A ser verdade o que é noticiado no texto de Paulo Ferreira no Câmara dos Comuns, comprovam-se os pressupostos das redes interpessoais como factor decisivo para a persistência e disseminação da corrupção em Portugal e, consequentemente, de algumas dificuldades que podem concorrer para a conhecida lentidão da justiça no nosso país. Infelizmente, já quase não surpreendem este tipo de revelações, dada a persistência com que se verifica a permissividade dos costumes ao nível da ética política que tem, no caso de Isaltino de Morais, um exemplo paradigmático e assustador na medida em que evidencia a total incapacidade de respeito não só com as instituições mas, acima de tudo, com as populações... longe vão os tempos em que, por uma simples suspeita, muito antes da sua própria exploração, as pessoas se demitiam com dignidade, sem sequer aguardarem a prova da sua inocência... hoje, a auto-estima dos políticos permite-lhes, na senda do exemplo de Berlusconi e estimulados por provocações do género das que Alberto João Jardim costuma protagonizar, sem que a própria classe política ou as instituições da República se pronunciem em termos de apreciação ou recomendação, a insistência na ocupação abusiva do poder, aproximando Portugal de uma espécie de mexicanização que, perigosamente, arrisca tornar-se banal aos olhos da opinião pública e da comunicação social, fragilizando, excessiva e contraproducentemente, a democracia...
Cara Ana P.,
ResponderEliminarAo abrir "espaço" "(...) entre o abuso de poder e a ausência da ética", talvez me permita relembrar que: "(...) a auto-justificação de um decisão é impossível e, a-priori, não pode responder por si mesma. Por isso, ensina Derrida, a responsabilidade é sempre problemática, porque é sempre a responsabilidade que se assume não por si e para si, não em seu nome próprio e diante do outro – esta é a clássica definição metafísica de responsabilidade – mas a que se deve assumir para outrem, no lugar e em nome do outro, ou de si como outro, diante de um outro e de um outro do outro – e é a con-fusão da génese da identidade, da responsabilidade e da eticidade" ( Derrida, J. (1995). O Outro Cabo (Bernardo, F. Trad.).Coimbra: Reitoria da Universidade de Coimbra. P.66). Ora, um dos problemas deste "nosso" Portugal político fragilizado pela evocação gasta de uma certa "democracia", é precisamente não se pronunciar uma responsabilidade por outrem, tendo também a clara noção de que a «resposta a é»..E, à luz do pensamento derridiano esta «resposta a é» traduz-se infinitamente numa responsabilidade como hospitalidade, ou seja, hiper-responsabilidade. Mas como refere, essa "classe política" parece apenas ter uma "insistência na ocupação abusiva do poder". Ao aceitar-se "isto" fica-se lançado numa «democracia porvir».Por um lado, a necessidade de decidir, por outro, o dever de responder. Enfim, não sei se ficou explícita a mensagem...um grande abraço.
Ficou muito explícita a mensagem, Jeune Dame. Obrigado. É, aliás, uma mensagem sintomática da realidade, "tomando-lhe o pulso" e aferindo do seu encaixe nas mais contemporâneas formas de problematizar a relação do Ser com o Ser em Situação que, de Kant a Heidegger, Sartre e à fenomenologia tem vindo a ser pensado até Derrida convocar para a reflexão uma realidade sociológica, dinâmica, cujo movimento enquanto acto (aristotélico) realiza a possiblidade urgente da construção desse estado que, na extraordinária expressão "democracia porvir" dará sentido ao que fizermos entretanto entre, como tão bem diz, "Por um lado, a necessidade de decidir e, por outro, o dever de responder"... apetece-me até perguntar: a «democracia porvir» como imperativo categórico?!... eis um ponto de partida que poderia ser interessante discutir a propósito da ética... de novo, obrigado pela perspicácia e o estímulo! Um grande, grande abraço.
ResponderEliminarCara Ana P.,
ResponderEliminarA sua questão tem uma certa "provocação" (saudável - risos)!, tentando responder: Se por imperativo categórico estiver em causa toda uma "deontologia kantiana" creio que não poderá ser o "suporte" a esta «democracia porvir». E isto porquê? Porque esta mesma «democracia porvir», perante o pensamento derridiano (confesso, o pensamento que mais me "seduz") o mais correcto seria dizer «nova internacinal por vir», tem como "mecanismo" o espírito da justiça. Se assim for, aceita-se o repensar da democracia, justamente pela própria "separação" que este filósofo permitiu entre a praxis política e a ética como prima philosophia. É ele que o diz: «politique aprés»... Derrida anunciou o terror de um "adiamento da democracia" (in, O Outro Cabo, P.153): «"A liberdade da imprensa" é o bem mais precioso da democracia, mas, pelo menos, na medida em que ainda não se fizeram, efectivamente, valer nas leis e nos costumes, as questões que acabamos de colocar, esta "liberdade" fundamental está ainda por inventar. Em cada dia. Pelo menos. E, com ela, a democracia ». Ora, este pensamento contribui para a reflexão da realidade sociológica presente, deixando em aberto toda a urgência e responsabilidade do instante da decisão. O interessante será como repensar a «ética» e, a este propósito, dando também uma "facadinha" nas deontologias Derrida pergunta: "o que é a éticidade da ética"? Apesar de não querer incomodá-la em demasia, deixo as últimas palavras deste livro (porque talvez gostasse de ler): "Segundo Jacques Derrida só a des-identificação intempestiva e aporética da Europa poderá, a partir do outro cabo, espécie de a priori in-finito da sua finitude, prometer, hoje, uma Europa justa ou democrática".
Preocupa-me (cada dia mais) uma mera praxis política baseada em opinião pública à beira de Eleições que, mais um vez, se traduzirá num "voto" fanático. Num voto sem distanciamento, sem contraste conceptual..para mim é como não ter suporte para perguntar algo como: quem ajuíza que o individuo está doente?
Sobre isto tanto haverá para re-pensar, um grande abraço.
(Risos)... sim, Jeune Dame, era, de facto, ligeira e saudavelmente provocador, o esboço de resposta ao desafio "derridariano" que o comentário lançava... porque, como bem se diz neste texto que aqui partilha, muito há a re-pensar sobre este "adiamento da democracia" que Derrida enunciou, onde o voto assume dimensões de mero negacionismo, funcionando, como a própria Jeune Dame afirma, "sem distanciamento" e "sem contraste conceptual"... por isso, face a esta praxis política assente na ausência da problematização e consciencialização, resta-nos, até "à desidentificação intempestiva e aporética da Europa" capaz de proporcionar uma reinvenção identitária fundada no espírito equitativo da democracia, a atitude pedagógica e estratégica de ir contornando danos maiores... como sempre, Jeune Dame, é gratificante o estímulo com que contribui para o re-pensar dos dias... um grande abraço.
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