quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Demografia e Desenvolvimento - Natalidade e Fecundidade, Hoje (2)

"(...) Porque o cerne da questão subjacente à elevadíssima quebra da natalidade em Portugal e na Europa reside, como aliás praticamente tudo, no problema económico associado às representações sociais e aos valores com que vamos construindo as nossas personalidades e definindo as nossas escolhas… e se a pobreza eleva o número de imigrantes que entram no espaço europeu em busca de melhores condições de vida porque independentemente das “nossas” crises somos mais ricos que a África, a América do Sul, a Ásia, o Médio Oriente ou o Magrebe, a verdade é que é, também, o “fantasma” da pobreza que afasta da reprodução as práticas sócio-culturais de portuguesas e portugueses e, de todos os europeus que, justamente, pretendem continuar a assegurar o seu direito a uma vida digna, com qualidade e em que os direitos de satisfação e realização pessoal não sejam hipotecados com a responsabilidade acrescida que a existência de filhos significa. A talhe de foice e a propósito do contributo demográfico decorrente da imigração vale a pena, como nos recomenda a previsibilidade científica, atender a que, com o passar das décadas, assimilados os cidadãos de outras culturas pela cultura que os acolhe, iremos também assistir a uma diminuição da taxa de fecundidade desta população agora renovável… mas esse é um problema de longo prazo que, nos próximos anos se nos não colocará, dada a lentidão dos processos de assimilação, integração, inclusão e adaptação cultural dos que, praticando por ora comportamentos mais próximos da natureza em que se inscrevem as práticas tradicionais, são já parte integrante da população europeia.

A verdade é que, entretanto, o envelhecimento populacional é o drama da revitalização social do mundo ocidental e consequentemente da nossa capacidade de produzir riqueza, aumentar a competitividade e de crescermos em termos económicos. Estamos, se assim podemos dizer, perante “uma pescadinha de rabo na boca”… porque são as dificuldades económicas e a consciência social que a escolarização e a sociedade da informação globalizada produzem, que configuram as decisões individuais conducentes à opção de retardar a gravidez e ter menor número de filhos (razões que determinam a baixa taxa de fecundidade nacional e europeia) de homens e mulheres que têm como referenciais e ideais de vida, um nível sócio-económico capaz de lhes garantir a autonomia e a satisfação.

Os valores ocidentais contemporâneos assentam no desejo de segurança e na consciência dos direitos das pessoas e das crianças enquanto indivíduos e implicam a rejeição da insegurança, da incerteza, do sofrimento, do abandono, da pobreza e da mortalidade. Por isso, a decisão de exercer os direitos de maternidade/paternidade é adiada no tempo enquanto se gerem expectativas de um mundo melhor, onde as dificuldades económicas estejam reduzidas ao ponto da barreira do “medo do futuro” ser ultrapassada.

A dimensão psico-sociológica subjacente à problemática da natalidade em Portugal e no Ocidente é multifactorial e os dois parâmetros entre os quais deve ser equacionada são a economia e a cultura. Valorizar a maternidade/paternidade é, por isso, fundamental entre as novas gerações que são obsessivamente educadas de forma a garantirem a segurança mas, condição necessária e suficiente para a inversão do contínuo decréscimo do número de nascimentos é o desenvolvimento de uma política que, por um lado, seja efectivamente incentivadora da natalidade e capaz de garantir às mulheres e às famílias a sustentabilidade alimentar, da saúde e da educação das crianças e que, por outro lado, assegure as condições de uma substantiva conciliação profissional, familiar e pessoal – medidas que implicam estruturais alterações no planeamento político do desenvolvimento social e no mundo laboral mas, sem as quais não será previsível uma alteração da realidade actual.

Cientes destas realidades, cabe a políticos e cidadãos exigir mudanças para uma sociedade mais saudável, capaz de sobreviver e promover a sua própria sustentabilidade… porque, num país e numa Europa onde o desemprego é a mais marcante realidade do mundo laboral e da realidade vivencial da população em idade activa, não se afigura fácil esta mudança indispensável nos comportamentos sociais da população… talvez por isso, este ano, 2010, o Prémio Nobel da Medicina tenha sido atribuído ao “pai” da fertilização “in vitro”!"
(Continuação do meu artigo publicado na revista "Viver", ed. Adraces, Dezembro 2010)

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