quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

O Debate Presidencial - Manuel Alegre versus Cavaco Silva


O debate entre os candidatos presidenciais Manuel Alegre e Aníbal Cavaco Silva que ontem, praticamente, fechou a pré-campanha, deixando um bom sinal para a campanha que se aproxima, foi, sem sombra de dúvida, o mais útil de todos estes encontros entre candidatos. O melhor porque estiveram em confronto os únicos candidatos em condições de ganhar a próxima eleição para a Presidência da República... e é isso que importa: ganhar a Presidência da República! O resto são tempos de antena que cada um utiliza como pode e como considera que podem servir os seus interesses... mas, o interesse nacional não se revê nos interesses corporativistas de cada um, porque aquilo de que o país efectivamente precisa é de um Presidente da República que salvaguarde os interesses colectivos de uma população desprotegida face aos efeitos de uma crise desumanizada que os mercados provocaram e que os mesmos mercados procuram ultrapassar, em procedimentos de auto-defesa dos seus lucros e sem qualquer preocupação social. Daí a importância do próximo acto eleitoral que deveria registar, por estas razões, uma baixa abstenção, demonstrativa do interesse dos cidadãos com o seu próprio futuro! Provavelmente, não será assim e a abstenção, por razões várias (decepção, excesso de confiança, indiferença e descontentamento), pode registar indices indesejavelmente elevados. Contudo, este debate trouxe à evidência, as razões que deveriam levar-nos a votar: Manuel Alegre e Cavaco Silva apresentaram ontem, clara e inequivocamente, duas formas diferentes de estar e pensar a política e a sociedade. Apesar de ambos terem afirmado não estar na corrida eleitoral para, gratuitamente, derrubar e ajudar a eleger governos, o facto é que Cavaco Silva preferiu afirmar não dever prescindir do uso dos seus poderes, deixando antever uma eventual dissolução da AR em caso de intervenção do FMI (a qual, reconheça-se, disse só ser justificável após a intervenção do Fundo de Estabilidade Europeia), enquanto Manuel Alegre considerou que, a não piorar a situação económica, o Governo está em condições de continuar a governar... A este propósito, cabe perguntar se a dissolução da AR, mesmo em caso de intervenção do FMI, terá efectiva utilidade uma vez que se não conhece nenhum programa de intervenção económica proposto no espectro partidário, capaz de ultrapassar a crise e dar ao país a estabilidade e a criação de emprego de que a população precisa, tanto mais que, como diz, Manuel Alegre, todos, incluindo Cavaco Silva!, são responsáveis pelo estado a que chegou a economia nacional. De qualquer modo, para além do tom agressivamente despropositado com que o actual PR abriu o debate, provavelmente na presunção de que Alegre seria um adversário fácil, a prestação de Cavaco Silva não foi, nem de longe!, tão sedutora para a opinião pública como as anteriores! Manuel Alegre confrontou o seu adversário com factos (e não, como pretendeu Cavaco Silva, com insinuações!), de forma correcta, frontal, séria e relevante para o país, demonstrando com essa evocação que: a) as escolhas do candidato apoiado pelo PSD e do CDS, no que se refere a muitos dos seus mais relevantes anteriores colaboradores (designadamente, os que protagonizaram os crimes do BPN e da SLN) foram, no mínimo!, irresponsáveis e imponderadas já que esses colaboradores, usufruindo da influência política adquirida no exercício das funções para que foram nomeados por governos liderados pelo actual PR, desenvolveram uma promiscuidade entre política e negócios inequivocamente grave; b) que o caso da suspeita de escutas à PR foi politicamente usado pelo actual re-candidato, de forma inaceitável do ponto de vista ético, uma vez que os esclarecimentos que a matéria requeria, por implicar o regular funcionamento das instituições, vieram tarde e foram formulados de forma ambígua; c) a incapacidade de resposta digna à incorrecta alusão do Presidente da República Checa à dívida portuguesa denotou falta de sentido de Estado por parte de Cavaco Silva. A estratégia de Manuel Alegre, neste debate, alcançou dois grandes objectivos: por um lado, evidenciar uma prática política de Cavaco Silva que contraria a pretensa imagem de correcção que o seu discurso exibe como se fosse a sua actuação fosse perfeita e inatacável e, por outro lado, criar na opinião pública, a esperança de que a sua actuação não produziria tais incorrecções (a saber: trabalhar com pessoas e escolher apoiantes que pratiquem promiscuidade entre política e negócios; manipular suspeitas para criar uma imagem negativa do funcionamento institucional, contribuindo para denegrir, intencionalmente, uma governação partidariamente oposta à sua; ser passivo perante os ataques externos à dignidade do Estado português). Depois deste debate, ficam claras para os portugueses algumas das diferenças essenciais no perfil político dos candidatos a Belém, para além do que anteriormente era dado como único argumentário, a saber, a defesa do Estado Social (com que, aliás, Cavaco Silva pretendeu identificar-se, afirmando defender a saúde para todos e não pretender destruir o Estado Social -sem, contudo, defender a Escola Pública e a Segurança Social com a assertividade com que o faz Manuel Alegre). Assim, dado que Cavaco Silva nada disse de novo e não respondeu com a firmeza e transparência que se lhe requeria neste momento, se algum dos candidatos saiu a ganhar deste debate foi , sem dúvida alguma, Manuel Alegre.

