quarta-feira, 9 de junho de 2010

Da Responsabilidade da Educação e da Irresponsabilidade dos Jornais

O texto que se segue, foi publicado por mim, hoje, com base na notícia do jornal Público de ontem, dia 8, para a qual fiz link no post que aqui publiquei ontem. Hoje, dia 9, depois da publicação do presente post, fui alertada para a incompletude e incorrecção da notícia que propiciou o meu "erro de paralaxe" na interpretação da mesma, pela Joana Lopes do Brumas da Memória (leia-se o seu comentário na caixa abaixo). Posteriormente, verifiquei no Jornal de Notícias (ler AQUI) a informação que descreve o que, de facto, vai ocorrer em Aveiro. Ponderei a retirada deste post mas, com um pedido para a vossa melhor compreensão pelo lamentável equívoco que lhe deu origem, mantenho-o a título de exemplificação ilustrada da importância que a comunicação social pode significar para a justeza, objectividade, erros e equívocos em que induz a formação da opinião pública - até porque, sendo uma polémica que se prolonga desde Maio, nada justifica que o Público tenha publicado ontem uma notícia tão evasiva. Finalmente, refira-se que os esclarecimentos que, hoje, foram claramente explicitados designadamente pelo Jornal de Notícias deveriam ter sido publicados em tempo útil para evitar estes episódios desagradáveis... Alterado fica, a partir deste momento, para que o post seja lido nos termos que o justificam, o título do mesmo.
O olhar, seja visual ou intelectual, incorre, por vezes, em erros que, na Física, se designam por "erros de paralaxe". Perdoem-me por isso alguns amigos por quem nutro elevada consideração e de quem gosto (ver aqui, aqui, aqui e aqui), as observações que, neste apontamento, teço, desinteressadamente e de boa-fé, ainda a propósito do desfile escolar de 1200 crianças do pré-escolar e do 1º ciclo, fardadas à imagem da Mocidade Portuguesa que, hoje, decorre em Aveiro e sobre o qual ontem aqui escrevi. Compreendo que alguns livres-pensadores cedam à tentação de considerar que a evocação da memória histórica é, sempre e independentemente do contexto em que decorre, válida "per si", sem que lhes ocorra que a interpretação dos seus protagonistas possa divergir de forma radical da que presumem, em abstracto, poder resultar de tal evocação. Vejamos: crianças em idade pré-escolar e nos primeiros anos da sua escolaridade não podem, por natureza do estádio de desenvolvimento cognitivo possibilitado pelos escalões etários que integram, perspectivar criticamente o desempenho simbólico de evocações históricas complexas como as que são inerentes aos fundamentos organizacionais da Mocidade Portuguesa. Além disso, um desfile de 1200 crianças não é uma peça de teatro designadamente porque, por um lado, não tem texto orientador e esclarecedor da mensagem significada pela reprodução formal e imagética que o simples desfilar no espaço público materializa e porque, por outro lado, o desfile não decorre num contexto cénico elucidativo do sentido que o justifica. Acrescem a estes dados, dois outros que considero não deverem ser minimizados. Refiro-me, em primeiro lugar, ao próprio imaginário de tão pequenas crianças (porque não estamos a falar de pessoas adolescentes ou jovens que possam integrar a representação no estudo da História política do país e/ou da Europa) que, mimetizando uma manifestação de massas, estão mais vocacionados para apreciar o efeito social que causam no espaço público da cidade, fardados e integrados/protegidos pelo anonimato colectivo de um imenso grupo que se impõe pela homogeneidade de comportamentos e se constitui como motivo de regozijo. Desta auto-representação do desempenho infantil podem aliás resultar, ao contrário do que alguns adultos supõem, sérios contributos para a configuração de juízos de autoridade moral e de imposição de práticas, legitimados pela tutela dos adultos - questão que não é negligenciável em sociedades que se defrontam com crises problemáticas de autoridade inter-geracional e com a emergência de fenómenos de violência que vão do bullying a determinadas manifestações de grupo como algumas claques desportivas ou como expressão política de revoltas juvenis. Em segundo lugar, chamo a atenção para a formação de professores e para os quadros conceptuais do ensino que, nos nossos dias, caracterizam a instituição escolar a qual, agrade ou não às famílias, aos cidadãos, aos políticos ou aos profissionais, se defronta com problemas endógenos muito mais sérios, do ponto de vista científico e didáctico-pedagógico, do que todos gostariamos. De facto, quem conhece o mundo escolar dos nossos dias, com todas as suas preocupações e com as efectivas condições científico-pedagógicas em que se desenvolve o seu trabalho, sabe que uma decisão desta natureza (optar por um desfile da Mocidade Portuguesa cuja saudação -relembre-se!- reproduz a saudação nazi!!!) decorre muito mais de uma visão lúdica de entretenimento que recorre a uma memória histórica de fácil reprodução, poucos custos e alto grau de mediatização, do que de preocupações de não branqueamento da História. A análise profunda do que este evento significa pode e deve ir muito mais longe do que o simples enunciado de questões que aqui afloro mas, para já, fico por aqui, lembrando apenas que a peça central do processo educativo são as crianças e não os adultos, pais, familiares, professores ou outros; por isso, as preocupações pedagógicas na administração do conhecimento requerem elevado sentido de responsabilidade social e não podem estar sujeitas a brincadeiras de adultos que manipulam, de forma pouco conscienciosa a própria História, sem a exigível seriedade implicada pelo apoio permanentemente consciente, indispensável ao desenvolvimento socio-cognitivo das crianças.
(O parágrafo inicial deste post foi redigido posteriormente à sua publicação inicial)

9 comentários:

  1. Ana Paula,
    Há UMA escola, algumas dezenas de crianças que estão em causa - e não 1.200. Será que leu isto, e várias outras notícias mais completas do que a do Público? Não creio, sinceramente.

