sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

A Mestria - Viver e Saber


A pretexto do lançamento do seu livro mais recente, A Viagem do Elefante, José Saramago deu hoje uma grande entrevista ao jornalista Mário Crespo. Encantado com a riqueza de leitura que o livro lhe proporcionou, o jornalista interpelou o autor sobre a dimensão simbólica desta narrativa que Saramago caracterizou como produção fictícia a partir de cerca de uma página descrevendo um facto histórico. Fascinante foi a aprendizagem que Saramago permitiu a quem o ouviu: a obra é uma história inventada a partir de um episódio histórico e a sua escrita resulta de um dado que, esse sim, no dizer do autor, é uma metáfora da vida: um elefante indiano existente em Lisboa no século XVI foi doado por D.João III ao Arquiduque da Áustria como presente pelo casamento com a filha de Carlos V. No fundo, um elefante vindo da Índia para Portugal viaja, andando, entre Lisboa e Viena... e desse percurso algo bizarro que poderia analogicamente associar-se à imagem de uma extraordinária aventura resulta, mais bizarra ainda, a morte do elefante... e foi exactamente a morte do elefante que impressionou Saramago e que, segundo o próprio, justificou a invenção e a escrita do livro... porque, após a sua morte, cortaram as patas dianteiras ao elefante e delas fizeram um recipiente para colocar sombrinhas e chapéus de chuva!... facto histórico, o do destino das patas dianteiras do elefante morto, as mesmas que o levaram de Lisboa a Viena, é aí, apenas aí, que Saramago reconhece simbolismo metafórico sem comentários extra, ao livro que escreveu... Saramago, assumidamente ateu, viu, como o podem ver os olhos, o pensar e o sentir de quem lê nas entrelinhas o sentido das coisas, na história do elefante o absurdo imprevisto da vida humana... e, olhando mais alto, como sempre deveriamos ser capazes de fazer a propósito de todas as pequenas coisas da vida, Saramago falou com mestria, simplicidade e realismo da forma como a espécie humana vive, ocupa e destrói o planeta, deturpando e desvirtuando a própria vida pela construção de formas de ser e de estar que consagram socialmente as iniquidades que nos permitem a injustiça, a miséria e o desrespeito pelos direitos humanos!

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