4 comentários:

  1. Esperava mais do Alegre!
    Fiquei tristonho e surpreendido com a sua falta de acutilância politica.

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  2. Cara Ana Paula Fitas,
    Excelente perspectiva!
    Pouco depois do debate, tive oportunidade de ler algumas opiniões em diversos sítios que davam o candidato Silva como vencedor - e eu a perguntar-me porquê??
    O candidato Silva vitimizou-se, evitou responder a perguntas e tentou controlar o debate para fugir ao essencial - veja bem que por duas vezes remeteu a resposta para a página Internet da Presidência da República. Fraco, muito fraco.
    O candidato Alegre conseguiu ser superior, cingir-se ao essencial e sem dúvida ganhou o debate.

    O que me suscita algum receio é o facto de haver demasiados "cavaco-dependentes" instalados por todo o lado... Espero que o candidato Alegre ganhe para os pôr todos na cura!

    Desejo-lhe um excelente ano de 2011 recheado de sucessos!
    Um abraço

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  3. Cara Ana Paula, vimos de certeza TVs diferentes. A minha opinião não é tão Alegre como a sua. Vi um Alegre, mal preparado para um debate com esta envergadura, que como muito bem diz, foi o debate dos candidatos que poderão ganhar as eleições. Ouvi Cavaco dizer a Alegre que as explicações para as insinuações de Alegre estavam disponiveis no site da PR. Ouvi Cavaco criticar os administradores do BPN e não ouvi Cavaco, uma vez sequer, fazer insinuações ou ataques pessoais a Alegre. Não vou votar Cavaco, mas aquilo que posso garantir é que Alegre não voto, continua a declamar e escrever excelentes poemas, mas não é disso que o MEU País precisa. Alegre está para os portugueses, assim como Mario Soares esteve há cinco anos. Também não será Cavaco o indicado.....mas é o menos mau. Claro que isto não passa de uma opinião e as opiniões valem o que valem. Com o meu voto... nenhum dos dois.
    Abracinho, esperando que arrangem solução para um País que é MEU, ou também é MEU.

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  4. "Não se conhece nenhum programa alternativo no espectro partidário em caso de intervenção do FMI" - já pensou que é nisso que consiste a falência do regime democrático? Os ciclos eleitorais condicionam aquilo que de facto interessa: a boa governação económica. E não me vai dizer que Alegre ou alguma esquerda (PSD incluido) tem capacidade de a fazer??

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