durante 46 anos e que nunca teve uma baixa na vida?
    Lurdes

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  11. Tem toda a razão, Fernando... com tudo aquilo a que temos assistido, vai ser difícil recuperar a confiança na Justiça... enquanto os homens das leis não souberem praticar a transparência na interpretação do Direito e continuarem a apostar na arte da retórica, andaremos como os Gregos da antiga Grécia, a deambular entre sofistas que existem para se ouvirem a si próprios, conscientemente ignorantes da crítica racional com que a opinião pública os encara, muito mais esclarecida do que almejariam os seus desejos e as suas artes... Abraço :)

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  12. Caro Ferreira-Pinto,
    Bem observado o seu registo... de facto, a sobranceria dos participantes serve apenas para desprestigiar a seriedade com que vamos tentando acompanhar estes debates... porque, em termos de balanço final, ficamos com a sensação de que acreditam que a opinião pública é criada à imagem e semelhança do contraditório que debitam... "ilusões e caldos de galinhas cada um toma os que quer" - poderia dizer-se, ainda que para mal da cidadania... Abraço :)

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  13. Pois é, Professor (desculpem todos os outros amigos este tratamento deferencial com o anónimo Moisés mas, de facto, não sei tratar de outra forma um grande mas mesmo muito grande Amigo e Professor)... os deuses que decidam enquanto nós, simples mortais, vamos ficando expostos à arbitrareidade da vaidade e da sobranceria ignorante dos que se julgam senhores da Lei e do Estado... no computo final, serão sempre, de qualquer modo, os povos e as culturas a seleccionar o que é válido para o futuro... o pior é o "entretanto"...
    Volte sempre, Professor!... nós, A Nossa Candeia e todos os Amigos que por aqui passam, gostamos da sua companhia! Um grande Abraço e um beijinho :)

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  14. Olá JMCPinto,
    O meu agradecimento reconhecido pela sábia expressão sobre o Direito que aqui partilha... como já deve ter lido, estive muito ocupada com trabalho, aulas e júris e nem aqui tive tempo para vir e responder como queria, apesar de ter lido o seu comentário pouco depois de o ter enviado mas ao qual não podia responder de forma desconcentrada... Vinda de si, a afirmação de que o Direito não é uma ciência mas que os seus métodos devem ser científicos, ganha um valor próprio eivado da seriedade a que nos habituou... mais gratificante ainda é a expressão da sua consciência científica sobre as manipulações a que, em nome do saber ou do poder (?!), nos expõem os que utilizam os meios apenas e só para servir os seus fins... sabe, meu amigo?... ainda que jovem e com muito menos fndamentação do que teria hoje, penso que foi o receio de eventualmente vir a colaborar nesta "teia de enganos" que, há muitos anos atrás, me levou a optar pela Filosofia, a Sociologia, a antropologia e afins apesar do prestígio de que, nessa altura, gozava o Direito... obrigado por dizer em voz alta o que sentimos e pensamos :) Um grande Abraço.

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  15. Sim, Lurdes... é fácil confundir os papéis nomeadamente se eles próprios não fazem questão em se distinguir uns dos outros... e esta promiscuidade profissional em que o saber legislativo se vende ao exercício político, mais não deixa do que espaço para o afastamento cívico destas matérias. Abraço.

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  16. Sim, Lurdes... de facto, a promiscuidade entre saber legislativo e exercício político-partidário legitima o mau-estar da cidadania e justifica o afastamento por descrença e desconfiança sustentadas... para mal de todos nós e da própria democracia... é pena que a vaidade cegue os que, iludindo as massas, apenas lhe retiram a capacidade de confiar. Abraço.

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  17. Obrigado pelo comentário, Maria Josefa... de facto, o bem observado registo que aqui deixa, coloca a questão de saber se agora querem institucionalizar uma nova modalidade jurídica: a de fazer jurisprudência com Acordãos em que o que é válido é não o texto, a dedução e a conclusão mas, tão só, o nome dos protagonistas... pois... feudalismos corporativos? não obrigado! ... mais uma vez, obrigado! Grande Abraço :)

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  18. Olá Fada do Bosque! :)
    Depois de tantos dias em retiro para trabalho que requeriam toda a minha concentração e energia, aqui estou e, claro!... não posso deixar de sorrir a uma reflexão que não vou comentar, porque a sua clareza lhe basta no retrato da sensibilidade que lhe está subjacente e pela imagem que traduz do que sentimos... Um Grande Beijinho iluminado pela alegria de contar com a energia e o vigor das Boas Fadas que nos deixam menos sós e mais solidários :)

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  19. Lurdes,
    Não sei como partilhar contigo a solidariedade de um momento tão difícil... um momento que já viveste há tempos e de que o teu pai, por generosidade tua, não chegou a saber... agora, depois desse esforço, a luta é mais suada e mais ingrata... quanto ao que descreves sobre a assistência na saúde, nem sei o que te diga... porque, apesar de ser definitivamente importante defender o SNS, sabemos bem que a eficácia dos serviços deixa tanto a desejar que só quem sofre os seus efeitos tem capacidade para o deixar claro!... obrigado, minha querida amiga, pela tua corajosa partilha connosco de um drama tão intenso que a todos pode tocar... pudesse eu ter o saber e o poder para ajudar de forma real e efectiva... resta-me a solidariedade e o apoio na tua denúncia da situação e na visibilidade de um problema da maior gravidade que afecta e pode afectar, todos mas mesmos todos, os cidadãos. Um grande, imenso e forte Abraço Amigo e um beijinho :)

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