    «Não vai haver nenhum desfile de Mocidade, não vai haver nenhuma criança a cantar o hino da Mocidade, não vai haver ninguém a recriar a Mocidade», garantiu à Lusa Joaquina Mourato, professora do 1.º ciclo do agrupamento de escolas de Aveiro e coordenadora do projecto educacional Reviver 100 anos de História. (...) O projecto em causa «tem que ver com um percurso histórico onde se vão rever 100 anos de história e vão ter lugar vários quadros representativos de várias épocas», esclareceu.

    «O primeiro quadro vai ser sobre a monarquia, onde as crianças irão dançar danças palacianas; o segundo quadro versará sobre o regicídio; o terceiro quadro será sobre a proclamação da República, onde as crianças irão subir aos Paços do Concelho para fazer a proclamação da República tal como foi feita há 100 anos em Aveiro», especificou.

    «Depois iremos ter a época do Estado Novo, com várias apresentações e características do Estado Novo, entre as quais a emigração, a guerra colonial, a escola tal como era naquela época e a Mocidade Portuguesa», referiu a professora.

    Nesse quadro «há meninos que estarão a fazer lembrar a Mocidade Portuguesa, tal como estarão crianças a fazer lembrar os emigrantes», assinalou.

    O quadro seguinte será dedicado «à revolução do 25 de Abril, onde irão ser evocados Zeca Afonso, que é natural de Aveiro, e vão aparecer os ideais de Abril, os meninos estarão fardados a fazer lembrar as fardas dos militares de Abril com os cravos na mão», acrescentou.

    «O último quadro será o da multiculturalidade, a representar a actualidade, em que temos escolas com múltiplas nacionalidades e onde se cruzam múltiplas etnias»

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  2. Obrigado, Joana :)
    Na sequência do seu comentário, procedi à correcção possível do equívoco...
    Um abraço.

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  3. José Luís Moreira dos Santos9 de junho de 2010 às 19:52

    Ana Paula,
    Felicito-a, neste caso, por duas coisas:
    o assunto era tão importante que você, generosamente, lhe deu a importância que merecia;
    quando a informaram de que podia ter caído num equívoco, você, como eticamente séria e responsável, fez o que podia e devia ser feito.
    Se alguém a criticar por isso, peça-lhes (exija-lhes) que em caso identico, procedam como você neste caso.
    Mas também lhes pode dizer que, sorrateiro e leve, anda por aí a capa escura do fascismo, a propósito de quase tudo e nada!
    A minha solidariedade. "Viver de pé não cansa a alma"!

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  4. Ana Paula,
    É a consequência de estar sempre alerta e actuante.
    Também eu fui no engodo da notícia do Público.
    Quem me chamou a atenção foi o Porfírio Silva para a minha deficiente informação e depois vi este seu último post e fui à procura de mais.
    Como dizem os muçulmanos - quem for levado a pecar por boa fé não é pecador - também nós somos merecedores de "pena" leve, muito embora nos possa ser creditado um bónus de "vigilância" que, ao fim e ao cabo, creio, muito nos honra.
    Já fiz um post a retratar o meu erro mas se, na realidade, as coisas se passarem como é dito no JN.
    Esperemos...
    Um abraço.

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  5. minha amiga Ana Paula,

    não esquecer que o maior erro é subestimar o erro. o que não quer dizer que o subentendido seja falso … em minha opinião um documento pode estar errado e não ser falso e outro pode ser falso e não conter erro nenhum…e também em minha opinião, não creio que seja de todo, falso, esse desejo camuflado de uni formalizar, padronizar, estandardizar, normalizar a mocidade … por mim sinto uma enorme vontade de ouvir a tourada do Fernando Tordo com letra do nosso Ary dos Santos… olha sabes aquela do cordeirinho vais á feira?....mémé…que remédio……..:))

    Um grande abraço
    Saravah

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  6. A humildade de reconhecer erros e equivocos, só está ao alcance dos mais dotados.

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  7. Carissimo José Luís Moreira dos Santos,
    Eu não me canso de lhe agradecer os contributos, o saber, a poesia e, agora, as avisadas e gratificantes palavras que me dirige! Permita-me que o cite por subscrever, sem reservas, um lema de que nunca me esquecerei: "Viver de pé não cansa a alma"!
    Obrigado! Farei sempre, sem medo e sem preguiça, o meu melhor! Por todos vós! Por todos nós! Um grande abraço, sincero e comovido.

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  8. Esperemos, T.Mike... esperemos! ... e... obrigado! Obrigado pela partilha de uma ideia que também me ocorreu... de facto, esperemos que, afinal!, tenha sido, desde o início, uma intenção de representação mais vasta do que a que fomos induzidos a considerar!
    Aquele abraço!

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  9. Querida Zézinha :)
    ... como sempre, tens toda a razão!... e o olhar de longe que se não deixa iludir pelos "retoques" com que a realidade se maquilha para se tornar mais "padronizadamente aceitável"... obrigado por estares presente, minha amiga!... obrigado também pela força da ideia que me transmitiste de forma revigorante ao evocares a "Tourada" de F.Tordo e Ary dos Santos... e sim, os tempos correm de feição a que lembremos o sentido das histórias paradigmáticas: "cordeirinho, vais à feira?" "-que remédio!" :)
    Aquele abraço cheiiinho de saudades :)

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