sexta-feira, 22 de maio de 2009

Chantagem sobre a Dependência...




Mais uma crise que nem sequer é nova... uma vez mais entre a Rússia e a Ucrânia e, claro!, a propósito do fornecimento de gás... Reeditada, relembra à Europa um dos maiores problemas do século XXI: a chantagem sobre a dependência do acesso aos recursos essenciais à vida das sociedades contemporâneas. De facto, a "divinizada" globalização continua progressivamente a evidenciar o seu preço face às questões da distribuição de bens que a tecnologia aparentava garantir, no caso, em substituição dos recursos florestais das sociedades tradicionais. O problema, extenso e dramático na complexidade da rede de dependências inclusivé alimentares, coloca assim, em última análise mas, de modo algum, inverosivelmente, a questão da sobrevivência das populações que ficam expostas e indefesas, face ao regime de propriedade das fontes desses recursos, geridos em função da política comercial de um mercado, cujos preços se revelam já, com demasiada frequência, insustentáveis... uma espécie de chantagem que irá afectar, no médio prazo, cada vez mais países... primeiro, os que mais debilidades económicas denotam no reino da competetividade; depois, previsivelmente, todos os cidadãos que, ao pagarem o custo do acesso a recursos básicos que deveriam ser alvo de uma política social de preços, serão vítimas dos mecanismos especulativos do mercado... deste modo, emergem reforçados os modos de acesso... ao crescimento da pobreza!

4 comentários:

  1. Quer aqui,quer num comentário a um post anterior, notei alguma "antipatia" relativamente ao fenómeno da globalização. A ideia com que fico é que, de certa forma, se associa globalização a mercado e a homogeneização.
    Penso, contudo, que a globalização é uma tendência histórica profunda, que quase poderíamos descrever como o "destino" do planeta.
    Ela começou há muito tempo. Podemos antevela no "out of Africa" que dispersou o Homo Herectus pelo mundo; ou na expansão da agricultura; ou em tendências estilísticas como o Campaniforme, ou o "Bronze Atlântico". Está presente na expansão do mundo grego e ainda mais no mundo Romano e com o seu latim. E noutras regiões com outros "impérios regionais". Alarga-se com as "descobertas" e com os impérios europeus modernos. Ou seja, a história humana neste planeta é um longo e progressivo caminho de contactos, progressivamente mais globais.
    A globalização não é, pois confundível com mercado. Este é apenas uma das versões que ela tem assumido. A globalização é uma tendência histórica que, diria, estaria inscrita na natureza humana, se acreditasse que existe uma.
    Por outro lado, a questão da homogeneização é também apenas um lado da globalização. Ela tem tanto potencial de homegeneizar como de proporcionar o heterogéneo. Ao alargar a nossa rede de relações, ao por-nos em contacto com o diferente em tempo real, ela multiplica-nos os caminhos possíveis. Hoje temos mais possibilidades de ser diferentes dos nossos vizinhos, porque temos mais possibilidades de caminhos diversos. A rede de relações aumentou. Isso tem potencialidade diferenciadora. Já não lemos todos os mesmos livros; já não vamos todos aos mesmos sítios; já não dominamos todos os mesmos ediomas, etc.
    Em suma, a globalização não é um mal em si, que devamos combater. Aliás, ela está inscrita nos ideias humanistas da diversidade: não há diversidade em isolamento, só em contacto. Agora todas as moedas têm duas faces (tal como as do localismo, regionalismo ou nacionalismo). Ou seja, é apenas o problema das relações entre local e global, entre parte e todo, transpostas para a sociologia contemporânea. É fundamental ser crítico relativamente à relação, mas faz pouco sentido críticar a natural existência de uma das partes.

