... são centenas pelas ruas da cidade... milhares se pensarmos em todas as cidades do país e milhões se pensarmos na Europa, na América, na Ásia e na África... contudo, os pobres que nada mais têm senão a si próprios e, muitas vezes, a sua prole, ganharam no Ocidente o epíteto de "sem-abrigo", uma categoria social que pretendeu substituir alguns termos considerados humilhantes para sociedades que se pensaram e representaram como desenvolvidas ou em vias de desenvolvimento... noutros tempos, foram mendigos, vadios, valdevinos, miseráveis e, por exemplo, na Índia são ainda parte de uma casta conhecida por "Intocáveis" que, ainda assim, alberga no seu seio, sub-castas quase inqualificáveis e de certo modo, invisíveis, aos olhos ocidentais. Por cá, as pessoas "sem-abrigo" são pessoas que tinham vidas relativamente estruturadas e que, progressiva ou abruptamente, empobreceram, perdendo as condições objectivas de sustentabilidade dos padrões de vida considerados mínimos... perderam empregos, famílias, casas e ficaram reduzidas à condição de habitantes das ruas... as pessoas sem-abrigo são o símbolo da nossa incompetência política, social e civilizacional!... as pessoas sem-abrigo, desempregadas, pobres, sózinhas, toxicodependentes, alcoólicas, dementes, alienadas ou simplesmente descrentes, desesperadas, indiferentes ou tristes, são os cidadãos que nos recordam, a cada momento, a efemeridade da sociedade da abundância e do consumismo... é por isso que são obrigados a esconder-se e que, escondidos, surgem depois da luz do dia dar lugar às sombras, mais visíveis à noite, quando o bulício da ficção de uma sociedade organizada recolhe às suas casas e o espaço público fica mais disponível para a liberdade da pobreza, da tristeza e da miséria... As pessoas sem-abrigo são o nosso melhor espelho, o espelho do que potencialmente somos e do resultado da nossa intervenção ou passividade social e socio-política. É por isso urgente que os cidadãos sem-abrigo, sejam reconhecidos como uma das vozes com mais credível opinião sobre a sociedade em que vivemos e que continuamos a alimentar, na senda sem coragem, sem dignidade e sem razão, de um caminho que nos esforçamos por manter... O caminho é outro... e as razões estão à vista!... enquanto houver pessoas sem-abrigo e cidadãos com fome, não poderemos, em rigor, admitir ou ser cúmplices, por palavras, actos ou silêncios de procedimentos políticos, cívicos ou diplomáticos, que vão do corroborar da lógica dos mercados e da ideologia neo-liberal às negociatas internacionais de indivíduos ou entidades, públicas ou privadas, que enxovalham a dignidade existencial a que todos temos direito, em nome de interesses obscuros que hipotecam os valores éticos e o espírito da democracia por que tantos deram a vida e em que, felizmente!, ainda tantos, acreditamos.
quinta-feira, 23 de dezembro de 2010
Dos Cidadãos Sem-Abrigo aos Aviões, aos Bancos e aos Submarinos...
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Cara Ana paula Fitas
ResponderEliminarDepois de ler este seu post, acho que só consigo mandar um abraço solidário e fraterno e dizer que neste País há quem saiba dizer, aquilo que vai por aí e que só os insensíveis à miséria alheia não vê.
Tenho para a noite de natal um post com um poema do Gedeão e uma musica( mesmo só musica) do Zeca, que mostra um bocado daquilo que Gedeão antevia ser o "Natal".
Um novo Abraço e o desejo que o seu Natal seja o melhor possível.
Rodrigo
Nos países que são considerados ricos, é mais difícil aceitar a realidade dos sem-abrigo e muito mais difícil é aceitar a existência de milhões de crianças que vão para a escola sem tomar o pequeno-almoço. Em países onde o inverno tem temperaturas muito rigorosas, as entidades responsáveis por atender os sem-abrigo têm, muitas vezes, grande dificuldade em convencê-los a digirem-se aos abrigos (shelters) ou aos drop-in centres que existem espalhados pelas cidades, e aqueles locais disponibilizados em dias de alerta de frio intenso. É como se fosse um modo de vida que estas pessoas adoptaram e que não querem alterar. Evidentemente, outros casos haverá em que os serviços camarários não têm as condições adequadas para albergar os seus sem-abrigo ou devido à falta de estruturas ou até negligência. Por uma razão ou outra, o número de pessoas carenciadas continua a aumentar e a sociedade civil, só por si, não poderá fazer face à situação. As lacunas sociais continuam a aumentar a um ritmo vertiginoso.
ResponderEliminarBom texto, cara Ana Paula Fitas.
