quarta-feira, 3 de março de 2010

Leituras Cruzadas

Estranho e curioso país o nosso, reconhecidamente localizado numa Europa que se pretende exemplo democrático, no complexo mundo em que vivemos e se vê quase reduzido a representações que, sob múltiplas formas de expressão, mais lembram populismos demagógicos que precedem uma espécie de "golpes de estado" conhecidos por "mexicanizações", sejam elas "de secretaria" ou simplesmente, como era apanágio das sociedades de cultura oral, por via da intriga e do boato. Apesar de meio milhão de desempregados (100.000 dos quais jovens), de uma taxa de emigração igual à de há 50 anos atrás, da falência de mais de 700 empresas no espaço de meses e do problema comum da recuperação económica e da protecção das populações que nos colocam as devastações que as condições atmosféricas têm evidenciado por todo o lado (do Haiti à Madeira ou do Chile a França), Portugal continua a ter, por um lado, uma oposição empenhada em minar a governabilidade possível de um país a braços com uma profunda crise económica e, por outro, uma comunicação social sedenta de escândalos, determinada em corroer a confiança da opinião pública - apesar da ausência de pertinência ou fundamento de pseudo-notícias assentes na especulação gratuita que merecem o nosso veemente repúdio, designadamente pela evidência que denotam de concorrer para objectivos que se não esgotam no que relatam. É neste contexto que se pode compreender o critério jornalístico que levou a que um jornal nacional como é o "i", na sua edição de ontem, tenha escolhido uma não-notícia para colocar, em grande destaque na sua primeira página, sobre uma matéria bizarra que de informativo nada tem e que, em termos de contributo para a formação da opinião pública, nada acrescenta senão mais um contributo para o confuso e suspeito clima de intrigas com que oposição e comunicação social vêm encarando e retratando o país em que vivemos. A polémica suscitada mereceu, naturalmente!, uma série de reacções de que destaco os textos de Eduardo Pitta no Da Literatura, de Nanda no Sacode as Nuvens, no Léxico Familiar de Pedro Adão e Silva, de Tomás Vasques no Hoje há Conquilhas ou de Luís Novaes Tito no A Barbearia do Senhor Luís, bem como outros que, pela ironia denotada (veja-se o post do 31 da Sarrafada) ou pela solidariedade insuspeita reveladora da indignação de pessoas decentes (veja-se o post de Gabriel Silva no Blasfémias) justificam aqui a respectiva referência. A questão não é gratuita nem deve ser negligenciada porque, enquanto cidadãos, nos cabe o direito de exigir mais respeito pelos leitores, em nome de um jornalismo claro, informativo e de qualidade que não troque o interesse nacional por "fait-divers", ainda por cima de sentido escuso e/ou enviesado... Porque é o país e não a intriga e a suspeição indiscriminada que nos interessa e entretanto, enquanto grassa a confusão que muitos aproveitam para problematizar em sentidos diversos (vejam-se os textos de Luís Moreira e de Fernando Moreira de Sá no Aventar), ficam sem resposta as verdadeiras questões que se nos colocam para desmistificar tudo o que tem vindo a ser explorado exaustivamente em registo acusatório mas, pelo que se tem vindo a apurar, infundado(vejam-se os textos de João Abel de Freitas no PuxaPalavra e de Daniel Oliveira no Arrastão), sem se retirarem ilacções do que efectivamente se vai conseguindo fazer de positivo (veja-se o texto de Rui Caetano no Urbanidades da Madeira) ou, sem sequer se apresentarem leituras sérias suscitadas pela realidade dos factos (vejam-se os textos de JMCorreia-Pinto no Politeia, de Leonor Barros no Delito de Opinião e de Francisco Seixas da Costa no Duas ou Três Coisas). O país, o mundo e os cidadãos merecem mais e melhor!
(2ª Observação posterior à publicação deste post: os links para o Aventar já estão activos - informação gentilmente cedida pelo Fernando Moreira de Sá supra-citado a quem agradeço; para quem não lera a 1ª observação, acrescento que a mesma referia o facto dos links do Aventar terem estado temporariamente inoperacionais).

6 comentários:

  1. Olá Ana,
    Estava aqui a pensar… nem na Grécia os demagogos foram inocentes! Ontem o INE publicou (quanto à Produção Industrial): "Em Janeiro, a produção industrial apresentou uma variação homóloga de 0,6%, resultado superior em 2,1 pontos percentuais à variação homóloga de Dezembro, particularmente influenciada pelo comportamento da secção de Electricidade, Gás, Vapor, Água Quente e Fria e Ar Frio". Falou-se disto? Não! É preciso ouvir os delírios da senhora Manuela Moura Guedes (porque a história já vai no Rei de Espanha)…

    Boa noite, beijinhos...

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  2. Olá Jeune Dame :)
    ... muito boa, pertinente e oportuna esta observação que aqui regista: "nem na Grécia os demagogos foram inocentes!"... é um facto!... e tal como refere, nada do que respeita à vida concreta dos cidadãos adquire pertinência porque as prioridades vão para a insanidade sensacionalista - a invocação da pressão junto do Rei de Espanha é mesmo um delírio inimaginável!... ou será um resquício maquiavélico, eivado do populismo desesperado e sem escrúpulos que apela à propagação exacerbada da suspeita e da confusão?!
    Beijinhos... :)

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  3. Não tenho comentado os seus últimos posts, por falta de tempo, mas também porque a exclência dos mesmos aconselham a que não acrescente apenas comentários de circunstância.
    Hoje, porém, queria acrescentar apenas uma coisa a mais este excelente post: a oposição bota abaixista de que fala é mais de blogueiros à procura de tacho e de alguma comunicação social encrispada, do que uma oposiçaõ partidária. Essa não existe, porque reconhecidamente não está interessada em assumir o poder enquanto as coisas estiverem neste estado.
    Servem-se de alguma opinião blogosférica que lhes vai alisando o caminho, na expectativa da justa retribuição, no momento em que Passos Coelho, ou Paulo Rangel, assumirem que chegou a altura de desalojar o PS, porque a crise está a chegar ao fim. Nessa altura, Cavaco estrá a seu lado para dar o golpe final em Sócrates e conduzir os seus amigos ao poder.
    Desculpe, Ana, mas isto é de tal modo nojento e oportunista, que chego a pensar que a única forma de desmascarar esses pseudo democratas é denunciar a hipocrisia que rege a sua conduta. São vampiros, não são demcratas e, acima de tudo olham para o umbigo e não para o país.

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  4. Serve o presente para informar que o Aventar já está, novamente, de regresso ao local do crime.

    Obrigado e cumprimentos.
    FMSá

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  5. Carlos,
    Muito, muito obrigado pelas palavras que aqui regista e pelo facto de continuar por aqui. A falta de tempo atinge-nos assim, umas vezes em simultâneo e outras desencontradamente. Porém, o meu maior agradecimento vai para o texto do seu comentário que, inteligente e frontalmente, coloca os pontos nos "ii's" de tudo o que nos dado assistir, lesando o interesse nacional em nome de estratégias que a mais elementar razão não pode deixar de considerar, no mínimo, suspeitas...
    Um grande abraço, Carlos.

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  6. Caro FMSá,
    Reitero o agradecimento que integrei no post e que também deixei lá, no Aventar.
    Um abraço.

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