domingo, 9 de maio de 2010

Da Política Social e da Acção Social da Igreja em Portugal...

O combate à pobreza e o desenvolvimento das políticas sociais foi objecto de forte investimento, nos anos 90, através da governação de António Guterres que, na sua luta contra a pobreza, cedeu à pressão socio-política da Igreja, para encontrar parceiros que pudessem materializar no terreno a acção social de apoio aos cidadãos mais carenciados. De facto, de forma transversal (idosos, mulheres, crianças, doentes, toxicodependentes, indigentes, desempregados e famílias numerosas) e progressivamente, a par do desenvolvimento da execução dos programas estatais de apoio aos mais pobres, com relevante destaque para o Rendimento Mínimo Garantido, a Igreja criou uma rede de instituições particulares de solidariedade social que, não só redinamizou a rede de Santas Casas da Misericórdia de forma quase monopolizadora no que respeita ao papel do serviços privados na prestação de assistência social às populações, como devolveu à Igreja Católica a possibilidade de gerir serviços de saúde (é o caso de muitos hospitais concelhios)... O aproveitamento que a instituição fez desse apoio político foi de tal ordem que a Igreja é actualmente um parceiro indiscutível da prestação de serviços sociais na sociedade portuguesa. E se esta realidade faz sentido num país onde a Concordata se mantém vigente, o problema coloca-se em termos que não podemos ignorar num Estado Republicano e Laico onde a tolerância democrática admite a parceria público-privada mas onde não faz sentido que a execução da política social de assistência aos desfavorecidos esteja concentrada nas mãos de uma instituição religiosa. Porque nos cabe o dever de objectivar justamente a realidade, não podemos ignorar a rede de interesses económicos da Igreja Católica e a riqueza patrimonial de muitas das suas Misericórdias espalhadas pelo país cuja influência decorre, não só da sua acção social mas também, do facto de serem hoje entidades empregadoras de relevo. E se o cerne do problema reside nesse carácter quase monopolizador que a institução representa no sector e no grau de dependência socio-profissional que daí advém, a questão revê-se, por outro lado, na desconfortável e injusta percepção e representação social da Igreja num Estado que é, relembre-se!, Laico. Vêm estas considerações não só a propósito do clima de "tolerância papal" e até do facto dos deputados do PS não serem contemplados no "pacote" de destinatários dos que irão usufruir da "tolerância de ponto" mas, essencialmente, do facto de ter ouvido, numa noite da semana que findou, um debate televisivo onde participaram Alfredo Bruto da Costa, Maria José Nogueira Pinto e Bagão Félix, cujas afirmações convém referir e assinalar como efectivamente contestáveis. Assim, apesar do silêncio da comunicação social, vale a pena dizer que, se, por um lado, é verdade que, como disse Bagão Félix, se as IPSS's fechassem, seria o caos e o colapso, é, por outro lado incontornável a pergunta: E se o Estado deixasse de comparticipar, através da Segurança Social, as IPSS's, sejam elas Misericórdias, Centros Paroquiais ou outras? Seria ou não o colapso? Poderão estes comentadores, com legitimidade, avocar para a Igreja qualquer tipo de prevalência no exercício do "princípio da subsidiariedade" em detrimento do papel do Estado? Sejamos honestos! Não, não podem! Porque mesmo a alegada solução tripartida ao nível do apoio concertado entre Estado, Entidades-IPSS's e Família, não sobreviveria sem o apoio do Estado! Ignorar ou até mesmo relativizar esta dimensão do problema é, de facto, uma manipulação inaceitável que apraz à direita católica mas que lhe retira toda a credibilidade... porque, "contra factos, não há argumentos"! ... porém, face ao silêncio de todos perante estas declarações oferecidas televisivamente sem contraditório, a realidade torna-se mais próxima do que dessas representações resulta, do que da verdade em que assenta. Mais: a desejável capacidade destes serviços em sobreviverem apenas com financiamento próprio e da "comunidade de fiéis" evocada por A.Bruto da Costa está muito longe de ser possível e devo dizê-lo: felizmente! Porque o Estado é Laico e a prestação de serviços de apoio social às populações não pode depender de um monopólio religioso!... em última análise, pelo risco de discriminação mais ou menos subtil que pode implicar ao nível da igualdade de oportunidades no acesso aos serviços e do exercício da liberdade religiosa.

6 comentários:

  1. não pode, não deve, mas apoia e quem precisa está muito alheio a estas questões.Fui a S. josé e vi-me aflita para lá chegar dao o trânsito estar todo cortado, tive, portanto, que dar voltas e voltas por aquela parte da cidade tão «típica». Vi então as sras com suas melhores roupinhas e indigentes e emigrantes todos de cachecol vermelho.As primeiras iam a uma procissão, razão pela qual iam tão cuidadinhas, os segundos esperavem desesperados pela vitória do glorioso.
    essa promiscuidade de que falas e bem tem sido quanto a mim fomentada pelo próprio estado, veja-se a inépcia intencional que demonstra na viabilidade dos citados cuidados de que falas. A este propósito refiro os cuidados de saúde mental prestados pelo SNS e Instituições religiosas. Aquando a realização de visitas de estudo para alunos de Psicologia visitava até há dois anos atrás, o Hospital Júlio de Matos. Vi pessoas completamente maltrapilhas, descuidadas, sujas e pedintes. Há dois anos a esta parte visito a casa de sáude do Telhal pertencente à Ordem Hospitaleira de S. João de Deus e tenho visto pessoas muito bem tratadas e reespeitadas na sua integridade. O SR ENF. que nos guiou e que também presta serviço num hospital público referiu que ali os utentes pagam consoante seus rendimentos e cabe ao estado suprir quantia restante. Mais, informou -me ainda que em média paga três vezes mais no público por cama... fiquei perpelexa e questionei. O sr respondeu -me apenas: " sabe no público se houver uma torneira para arranjar é quase preciso um concurso de adjudicação e todos empurram para todos . aqui o mecãnico arranja".
    Ora, perante isto quero lá saber .. se precisar levem -me para o Telhal. As condições são óptimas, o clima acolhedor, os enfermeiros , psicólogos e psiquiatras de dedicação extrema. Quero lá saber quem patrocina o quê.....

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  2. Isabel,
    Obrigado! ... este comentário põe "o dedo na ferida"! Esta é a questão... porque, pelas razões que apontas, ficam relegadas para segundo plano, as que respeitam à igualdade de oportunidades no acesso aos serviços e os direitos cívicos e fundamentais dos cidadãos a que aludo...
    Um abraço :)

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  3. Caro António M P,
    Obrigado pelas suas palavras.
    Volte sempre :)
    e aceite, sinceramente, os meus melhores cumprimentos.

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  4. Ops
    ontem no comentário faltou relacionar a visão da tão «típica» Lisboa com a promiscuidade entre Igreja e estado dito laico. Mas penso que ficou subentendida. Junta-lhe o benfica ( clube de afeição, clube de massas, o papa e sua visita que irá parar um dia de um país em crise e está tudo dito. Acrescente-se ainda o próximo mundial e então temos a aliaça perfeita e tão conveniente a certos senhores que querem entreter e embrutecer mais ainda as ditas massas ( não gosto deste termo).E a religião católica e futebolística são ou não convenientes a laicização do estado??? EHEH
    este meu mau feitio...
    bj
    Um beijo

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