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  2. Tem toda a razão! Aliás, gostei imenso de ler o seu comentário, atento e crítico. De facto, a globalização, na perspectiva em que a coloca, constitui-se como parte da própria condição humana e responsável pela eclosão de civilizações... o seu texto fez-me, aliás, lembrar o nome de uma célebre exposição que acredito ter, também visto, há uns anos atrás; chamava-se "A Aventura Humana", título feliz para um percurso tão rico como o é o da construção da "Humanidade"... Se me permite, deixe que lhe sugira a leitura de um livro já antigo mas que, no panorama da literatura científica em Portugal, é uma pérola... escrito pelo pai de Claúdio Torres, o historiador (com grande capacidade analítica etno-arqueológica), de seu nome, Flausino Torres, o livro chama-se "Civilizações de Nómadas Sedentarizados" e, provavelmente, só o encontrará num número restrito de bibliotecas mas, seguramente, pode lê-lo na Biblioteca Nacional... voltando ao seu comentário, devo esclarecer o facto de, no meu texto, a referência à globalização se reportar apenas a essa dimensão de "mercado" económico-financeiro em que se movem as dinâmicas da actual gestão de recursos... sem prejuízo algum da extraordinária mais-valia que o alargamento das interacções e influências socio-culturais e mesmo económicas representa para todo o planeta, reforçando a diversidade e, como diz, dando maior probabilidade de emergência ao heterógeneo que nos não deixa acomodar, justificando o eterno investimento na aprendizagem, no humanismo e no amor à vida... se me permitir o desabafo que pretende justificar sinteticamente o teor do que escrevi, deixe que lhe diga que, no fundo, o que eu pretendo transmitir é que considero que se deveria e poderia aproveitar muito melhor e com proveito para todos, o impacto que as potencialidades da globalização permitem... e que os cidadãos deveriam exigir isso mesmo aos protagonistas políticos que têm a obrigação de pensar com sentido de responsabilidade no interesse público inerente à relação entre os planos do local e do global... para não ficarmos reféns desta dimensão negativa da globalização que é a sua redução ao plano da manipulação económico-financeira dirigida contra as capacidades dos cidadãos. Abraço.

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  3. Cara Ana P.
    Penso que: “a chantagem sobre a dependência do acesso aos recursos essenciais à vida das sociedades contemporâneas” é precisamente uma consequência diria “menos feliz” do dito fenómeno globalização. Porque é que é precisamos (por exemplo)de um Protocolo de Quioto? É simples, se pensar que um metro quadrado de deserto deve ter uma bioeficiência (produção de oxigénio e destruição de CO2) perto de 0,0012% .E, por outro lado, pensar que um metro quadrado de floresta tropical tem uma bioeficiência perto dos 100%.. parece-me bastante clara a razão pela qual alguns se dizem “cépticos” quanto à assinatura deste protocolo – o que acaba por se traduzir na sua “chantagem sobre a dependência do acesso aos recursos essenciais”...
    Não falaria de “antipatia” pelo dito fenómeno de globalização... Porém, poderia mencionar os dois vectores que desde a modernidade contribuíram para o “crescimento da pobreza”.. é que tende sempre a olvidar-se que o primeiro vector da modernidade (segundo Max Weber) coincide com o desfecho de processos "cumulativos" de racionalização que ocorreram no Ocidente após a reforma protestante. Daqui se começou a falar de uma concepção funcional de modernidade. Ora, num segundo vector da modernidade já não bastava a problemática da eficácia, veio a guerra pela autonomia à qual pomposamente se chamou a concepção “emancipatória” da modernidade. Então, se admitir que a modernidade foi a existência simultânea destes dois vectores, o que é ficou? Nas palavras de Weber “a tal”: “jaula de ferro”. Ficou a prisão e autonomia - deu-se a internacionalização destes vectores – depois a mundialização da internacionalização – derrubaram-se particularismos locais e nacionais - chegou-se à globalização, supostamente a união dos “conglomerados” – não se passou à universalização: supostamente a união dos povos. E, será isto uma brincadeira retórica da modernidade, ou em plena época contemporânea não desconstruimos o facto de se ter considerado equivalente à mundialização pelo globalismo, a mundialização pelo universalismo? Pensemos “para não ficarmos reféns desta dimensão negativa da globalização”...Abraço.

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  4. Obrigado, Jeune Dame... a ideia da globalização como "união de «conglomerados»" em prejuízo da "universalização: supostamente a união dos povos" é uma excelente forma de colocar o problema... Com um sorriso amigo e franco, "Aquele" Abraço (ao som de "Tanto Mar").

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