A dimensão extraordinária da crise económico-social detonada pelo terramoto financeiro que atingiu internacionalmente todos os países é hoje o pretexto para a tomada de medidas legislativas que vinham sendo adiadas pelo receio do seu impacto socio-político. Contudo, porque o designado "controle de danos" nunca é absoluto, os custos maiores da política económica dos últimos 20 anos são inevitáveis - como se tem provado pela cada vez mais frequente emergência de focos de violência social por toda a Europa e, também, em Portugal em relação ao qual não precisamos de nos esforçar para que nos venham à memória os episódios recentissimos de Chelas, da Bela Vista ou do Portugal Novo... Refira-se, a este propósito, a política de imigração que, recentemente legislada no que se refere ao contingente e estatuto dos cidadãos que chegam ao espaço europeu, actualiza a discussão inicial sobre o Espaço Shengen cuja institucionalização levantou receios da intenção de materialização da "Europa Fortaleza", racista e xenófoba. Sendo verdade que os índices de desemprego na UE são elevadissimos e que a oferta de trabalho, enquanto condição de acolhimento de imigrantes, não tem margem de manobra para integrar mais mão-de-obra, não é menos verdade que a limitação da mobilidade humana é contrária ao espírito democrático e aos Direitos Humanos, sendo o problema reconhecido como tal, ainda que de forma indirecta e pragmática!, na reivindicação europeia de mais e melhores políticas sociais (leia-se a este propósito o artigo francês publicado em Alternatives)... como também é verdade que se constatara, antes do deflagar da actual crise, que a Europa precisa dos imigrantes para a revitalização demográfica e para o próprio mercado de trabalho que, como dizia há dias Vital Moreira, está ainda por construir no interior do próprio espaço comunitário... Na linha de pensamento do texto que escrevi há dias sob o título: Pensar a Europa entre a Neoliberalização e a Regulação, penso que está efectivamente em curso uma pretensa "nova ordem internacional" (avocada aliás no início da crise por, entre outros, Durão Barroso) que, ao contrário do que seria desejável, não pretende agir no sentido da socialização e redistribuição da riqueza mas, apenas reforçar os mecanismos da "velha ordem internacional" (leia-se o recorrente e interessante artigo de Carlos Santos no Valor das Ideias) que aqui nos conduziu, legitimando interesses dos lobbies da alta finança para quem o rumo social da democratização internacional constituía uma ameaça designadamente pelo que a nova Presidência dos EUA de Barack Obama poderia representar. A crise justifica assim a persistência do capitalismo neoliberal selvagem e maquiavélico para o qual o cálculo dos custos sociais do desemprego, da violência, da pobreza e do ressuscitar dos nacionalismos (para que Mário Soares tem vindo a alertar), cruelmente próximos do policiamento político e social racista e xenófobo, justifica a "prevenção" com o reeditar da célebre prática de má-memória: "cortem-lhes os víveres"... ao invés de se investir na revitalização do mercado de emprego porque, claro está!, o efeito financeiro na liquidez dos lucros que fazem "mexer" a economia, poderia fazer "resvalar" as Bolsas... o problema, para que conste!, reside afinal na incapacidade do poder político e económico em reconhecer que a sua própria existência decorre da sociedade que estão dispostos a hipotecar permitindo, se necessário, o crescimento dos indicadores de auto-destruição, apenas e só!, por uma ambição compulsiva que se auto-justifica como confiança ideológica na auto-regulação do mercado!
(Uma adaptação deste texto será/foi também publicada nos blogues Eleições 2009 e PNET Política)
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