Hoje surgiu, com alguma surpresa da comunicação social, uma notícia de todos reconhecida, há muito, no nosso país: a classe média já não consegue enfrentar o endividamento e falha o cumprimento dos compromissos bancários. O problema é antigo e não faz sentido ser apresentado como se estivesse em causa uma novidade, apenas porque as instituições de gestão do endividamento reiteram uma realidade que elas próprias já tinham divulgado, há um bom par de meses... aliás, mais grave ainda, o Banco Alimentar Contra a Fome já referiu, repetidas vezes, que a ele recorrem famílias que integram, designadamente, médicos e professores... por isso, das duas, uma: ou médicos e professores não integram a classe média ou o que o Banco Alimentar Contra a Fome afirmou foi tomado de ânimo leve - como se fosse possível fazer afirmações desta natureza no caso de serem infundadas. Num país em que a relação entre custo de vida e desemprego é extremamente gravosa e em que todas as instituições vocacionadas para a assistência social registam o aumento em número e diversidade de utentes, os pobres de hoje não são os indigentes de ontem mas, entre eles, regista-se, face à desestruturada rede de apoios sociais que, as pessoas em idade activa, rapidamente, por extinção ou reestruturação dos locais de trabalho, se encontram em situações que podem vir a ser, face à estrutural mudança das suas vidas, os indigentes de amanhã... Uma reestruturação socio-económica é, cada vez mais, um imperativo nacional (veja-se o artigo de Carlos Santos no O Valor das Ideias), sob pena de realidades como a violência social e a criminalidade aumentarem exponencialmente... o fenómeno cuja dimensão se não esgota no nosso país (por mais que Paulo Portas se esforce em o associar à governação para rentabilizar, demagogicamente, a expressão popular do que o célebre Ricardo III de Shakespeare designou por "inverno do nosso descontentamento") assinala com evidência os efeitos dessa imensa crise económico-financeira que vamos reconhecendo como causa... a não ser assim, como poderemos justificar os surtos de violência urbana atribuídos aos jovens e as tendências registadas no que se refere ao aumento do défice em França (leia-se no Politeia, sobre este assunto, o texto de JMCorreia Pinto e, no que a um plano mais alargado respeita, o de Rui Herbon no A Escada de Penrose). Entretanto, enquanto se preparam os argumentos e a estratégia de campanha das forças políticas, Cavaco Silva assume, contrariamente ao que é requerido a um Presidente da República, um intervencionismo que, ao invés de contribuir para o reforço da confiança institucional de que os cidadãos precisariam, se limita a reforçar posturas partidárias do que é afinal o seu partido, "caindo por terra" o lema criado e adoptado pelo exercício dos seus antecessores, a saber: ser "Presidente de todos os portugueses"... da pertinência da questão, adquire-se uma imagem que vale a pena ter em consideração em dois textos que vale a pena ler: um de Valupi, no Aspirina B e outro, de JMCorreia Pinto no Politeia.
... e enquanto a sociedade avança com estereotipos que, por vezes inconscientemente, denotam as representações socio-culturais que determinam os nossos comportamentos (veja-se o significado do episódio de Hilary Clinton na República Popular do Congo que Maria João Pires destaca no Jugular ou o hastear da bandeira monárquica na Praça do Município, facto sobre o qual merece a nossa atenção o texto de Valupi no Aspirina B), desaparece deste "prime time" da política a preocupação primeira dos cidadãos: emprego, liberdade e garantias de continuação na inclusão social...
Quem não é indigente está em risco de cair na indigência a qualquer momento. Chama-se a isto flexibilidade, e é uma das virtudes cardinais da religião neoliberal
ResponderEliminarAna Paula Fitas
ResponderEliminarDesde há muito que venho gritando que é preciso tratar as empresas com mãozinhas de lã, que são o oxigénio que permite ao jardim florescer.
Sem empresas não há jardim, e muito mais se o jardineiro ao arrancar as ervas daninhas danificar por brutalidade os imensos botões que esperam por desabrochar.
Hoje a classe média das qualificações olha estupefacta para este quintal amargurada. Deram-lhe adubo para crescer em flor e se desenvolver, mas mal desabrocham são esmagadas por mãos sequiosas de as recolher.
Hoje o secretário Lobo uivou ao povo dos independentes, tendencialmenbte a grande maioria do povo Português: pagaram, mas l´État c'est moi!
Caro José Luiz Sarmento,
ResponderEliminarDe facto, quando há uns anos, se começou a falar em flexibilidade e polivalência era previsível o desfecho a que seria conduzido o mercado de trabalho europeu... contudo, sem alternativas económico-políticas pensadas ou adoptadas, os Estados da UE adoptaram a medida que, como era evidente, seria contraproducente, a médio prazo... nem foi preciso esperar! Aí estão os efeitos das inovações que a fase mais neoliberal do mercado foi capaz de introduzir... aguardamos ainda novas soluções, mais justas e adequadas à dignidade das condições de vida dos cidadãos... mas, infelizmente, por ora e apesar do que a crise já levou a que fosse dito e anunciado, não se vislumbra luz que ilumine ao fundo do túnel... e se da direita pouco ou nada podemos esperar porque persistem na defesa do mercado auto-regulado, a esquerda tem obrigação de apresentar soluções que excedam a demagogia da criação das PME's já que somos uma sociedade descapitalizada ao nível da classe média... persistir no pensar e no repensar dos problemas mais do que simplesmente investir no clamar da destruição do que ainda pode ser preservado para efeitos de melhorias é, ao que parece, a solução que nos resta no quadro da participação cívica e da reivindicação crítica construtiva... obrigado pela sua visita. Volte sempre.
Caro P.A.S.,
ResponderEliminarObrigado pela partilha do seu pensamento... Se me permite, penso que o que escrevi em resposta ao comentário anterior contém alguns dados correlativos à sua reflexão com a qual, de facto, se identifica uma parte significativa da minha própria geração... Há, na minha opinião, uma imensa necessidade de reescrever a teoria económica atendendo aos estrangulamentos recorrentes do funcionamento estrutural da economia que, como diz, sufocam (ou pelo menos não asseguram sustentabilidade) às iniciativas que poderiam ser motor da inovação e revitalização do tecido empresarial... no fundo, precisamos de um Estado Social que assuma a sua função reguladora, confiando na sociedade civil... contudo, a liquidez económico-financeira enquadrada no panorama internacional e comunitário, é a grande questão sobre a qual não surgiram ainda propostas com efectiva viabilidade político-económica.