quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Leituras cruzadas...

Enquanto se incendeia o ódio que a pobreza, a fome e o obscurantismo alimentam em espaços menos longínquos do que se pode imaginar, localizados em pontos estratégicos do planeta, que podendo unir, separam civilizações, povos e culturas (vale a pena ler o texto de JMCorreia Pinto no Politeia sobre o Afeganistão), vivemos a Democracia, no nosso país e na Europa, como se de um dado adquirido se tratasse, ignorando o violento potencial que os conflitos sociais arrastam, de formas mais ou menos evidentes. E de tal modo é grave e opaco este pressuposto que não se vislumbra, entre os protagonistas partidários portugueses, uma visão de presente ou de futuro reveladora de valores e princípios inequívocos e universais, constatando-se, por exemplo e com estranheza, entre a direita e a esquerda, a proclamação de interpretações e opiniões verdadeiramente chocantes. Refiro-me ao profundo e assustador equívoco que, do PSD ao BE, tem vindo a ser afirmado publicamente, a propósito da legitimidade de candidatura de arguidos a actos eleitorais... porque, na realidade, o princípio da presunção de inocência não seria minimamente "beliscado" se os arguidos não fossem candidatos; sê-lo-ia se e apenas se, no caso de serem candidatos, ao longo do processo de candidatura, viessem a constituir-se como arguidos, sendo afastados dessa candidatura, assumida e exclusivamente, por essa razão. A questão dos princípios que, supostamente, separaria a honestidade intelectual que se requer à política, da permeabilidade à corrupção e ao corporativismo, fica posta em causa, nestas considerações que já foram defendidas em primeiro plano nas televisões, por líderes políticos como Guilherme Silva ou Francisco Louçã, porque a confiança dos cidadãos e a credibilidade nos valores e nas instituições, surge lesionada pela secundarização do interesse público, refém do apoio de um grupo a um dado cidadão - apoio esse que, em alguns casos se tem demonstrado válido pela aferição da sua inocência mas que, noutros, tem resultado em situações inequivocamente graves (lembremo-nos do caso BPN e Dias Loureiro)... Vivemos de facto uma realidade virtual de que pouca conta nos damos, entretidos no jogo de espelhos da política, da tecnologia e da mediatização... ao ponto de um princípio geral do direito (a presunção de inocência) ser invocado para justificar opções que, pelo seu carácter deferido no tempo, condicionam o voto à incerteza do carácter e do cumprimento de compromisso com boas práticas que é suposto conduzirem o processo de escolha dos eleitores... compreende-se assim que, considerando o que tem ocorrido no processo de elaboração de listas dos partidos às próximas Eleições Legislativas, no Delito de Opinião tenham surgido dois sintomáticos textos, um de Sérgio de Almeida Correia intitulado "Política de Verdade ou a Verdade da Política?" que ilustra o distanciamento da política relativamente à ética e, outro, de João Carvalho, "Tudo pela Derrota?" que, numa perspectiva alargada, reflecte o paradoxo a que chegou a vida partidária, na senda de uma ânsia de poder capaz de não prescindir de compromissos internos mais ou menos claros, em detrimento da transparência pública que se exige às eleições, desvalorizadas ao ponto de um dos maiores partidos só disponibilizar os seus conteúdos programáticos quando faltar apenas um mês para o acto eleitoral, adiando até ao limite as respostas que os cidadãos procuram, como evidenciam as que se colocam no texto de Carlos Santos no O Valor das Ideias. Felizmente, o mundo não pára aqui e vão, apesar de tudo, chegando notícias do contínuo esforço em repensar o mundo (como nos demonstra Rui Hebron no A Escada de Penrose) e investir na prevenção das catástrofes e na preservação do planeta, da vida e do património (como se comprova no Sustentabilidade É Acção, de Manuela Araújo).

12 comentários:

  1. Neste seu breve périplo por alguma das coisas boas que se vão escrevendo por aí, resulta para mim claro que o motor da reforma e da mudança teremos de ser nós. Seja na procura de um novo paradigma, seja na defesa intransigente de valores que nos são caros.
    Para que tal suceda, ou nos lançamos de forma decidida nesse combate de mudança e nos mentalizamos que, como em tudo na vida, nada se alcança sem sacríficio ou então continuaremos nesta ladaínha e rosário de pedir que sejam outros a resolver as coisas por nós.

