A fragilidade dos mercados face à crise económico-financeira que desabou sobre o mundo ocidental há cerca de um ano e cujos efeitos persistem, designadamente na desestruturação das economias nacionais com maior défice público e maior grau de endividamento externo, conduziu os países mais ricos, associados no G20 e reunidos na Cimeira de Toronto (Canadá) com o objectivo de prevenir e evitar novas reedições dos mais graves cenários das crises financeiras, a determinar a concertação para a redução comum dos défices e a aplicação de uma taxa fiscal bancária - a definir por cada Estado (ver Aqui). Apesar de todas as consequências dramáticas em que a decisão se multiplicará ao nível do investimento e do empreendorismo e consequentemente, das dinâmicas empresariais e do desemprego, esta decisão é o sinal e o exemplo maior do reconhecimento do grau de risco social e político-económico que a desestabilização financeira dos mercados implica no que se refere à arquitectura social dos Estados. Os factos revelam, antes de mais, de forma inequívoca, a falência social do modelo político-económico e financeiro que assenta na completa liberalização dos mercados. Por isso, agora, o mundo está a organizar contabilisticamente a forma de pagar a factura por uma opção ideológica que, radicando no século XIX, teve um desenvolvimento decisivo na segunda metade do século XX quando tal opção foi levada ao extremo, no climax de uma euforia de movimento de capitais que a lógica do lucro tratou, simplificadamente, de duas formas: não reconhecendo sinais de desgaste e declínio e perspectivando como solução para os problemas emergentes a continuidade da abertura e da persistência no incremento da liberalização dos mercados. Consequentemente, o desemprego nas sociedades europeias está aí para, pelo menos no médio prazo, ficar. A gravidade do problema é, contudo, mais vasta porque sempre que o dramatismo deste cenário social sofrer diminuições atenuantes, a propaganda e o marketing irão envolvê-lo em estratégias de manipulação de massas de conhecida demagogia, capazes de justificar a opção ideológica neo-liberal... até ao esgotamento da capacidade de resistência das populações cujo grau de empobrecimento diminuirá, seguramente, a respectiva resiliência. O grau de sofisticação tecnológica que se pretende continuar a introduzir nos processos produtivos, a par da globalização centralizada das redes de comercialização e distribuição e a praticamente irreversível reconversão dos aparelhos produtivos nacionais, constituem os 3 vectores de uma gestão ideológico-política que condiciona toda a mudança imperativa no funcionamento económico para que as sociedades democráticas que conhecemos não colapsem ao peso da pobreza e da exclusão social. Por tudo isto, quando analisamos os programas, as prioridades e os argumentários políticos do espectro partidário nacional, ficamos, justamente, com a percepção de que a própria política está esvaziada de sentido, convertida numa espécie de manual de gestão corrente de consumos domésticos... e para além de tudo o que, sobre cada um se poderia agora dizer, registo apenas o quão extraordinário é ver como o PSD insiste e persiste, apesar dos apregoados tempos de mudança levados a cabo pela sua nova direcção, na defesa intransigente dos princípios da redução da acção do Estado e do reforço da liberalização dos mercados (ver Aqui) como se estivesse perante uma mensagem ou proposta inovadora, capaz de garantir a salvação nacional.
Cara Ana Paula Fitas
ResponderEliminarA sua excelente reflexão remete para os períodos curtos e longos em economia, para a tomada de consciência e para as relações estruturais e, por isso, não contém somente um interesse metodológico, mas também um valor didáctico.
Considero que um sistema económico é um conjunto de estruturas e definir o sistema por uma só "instituição" é abrir o caminho ao finalismo. O sistema é um conjunto, uma combinação complexa de várias estruturas - económicas, técnicas, demográficas, políticas, jurídicas, sociais, mentais - ligadas por relações relativamente "estáveis" e implica a existência de um conjunto de estruturas em simbiose com uma mentalidade, com uma aparelhagem mental que define um todo coerente, muitas vezes independente de uma lógica interna de desenvolvimento. Mas de que lógica se trata? a do cálculo económico ou a que se desenvolveria em função de um móbil diferente da do cálculo económico, como o desejo de poder, a produtividade social, o espírito de competição? Este princípio motor subscreveria a noção de indivíduo cujo surto, expansão e declínio constituem o eixo de desenvolvimento das civilizações do Ocidente.
Deste modo, na base da sua dinâmica endógena das estruturas encontrar-se-ia uma certa concepção socio-cultural, unívoca do indivíduo. Mas, por outro lado, a palavra coerência evoca para nós a ideia de uma "estabilidade relativa" no tempo ou a de uma sincronização no movimento tal como nos é revelada pela História e, também, a ideia de homogeneidade ou de compatibilidade, revelando-se a ausência de coerência pela presença no seio de um conjunto de sectores de épocas diversas e de estilos económicos discordantes.
