segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Como se fazem os Santos?


Grande parte das figuras canonizadas são heróis ou mártires - pelo menos, aos olhos das representações socio-culturais dos grupos que os veneram... nessa medida, a generalidade dos Santos corresponde a arquétipos de comportamento que se pretendem disseminar através de símbolos cuja função é congregar fiéis motivados pelo exemplo que, de humano e prosaico, rapidamente se transforma, nomeadamente nas sociedades onde a tradição oral é fonte primordial de transmissão do conhecimento, em heróico e sobrenatural. A mistificação em que radicam contos e lendas é um processo similar em casos de que se perdeu a memória histórica fundadora, colectivizada e remetida para um fundo imaginário e, consequentemente, abstracto. No caso dos Santos mantém-se, regra geral, o fundamento histórico da antropomorfização das virtudes acrescidas a feitos considerados louváveis - seja o martírio ou a destruição de um sempre presente "inimigo" dito "infiel"... por esta razão, é a ideologia dominante (ou a que consegue direccionar os seus lobbies no sentido de corroborar os interesses do poder) que subjaz ao reconhecimento social da "santidade". Tendo analisado a relação entre o político e o religioso designadamente em Portugal com particular destaque para o Alentejo, em Espanha e em Goa, na Índia, escrevi em 2007: "(...) o fenómeno religioso incide e emerge dos arquétipos humanos presentes ao nível individual, tornando-se veículo do reforço de sociabilidades que, enquanto rede, se revelam terreno óptimo para a transmissão da mensagem que cria as redes políticas.(...)" (ver: "Continuidade cultural e mudança social - poderes e religiosidades: um caso entre Portugal e a Índia" in Crenças, Religiões e Poderes - Dos Indivíduos às Sociabilidades, coords.e orgs. Vitor Oliveira Jorge e José M.Costa Macedo, ed. Afrontamento, Porto, 2008). Vem esta referência a propósito da canonização de Nuno Álvares Pereira que nos coloca perante algumas questões interessantes, designadamente, a da necessidade de eleger um símbolo de um nacionalismo fundador da Pátria (veja-se a pintura que acima se reproduz "Vitória coroando o Santo Condestável"), contra culturas e civilizações como Espanha ou o Magrebe... facto que é de assinalar pela diferença de registo cultural que denota em relação a Espanha onde, assim que ganhou as eleições, Zapatero decidiu retirar do espaço público a figura de "Santiago, o Mata-Mouros" porque a estátua representava esta figura com 2 cabeças degoladas...

5 comentários:

  1. Gosto do ecletismo deste espaço, da objectividade dos textos. Pensar com suavidade. Obviamente...sigo-a!

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  2. Obrigado pelas suas palavras. Obviamente... fico feliz!

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  3. Coloquei há dois dias um comentário que não ficou registado, certamente porque não dei todos os passos adequados. Quero dizer-lhe que apreciei este seu post. Acho-o bem concebido e explicativo, como alíás é muito interessante e objectivo o conteúdo blogue.

    João Abel de Freitas

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  4. Muito obrigado pelas suas palavras. Elucidativo e interessante foi também o seu último texto sobre o assunto... como são todos os seus textos!
    Bem-haja!
    Ana Paula Fitas

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