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  2. Cara Ana Paula
    Deverá Portugal propor a Obama e aos demais membros da OTAN que reconsidere o Afeganistão? Ou deverá Portugal bater-se pelo fim da OTAN e sua substituição por um outro tipo de estrutura regional, europeia?
    Na verdade, achamos mal mas toleramos o apoio europeu e nacional a esse absurdo esforço de guerra, em nome do pragmatismo e da hipocrasia das relações internacionais, não é verdade? Por isso nos parece que abandonar a OTAN não é coisa séria. E por falar em seriedade: com a conveniente determinação do apoio português a Durão Barroso, valerá a pena falar em decência, honestidade, justiça, presunção de inocência? Como poderemos ter uma face para a afirmação de princípios e um voto para aqueles que constantemente os violam, transigindo com a agressão e com o roubo, com os crimes contra a humanidade?

    Francisco Oneto

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  3. Caro Ferreira Pinto,

    Obrigado pelo contributo reflexivo que aqui partilha num registo que sintetiza o que, também eu, considero essencial: a convicção de que a postura individual e a solidariedade cívica são os grandes motores da mudança, sem cuja adopção permaneceremos reféns de uma passividade acusatória que dificulta, mais do que promove, a efectiva mudança de mentalidades e comportamentos... talvez, por isso, hoje, as opções políticas se coloquem em termos pedagógicos e estratégicos (à luz dos quais se prefere o "sacrifício" à "ladainha")sem que nelas se esgote a nossa humanidade... Um abraço

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  4. Caro Francisco,
    As relações internacionais requerem, na minha opinião, procedimentos concertados de forma a evitar acordos bilaterais criadores de dependências cujos custos podem ser maiores para as populações do que os decorrentes da diplomacia multilateral. No que ao Afeganistão se refere, para além de considerar que serão os próprios afegãos a resolver os problemas do seu próprio país, penso que, no plano das relações internacionais, é urgente redefinir paradigmas relacionais, estratégias e objectivos de actuação diplomática ao nível dos próprios organismos internacionais, por exemplo, no contexto da ONU. É nesse sentido que considero justificar-se o esforço da multilateralidade em que todos os países devem envolver-se, dados, designadamente os riscos globais que a contemporaneidade enfrenta (água, energia, bens alimentares, virologia, saúde)... até porque, apesar da problematização crítica que a NATO/OTAN constantemente requer, a sua extinção não significaria, por si só, a paz para espaço algum que se situa em dinâmicas de conflito desta natureza. Quanto às opções político-militares dos protagonistas políticos de todo o planeta, penso que, todos eles, sem excepção, incorrem, por umas ou outras razões, em lógicas de violência que, em rede,se tornam ameaças planetárias se os cidadãos não tiverem o bom senso de, recorrendo à liberdade de expressão, exigirem e pressionarem o poder político com o objectivo de conseguir pacifíca e multiculturalmente uma paz duradoura para todos.

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  5. Jimi Hendrix disse uma vez: " When the power of love overcomes the love power the world will know peace." Esta frase resume tudo, o amor (democracia e liberdade) é a melhor estrada a seguir e não é o amor pelo poder que vai trazer liberdade.

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  6. Um texto abrangente a tocar vários pontos importantes da sociedade/momento actuais. (Obrigado pelo link, Ana Paula)

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  7. Ei…já viram o que se está a passar em Mangualde?

    Que vergonha!

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  8. Ana Paula Fitas

    Óptimo texto, que descreve bem o desvario e a falta de ética com que anda a política neste país.

    Mas tem razão, assim como o Ferreira-Pinto, se não formos nós a protestar, a levantar as vozes, a bradar em uníssono, com um objectivo comum e a força da unidade, não haverá maneira de sairmos deste triste círculo vicioso em que a nossa sociedade se encontra.

    Continuemos todos a berrar por uma política mais limpa, mais transparente, sem corrupção, sem marionetas, e pela adopção de comportamentos que valorizem o respeito pelo ser humano e pelo planeta.

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  9. Miss S.,
    Não tenho palavras para agradecer o inequívoco e lindissimo comentário que aqui registo, subscrevo e sublinho.
    Um grande abraço e votos de férias felizes
    (como se vê fui visitar a "Estrada...", li e também deixei comentei)

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  10. Caro Danadinho,

    Onde é que podemos ler o que se passa em Mangualde? Obrigado.

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  11. É gratificante a solidariedade, sustentada como acção, sempre presente.
    Um abraço amigo e solidário, Manuela!
    Obrigado.

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