domingo, 28 de junho de 2009

Da Tibieza Democrática à Construção Social da Esperança

Compreender o mundo contemporâneo e perceber o estado diverso da humanidade no contexto de uma imagem que a globalização insiste em nos transmitir homogénea é, provavelmente, o maior desafio que se nos coloca, agora que uma crise internacional atingiu o âmago do que, nas últimas décadas, nos foi dado como imperturbável e consistente, justificando até a conversão das economias planificadas que, durante cerca de 60 anos, se auto-sustentaram... de facto, a construção social da esperança com que vamos alimentando os dias, torna as sociedades ávidas de mudança e, na ânsia de mudar assente numa pré-existente expectativa fundada no desejo de melhorar, as culturas ensaiam, através dos agentes políticos que desempenham um papel reflexo da sua determinação, modos de organização que, do fascínio pela homogeneidade de um mundo tecnologicamente perfeito e consumista, se encontra agora num processo de viragem de que são sinais reveladores o enraizamento nas identidades e a resistência aos padrões considerados até há pouco, consistentes... A emergência da mudança contemporânea arrasta consigo, no plano interno das nacionalidades, conversões políticas de carácter simplista que se reduzem, muitas - senão, demasiadas- vezes, à simples inversão da escolha de representação partidária em termos de legitimidade governativa... o facto denota, em última análise, uma certa tibieza e imaturidade das democracias, demasiado expostas a factores comercializados para efeitos de manipulação eleitoral... A construção social da esperança é, por isso, urgente e requer conhecimento, desassombramento, coragem e realismo... O mundo em que vivemos arrisca-se a colapsar se não atendermos à diversidade socio-cultural internacional... como, de certo modo, colapsou -ainda que conjunturalmente na história do longo prazo- no que à arquitectura financeira diz respeito. A economia internacional tem que ser reformulada radicalmente e só os contributos políticos em que, à nossa pequena -mas indispensável!- escala podemos concretizar os passos para essa mudança, podem concorrer para a alteração da correlação de forças entre o conservadorismo medroso e fanático que se oculta sob a capa do dinheiro fácil e da insistência na ideia de um mercado auto-suficiente e uma consciência cívica, humana, transparente e humilde sobre a fragilidade da nossa precária condição humana. A título de exemplo e antes de nos centrarmos na análise da política nacional, veja-se a complexidade social e política da Itália, do Irão ou da Guiné-Bissau - para já não falarmos no Tibete, na Índia, na China, na Palestina, na Colômbia, na Roménia e por aí adiante... realidades paradigmáticas e paradoxais que merecem o nosso mais atento e distanciado olhar... e é do fundo deste olhar que aqui partilho os excelentes contributos de JMCorreia Pinto no Politeia a propósito do Irão e da Itália, bem como os do Nuno Ramos de Almeida no 5 Dias também sobre o Irão e a Guiné-Bissau.

5 comentários:

  1. Cara Ana,
    Na semana anterior, em debate com um Médico "ele" indagava retórica e inequivocamente algo parecido como: "Existe alguma coisa que esta check list (a de Heather Palmer) de avaliação da qualidade de vida não alcance?" E eu respondi: A Esperança. E não respondi "A Esperança" de modo inocente. O "conceito" de «qualidade de vida» surgiu associado a uma actividade sociopolitica (entre outras), afastando em alguns pensamentos a pergunta bioética pela «qualidade de vida».( Leia-se neste propósito) um pequeno texto de Vasco Pinto Magalhães intitulado de «Qualidade de Vida. Desafios e Ambiguidades» (in, Archer, L., e Biscaia J., e Osswald, W., e Renaud, M. (org.) (2001). Novos Desafios à Bioética. Porto: Porto Editora. Pp. 222-224). Se admitir que a pergunta bioética por «qualidade de vida» é numa outra análise uma questão antropológica, então, o que está em causa é uma «vida humanizada». Se reconhecer a importância de uma "antropologia filosófica" dialogar com uma "antropologia cultural", então, aceitará que o mundo não está pré-programado e, quando cada um e cada uma proferir "eu sou eu", estará já numa identidade não idêntica. Ora, daqui à problemática do "ter" e do "ser" é apenas um passo... A quantidade afecta sempre a qualidade? "A Esperança" não fará parte da «qualidade de vida»? Como se mede a esperança? É possível? Também por isto, subscrevo as suas palavras: "A construção social da esperança é, por isso, urgente e requer conhecimento, desassombramento, coragem e realismo... O mundo em que vivemos arrisca-se a colapsar se não atendermos à diversidade sócio-cultural internacional...". Um grande abraço.

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  2. Cara Ana Paula
    Enganei-me aqui a mudar de separador no browser e zut... fugiu todo o texto... A seguir, ia passar à questão da "inversão da escolha de representação partidária em termos de legitimidade governativa"...
    Mas o motivo central era a esperança e o seu acantonamento na esfera da tensão expectante, como a que culmina fatalmente numa explosão, descarga pulsional em registo químico-eléctrico... Nutrem-se os imaginários e os seus espelhos de água, speculum, espelho, mimese, aprendizagem, conhecimento.
    No que perdi, o argumento era o de Dufour e centrava-se, justamente, na mutação antropológica em curso definida pelo abalo daquilo que melhor define a própria condição humana - a neotenia, indissociável da transmissão de conhecimento que produziu o fenómeno neguentrópico mais fascinante e complexo de que há registo: a espécie humana e as suas duas centenas de milhar de anos de histórica progressão sobre o planeta. Hoje, com a expansão dos mercados para os domínios do conhecimento e da vida...
    Enfim... o tempo escasseia...
    Obrigado

    Francisco Oneto

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  3. Obrigado, Jeune Dame... é bom ler estes contributos que, além de denotarem uma compreensão recíproca das premissas, intenções e objectivos, acrescentam, como no caso o faz a referência que faz à bioética que tanto nos deveria ocupar como código de regulação em construção... e sim, penso efectivamente que a Esperança faz parte da "qualidade de vida" quase como se de uma condição necessária (ainda que não suficiente)... penso-o aliás com base na matéria de reflexão que a abordagem da antropologia cultural permite no contexto de uma interpelação de carácter antropo-filosófica... um grande abraço!

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  4. Caro Francisco,

    Fico a pena o que não li por ter "fugido" mas, considerando a riqueza do que escreveu, páro à beira da extraordinária expressão que utiliza para se referir à condição actual da esperança: "o seu acantonamento na esfera da tensão expectante"... é esta, de facto, a trágica dimensão deste momento neguentrópico em que participamos: a da precária rentabilização das potencialidades que nos confere a neotenia face ao vasto complexo de produções em que nos "perdemos", deslumbrados, deixando reduzir a esperança ao impasse da ansiedade que acelera o stress até ao extremo do imobilismo... nesta, como justamente a intitula, "mutação antropológica" está, também, em causa um biorritmo a recuperar, sem o qual mercados e tecnologias entrarão em "roda livre", deixando de servir as intenções e objectivos que configuram a "reserva de uso" que os fundamenta e justifica. Obrigado por ter escrito. Um abraço.

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  5. Francisco,

    desculpe o lapso inicial do que escrevi... o que, como, por certo, deduz, pretendi dizer foi que lamento não ter lido o que o Francisco começou por escrever e que desapareceu na mudança de separador...

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