sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

As Árvores e a Floresta


A luta de classes não foi inventada por Karl Marx, mas foi ele quem primeiro a estudou e sistematizou, pelo menos com ressonância que se visse. Depois, estruturou uma teoria política que veio a ser amplamente debatida e muitas vezes adoptada por vários movimentos sociais em todo o globo. Dos vários desenvolvimentos da teoria inicial, nasceram muitos dos vários “ismos” que conhecemos: desde logo o marxismo, mas também o trotskismo, o estalinismo e o maoismo, para citar só os mais conhecidos. Era a época dos grandes debates de idéias, em que a florescente e próspera Europa, sede da maioria dos impérios (o britânico, o francês, o belga e outros, onde até cabia o português) era por eles alimentada. Para se ser reivindicativo é necessária alguma “folga” por pequena que seja porque, embora se possa protestar de barriga vazia, a fome não é boa conselheira. Apesar de o proletariado europeu ser altamente explorado, já lhe sobraria algo mais que aos escravos ou semi-escravos que em África, na Ásia e em outras partes do Mundo contribuíam para a obtenção das matérias primas que os europeus haveriam de transformar nas sedes dos impérios de então (e quantas vezes reexportar já transformadas para os locais de origem). Naturalmente que, havendo produção teórica nova e inovadora elaborada do ponto de vista dos trabalhadores, se gerou um movimento que levou a parte contrária, isto é, os donos dos meios de produção, a tentar contrapor os velhos valores e as velhas ideias. Assim nasceram movimentos e partidos que se opunham aos nascidos do marxismo. A produção teórica destes outros partidos e movimentos tentava acompanhar, embora em sentido contrário, a evolução teórica dos partidos e movimentos geneticamente socialistas tornando-se, de alguma forma, seus tributários, uma vez que só existiam por contraposição. E assim, uns e outros, foram evoluindo e mutuamente se influenciando, de tal forma que se foram mutuamente condicionando. Sei que esta é uma visão demasiado simplificada e simplista do que realmente existiu, mas o rigor do que acima ficou dito não é muito importante para o que quero expor. O que quero dizer é que uns passaram a ser dependentes dos outros. Houve muitos casos em que houve aproximações (a protecção social aos trabalhadores dos regimes capitalistas, antes inexistente, ou a hierarquização rígida e claramente excessiva de forma a criar elites governativas que se perpetuassem no poder sem terem de se justificar, quais monarcas, nos regimes ditos socialistas, por exemplo), tornando os regimes menos diferentes. Quando os movimentos socialistas se tornaram pragmáticos (com a “realpolitik”) e deitaram para trás das costas a produção teórica, também “do outro lado” se deixou de teorizar. Embora se estivesse longe, em minha opinião, de qualquer prática socialista coerente, a suspensão do debate de idéias originou o aniquilamento de qualquer hipótese de correcção de rumo ou de busca de um novo. Daí até à queda dos regimes ditos socialistas foi uma questão de tempo (expondo, alem do mais, a inexistência, tanto quanto se viu, de um Homem Socialista ou “Homem Novo”). A partir de então, o capitalismo não teve mais a quem prestar contas, podendo dar-se ao luxo de explorar caminhos novos sem receio de qualquer crítica ou contestação. Foi assim que, logo no início dos anos 90, Margareth Thatcher e Ronald Reagan avançam decididamente para o ultraliberalismo capitalista, tecendo loas e louvores à livre iniciativa privada e desmontando muitos dos mecanismos de controle do próprio sistema capitalista que até então tinham vigorado. É a partir de então que os esquema financeiros mais especulativos (o chamado capital de risco, por exemplo) vêm a luz forte do dia e o dinheiro deixa de ser essencialmente um meio de troca para passar a ser ele próprio um produto vendável, sem qualquer correspondência com o velho ouro que durante séculos o garantiu. A espiral de especulação inebriou de tal forma os mercados financeiros e todos os que se dedicam a estas actividades sem controle que se esqueceram que o dinheiro não é um bem em si, mas uma forma simplificada de troca. A multiplicação do dinheiro nas suas mãos não tinha correspondência no mundo real (na produção de bens agrícolas, industriais e mesmo de serviços) onde se baseava. Que o mundo em que viviam era uma imagem virtual da realidade e que enquanto tal não a podia ultrapassar. E eles ultrapassaram. Criando à escala mundial um esquema em tudo semelhante ao da nossa D. Branca, confundiram capital com dividendos e rebentaram, por ganância, com o sistema bancário e com o capital financeiro de que se serviam. Provaram da forma mais trágica que o capitalismo já é perigoso quando controlado mas completamente impraticável sem controle, porque toma o freio nos dentes e força o sistema até à ruptura. Da mesma forma que os regimes que se propunham o socialismo soçobraram, também os regimes capitalistas liberal e ultra liberal demonstraram aqui que não servem. Provaram que, se do lado do socialismo o Homem Novo não tinha sido criado, do lado do capitalismo o Homem Velho continua ganancioso e igual a si próprio e não pode ser deixado sem controle. Assiste-se então ao improvável: os liberais a clamarem por intervenção estatal e apoio do Estado, e os socialistas (entre nós, os comunistas e os bloquistas) a protestarem pela nacionalização de bancos e clamarem pela segurança dos depósitos bancários. Não digo que não o façam, mas entenderia como mais apropriado que, dadas as raízes políticas que se arrogam, se empenhassem mais em apontar o dedo à especulação financeira como principal responsável do momento tremendo que se vive e afirmassem alto e bom som que, em regime socialista jamais uma situação destas ocorreria. E explicassem que num verdadeiro regime socialista, a especulação financeira, por definição, não pode existir, porque ela é a expressão directa da exploração do dinheiro produzido pelo trabalho de outrem. Se tudo se basear em produtos reais, fruto do trabalho de todos e de cada um, a especulação financeira não é possível. Mas parecem tão distraídos com estas árvores próximas que não conseguem a ver a não tão distante floresta.

Fernando Pinto
fernandopinto@netvisao.pt
(publicado in Diário do Sul em de 8 de Janeiro de 2009)

2 comentários:

  1. Tá perfeito, Ana, obrigado.
    Beijos
    Fernando

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  2. Obrigado, Fernando! Fico contente por teres gostado! Continua inspirado e a escrever... sempre! ... já agora, não queres ser seguidor de A Nossa Candeia?... e, quando te apetecer, enviar uns comentários? Os blogues permitem uma interacção do pensamento que dá razão a quem enunciou a expressão: " da discussão [eu prefiro: do diálogo] nasce a luz"! Daí o nome: A Nossa Candeia! ... para darmos luz à luz das nossas ideias!... e, claro, envia mais textos!... A Nossa Candeia agradece! Beijos.

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