Enquanto o país se desdobra em dificuldades económicas, com um desemprego elevadissimo, empresas falidas e medidas de austeridade indispensáveis ao esforço de compensação das contas públicas e os media persistem na busca incessante de matéria sensacionalista, o mundo dos cidadãos busca respostas para a complexidade dos dias... Felizmente, existe a literatura que é, sem dúvida, como aliás, sempre foi!, uma ajuda inestimável para se alcançar esse fim. A multiculturalidade e as relações internacionais trazem, actualmente, à informação e à opinião, uma torrente plural de dados que, cruzados, nos dão da realidade uma imagem que a não esgota... incorre-se assim, cada vez mais, em resultado de uma globalização que se pretendeu transparente, no risco de tornarmos mais opaca a verdade e de ficarmos cada vez mais alienados de representações que são construídas intencionalmente com objectivos obscuros que se podem resumir na percepção dos fenómenos de manipulação da opinião pública de que podemos escapar, quase paradoxalmente, através da ficção. Há pouco tempo citei aqui uma das frases importantes da obra de Aravind Adiga "O Tigre Branco" (ed. Presença), uma das obras que considero, nos dias que correm, ter o poder de nos devolver à realidade... Entretanto, hoje, lembrei-me de um outro livro fascinante pela autenticidade narrativa com que foi escrito e que transparece à leitura. Trata-se de: "O Menino de Cabul" de Khaled Hosseini, editado pela Relógio d'Água, já há uns anos (2005). O primeiro tem como cenário a Índia e o segundo o Afeganistão... e se ambos nos aproximam de realidades culturais diversas, ambos nos permitem, pelo distanciamento que os seus contextos imprimem à nossa leitura, uma aproximação valiosa ao mundo dos cidadãos de outros lugares que, na informação mediática que conhecemos, nos são dados como lugares onde valores e práticas nos parecem formas alheias à nossa visão do mundo... mas que, afinal, nos devolvem a imagem do que somos como indivíduos integrados em sociedades que nos moldam... muito mais iguais, muito mais compreensíveis, muito mais racionalmente próximos uns dos outros, filhos todos de uma mesma Humanidade que, por todo o lado, a lógica do poder determina e manipula, alheia, ela sim, à justiça, à equidade e à verdade, deixando-nos reféns de representações de um mundo ideal que permanece aí mesmo, no mundo das ideias, como mero referencial de acção e de luta.
Adorei este seu texto, Querida Ana Paula.
ResponderEliminarO seu conteúdo é humanista, precioso e diz muito, muito, em poucas palavras.
É essa magia que eu adoro, neste pirilampo iluminado e tão humano.
Continue assim, Ana Paula! Irei ler O Menino de Cabul.
E por falar em sensacionalismo, a tempestade levou-nos junto com a chaminé, a antene de TV e não é, que ninguém sentiu a falta dela cá em casa, pelo contrário?
Realmente somos das poucas famílias que apenas têm uma, mas nem demos por falta e já lá vão uns dias! :)
Um beijinho de um grão de pó. :))
Tigre Branco grande livro. Mas nós não conhecemos nada das literaturas asiáticas. Os editores portugueses ignoram a qualidade do que é produzido, nas várias línguas indianas, só para falar desse país. Mesmo o que é escrito por autores indianos em inglês, quase não chega. Arundathi Roy, Naipul e agora Arvind Ardiga, uma ou outra coisa de outros autores mas, a grande literatura e a grande poesia passa-nos completamente ao lado. É pena porque são visões do Universo que nos enriqueceriam muito. Pessoa não disse tudo.
ResponderEliminarOlá Fada :) - disse o pirilampo que, durante muito tempo, também não viu televisão, entretido que andava a pensar o mundo e rejeitando a poluição :))
ResponderEliminar... sim, Fada do Bosque, durante muito tempo, enquanto me dediquei a tempo inteiro à investigação, praticamente não vi televisão... e, confesso!, também lhe não sentia a falta :)
... por isso, penso que me resta felicitar uma família feliz que não precisa de encontrar no exterior motivos para comunicar, partilhar e pensar (bem!!!) o mundo :))
Quanto a "O Menino de Cabul" penso que vai adorar... mas, acredite!, "O Tigre Branco" é, como diz o Fernando Cardoso, "um grande livro"!!!
Beijinho feliz :))
Olá Fernando :)
ResponderEliminarTem toda a razão... Pessoa não disse tudo e muito enriqueceria o nosso país e os nossos cidadãos conhecerem, de facto!, muito do que se escreve pelo mundo... e eu corroboro as suas palavras sobre as literaturas asiáticas, designadamente, indiana: são visões do mundo que nos enriquecem imenso - e, se me permite, acrescento: nos tornam melhores e mais capazes de entender a complexidade humana.
Obrigado, Fernando. Um abraço.