ResponderEliminarApenas um precisão: a verdadeira dimensão da pobreza está para além da realidade dos sem-abrigo...
Caríssima Amiga Ana Paula Fitas,
ResponderEliminarSubscrevo por inteiro o teor do "post" da Ana! No Natal os mais desafortunados devem ser lembrados e ajudados.
Como podemos dizer que vivemos em sociedades desenvolvidas se o pleno emprego é uma miragem herdada da época dourada do Estado-Providência ? É, realmente, significativa a evolução terminológica dos desamparados, que são eufemisticamente chamados de sem-abrigo.
Na verdade, as nossas sociedades de consumo desenfreado são a rematada ilusão de bem-estar, porque o que deve contar, como nos diz Agostinho da Silva, é a liberdade e a construção de democracias mais autênticas e não de democracias tecnocratizadas em que o poder dos cidadãos surge muito esvaziado. A sociedade de consumo está em crise, porque os técnicos e os especuladores apostaram num paradigma que colocou as sociedades Ocidentais à beira da ruptura!
Vi no dia 8 deste mês o filme, que recomendo vivamente, "A verdade da crise - Inside the job" que denuncia os podres do capitalismo, sem peias, que o modelo neoliberal nos impôs. Temos de mudar de rumo e de paradigma!
Votos de um Feliz Natal e de Boas Festa para a amiga Ana e para todos os leitores deste espaço incontornável da blogosfera!
Saudações cordiais, Nuno Sotto Mayor Ferrão
www.cronicasdoprofessorferrao.blogs.sapo.pt
Rodrigo,
ResponderEliminarObrigado pelas boas palavras solidárias e sentidas... vou passar o Natal a Évora e regresso no domingo... é bom saber que, nessa altura, vou encontrar no Folha Seca, a música de Zeca Afonso ilustrada com a mensagem de António Gedeão, o poeta que escreveu com o pensar do coração.
Tenha um Bom Natal, Rodrigo.
Um grande abraço fraterno.
Catarina,
ResponderEliminarTem toda a razão... por razões várias, de desespero, cansaço e incapacidade de enfrentar a padronização requerida dos dias, as pessoas sem-abrigo insistem, muitas vezes, em continuar a viver na rua e pergunto-me se essa não será a expressão do seu último reduto de dignidade perante a revolta... não sei!... mas sei, como a Catarina, que o direito a optar e a existência de condições para resposta às necessidades das pessoas não pode ficar a cargo da sociedade civil... e o Estado Social é exactamente o exercício e a consciência desta responsabilidade pelo Bem-Comum... não nos esqueceremos no que respeita ao que dele exigimos pelo puro reconhecimento racional das suas competências.
Votos de um Bom Natal, Catarina.
Um grande abraço.
Caro Trio :))
ResponderEliminar... tem toda a razão... a dimensão da pobreza vai muito além do problema das pessoas sem-abrigo... contudo, este é, muitas vezes, o desembocar de um caminho que se pode construir no lento e persistente caminhar sempre à beira do risco de um empobrecimento total que, cada vez mais, ameaça um imenso número de pessoas - repare-se que, depois de se saber que, no nosso país, existem cerca de 2 milhões de pessoas pobres, nos últimos dias cerca de 10.000 deixaram de receber subsídio de desemprego e cerca de 8.000 perderam o direito ao rendimento social de inserção sem que, apesar da reanálise das suas situações, tenha ficado garantida a sua sustentabilidade autónoma... Votos de um Bom Natal para os 3 e para todos os que vos fazem felizes :)
Um grande abraço.
Carissimo amigo Nuno Sotto Mayor Ferrão,
ResponderEliminarObrigado pela evocação do saudoso amigo e Mestre Professor Agostinho da Silva que elevava a realidade a um patamar de transcendência sem se distrair ou precisar da aparência de representações ilusórias e consumistas com que a sociedade contemporânea visa alienar os sonhos, hipotecando-os a um poder de compra que nunca é suficiente e que torna mais ansiosas e infelizes as pessoas... temos sim, como bem diz, que continuar a construir, a avaliar e a rectificar os caminhos que se nos apresentam e discernir os objectivos e as metas que é urgente alcançar... Obrigado pelas suas sempre boas e avisadas palavras, caro amigo e pela excelente sugestão que nos deixa sobre o filme "A verdade da crise - inside the job" que irei, seguramente!, ver na próxima semana.
Votos sinceros e sentidos de Boas Festas e de um Feliz Natal.
Saudações fraternas e calorosas.
Ana Paula,
ResponderEliminarExcelente.Fiz link para "A Carta a Garcia".
Abraço,
OC
Caro Osvaldo,
ResponderEliminarObrigado pelas suas palavras e pela referência.
Abraço.