Admito que o objecto da ciência económica é a colaboração humana com vista a satisfazer todas as necessidades - fisiológicas ou psicológicas, materiais ou imateriais. Penso que as linhas de demarcação mais ou menos artificiais que separam a economia política das outras ciências sociais, do direito, da política, da geografia, da sociologia devem ser progressivamente suprimidas.
As expectativas de longo prazo não estão sujeitas à revisão repentina e, por isso, não podem ser afectadas pelos resultados futuros e, nem tão pouco, eliminadas. Talvez não possam haver comportamentos cautelosos sob a forma de expectativas adaptativas (e ainda menos expectativas racionais) que amenizem as incertezas e estabilizem os investimentos. Sabemos que a incerteza é uma característica intrínseca do sistema capitalista e que a reacção natural dos indivíduos às incertezas quanto aos acontecimentos económicos futuros é guiarem-se por um comportamento convencional que aplaina o caminho do investimento por intermédio de um não desprezível componente inercial das expectativas.
Obviamente, todos desejamos economias prósperas, um mundo melhor, onde sejam possíveis sociedades de bem-estar com melhores padrões de vida.
Um abraço
Ana Brito
Cara Ana Paula Ribas,
ResponderEliminarSubscrevo e aplaudo o seu texto. Mas do ponto de vista mais prático ele é omisso num aspecto importante: é que se Portugal beneficiasse do consenso gerado entre os 20, em reduzir o défice para metade até 2013 não estaria agora na situação dramática em que se encontra.
Aceitamos acelerar a trajectória de redução do défice orçamental de 9,4 por cento do Produto Interno Bruto (PIB) em 2009 para 7,3 em 2010 e 4,6 por cento em 2011 e temos que respeitar a meta de em 3% em 2013. Julgo que o valor de referência em Tóquio terá sido 2009 e, assim, Portugal teria de reduzir para 4.7 e não os violentos 3%(mesmo que a referencia seja 2010 Portugal teria que ter um défice de 3,7 e não 3).
Angela Merkle vibrou com as conclusões...
Lá terá as suas razões...
Estava a escrever um comentário que me desapareceu não sei se porventura foi expedido para emissão... Ainda devo reler o que a Ana escreveu, mas apenas saliento que desde 1972 em que Nixon desligou o dólar do ouro, o sistema de transacções e pagamentos internacionais só se manteve porque os bancos centrais continuaram a comportar-se como se ainda estivessem vinculados ao ouro. Contudo, nos últimos quinze a vinte anos, esse comportamento esboroou-se e se essa confiança recíproca não for restaurada de imediato o caos internacional será universal.
ResponderEliminarNo meu comentário, onde se lê Tóquio leia-se Toronto.
ResponderEliminarCom as minhas desculpas...
Caríssima amiga Ana Paula Fitas,
ResponderEliminarSubscrevo inteiramente a sua tese de que a evolução histórica conduziu as sociedades do Ocidente a impôr modelos neo-liberais que levou ao desmantelamento dos Estados e do noção do Estado-Providência que passou a ficar refém das manipulações das ocultas engenharias financeiras de investidores e especuladores. Passou-se na transição do século XX para o XXI para uma Globalização sem freio ético e sem mecanismos de lhe pôr fim. Este ambiente tóxico do capitalismo dos nossos dias levou à falta de conexão entre a lógica económica e a financeira, porque numa feliz expressão de Ernâni Lopes houve uma "desacopulagem" da economia e das finanças. Assim, se Mário Soares já nos vem dizendo nos últimos anos que a política está vergada à economia, agora a própria economia está vergada aos obscuros mecanismos do oculto mundo financeiro. A análise do texto da Ana está muito acutilante porque toca em muitas questões candentes!
Saudações cordiais, Nuno Sotto Mayor Ferrão
www.cronicasdoprofessorferrao.blogs.sapo.pt
Cara Ana Brito,
ResponderEliminarSou eu quem agradece a sua reflexão sistémica e estruturada a que acrescento apenas, se me permite, o princípio essencial da construção cultural que, na suas múltiplas vertentes é remetido para o branqueamento analítico pela dispersão que nos provoca o pragmatismo da consequente avaliação sectorial, a saber: toda a ciência, incluindo a económica, foi criada e deve manter-se ao serviço da Humanidade sem cedência aos princípios discriminatórios que a sua dinâmica endógena, incontornavelmente, propicia. Devolver o saber ao seu fundamento original é, assim, tarefa prioritária para a epistemologia que delimitará os campos conceptuais das ideologias contemporâneas, pelas quais serão política e socialmente avaliados os detentores do poder...
Um abraço.
Um abraço.
Carissimos Rogério PEreira, VBM e Nuno Sotto Mayor Ferrão,
ResponderEliminarTêm toda a razão... por isso, aceitem o meu agradecimento pela gentileza generosa das vossas palavras e "achegas" com que aqui contribuem para a análise e a discussão de um problema com rostos tão diversos equitativamente complexos :)
Saudações e Abraço Amigo.