segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Reconfiguração da Geografia da Pobreza - de Adriano Moreira ao Plano Marshall e à Crise


A inteligência e a ousadia na forma de pensar caracteriza os homens livres... talvez por isso, nos dias que correm, o que dói é o facto de se constatar, no meio político e até "intelectual" português, designadamente, nos que mais são chamados aos palcos da mediatização e que se vão afirmando como "opinion makers" para prejuízo do exercício da cidadania e da actuação política, que o sentido crítico com que comentam a realidade se esgota na repetição de ataques político-partidários de uma pobreza ideológica confrangedora, onde a ausência da criatividade no que respeita à apresentação de propostas alternativas para responder a situações de crise, denota raciocínios parados no tempo e reféns dos comentários alheios... cabe aliás aqui a referência a esta natureza repetitiva da cultura portuguesa que nos fez, séculos após séculos, depois do descalabro dos chamados Descobrimentos, repetir e adoptar "o que vem de fora" com uma atitude deficitária no que se refere à capacidade de adaptação de práticas e princípios que deveriam ser orientadores ou inspiradores mas cuja eficácia e eficiência ficam em causa pelo recurso simplista da sua pura e simples reprodução. Vem este arrazoado de observações a propósito da intervenção do Professor Adriano Moreira que acabo de ouvir na SIC-N e da inequívoca expressão de liberdade de pensamento de que deu mostras ao comentar o país e esta Europa que, unida e em crise, foi hoje alvo de uma intervenção quase inesperada por parte de Durão Barroso, na qualidade de Presidente da Comissão Europeia. Face ao coro de vozes protagonizado pela Eslováquia, a França e a Alemanha sobre a presença indesejada na UE de países considerados periféricos e avaliados como destituídos de "disciplina" no que aos critérios de convergência diz respeito e cuja intencionalidade se não esgota no comentário ou na boa-fé da defesa da moeda única, Durão Barroso pediu silêncio, considerando que esta "cacofonia" acentua a desconfiança dos mercados e contribui para reforçar a crise generalizada que a todos toca. Neste contexto, Adriano Moreira colocou o "dedo na ferida" em relação a alguns dos dados "em jogo" afirmando, sem rodeios, que nos encontramos num estado tal, que se justifica o assumir socio-político de uma reconfiguração da "geografia da pobreza"... e disse mais: a) referiu que muitos dos países que hoje exigem cumprimento aos mais pobres, viveram situações de extremas dificuldades na sequência da II Guerra Mundial (a este propósito cabe lembrar que a sua saída para as crises de então foram resolvidas durante cerca de meio século com a constante recriação das obrigações impostas pelo Plano Marshall); b) estranhou que instituições como, por exemplo, as Nações Unidas (e o mesmo poderiamos dizer das instituições europeias) não proclamem directivas no sentido de regular as práticas do mercado com, por exemplo, o decretar de um limite ou de uma condenação da usura!!!; c) problematizou o estatuto jurídico e a autoridade económico-política de entidades como o G-20 na definição das prioridades estratégicas para a sustentabilidade do mundo ocidental; d) lembrou que o perdão da "dívida pública" existe para responder (como já aconteceu com África) a situações difíceis e de complexa resolução; e) alertou para o desaparecimento ou o branqueamento de conceitos reguladores da vida societária - como é o caso do conceito estratégico de "reserva alimentar" no que se refere à economia portuguesa... porque há, efectivamente, muitas formas positivas de reagir e actuar!... e de lançar um debate para a concertação social efectivamente dialogante que se não fique no "braço-de-ferro" dos ditos parceiros sociais e que se reflicta, de facto!, nas políticas de governação com efectivos benefícios para a vida dos cidadãos e a sustentabilidade das economias nacionais. Massa cinzenta, precisa-se! - eis o que dá vontade de reivindicar!... e, nesta chamada de atenção, cabe não obliterar a grande desilusão a que é preciso dar resposta: sem negar ou reduzir o legítimo direito da Direita nesta matéria, a Esquerda deveria ser, por vocação ideológica e na senda da dignificação da sua origem e da sua história, o protagonista desta reivindicação. Não é! Porquê? - eis outra pergunta para a qual deveriamos exigir reflexão e resposta.

8 comentários:

  1. Seria interessante que visse o Prós e Contras, onde o Prof. Adriano Moreira disserta sobre esses temas com José Barata Moura (entre outros...). Depois, recoloque a sua pertinente pergunta se achar que ainda é oportuna...

    Abraço

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  2. Olá Rogério :))
    ... eu sei que estou muito atrasada na resposta aos comentários da última semana mas, estou a trabalhar a um ritmo muito intenso e falta-me, passe a expressão!, o tempo... contudo, não resisto a responder-lhe já... pois bem, meu caro amigo, José Barata Moura ou melhor, o Professor José Barata Moura é um vulto incomparável da cultura e do livre-pensamento em Portugal!... Um intelectual da maior excelência, um Homem admirável que lamento não seja mais conhecido dos portugueses mas que sei ser a sua consciência de cidadão que o fez, até hoje, rejeitar protagonismos e manipulações... O Professor José Barata Moura foi meu Professor de Filosofia do Conhecimento no meu 1º ano de licenciatura, Rogério e tenho a honra de o poder considerar meu amigo... Por mim, José Barata Moura deveria e poderia ser o Presidente da República de todos os portugueses, o nosso advogado perante a classe política e as corporações económicas dos mercados, o configurador de uma ideologia para o futuro!... por isso, meu amigo, não falhei esse Prós e Contras e só lamento que não haja muitos, muitos mais onde o confronto das inteligências se articula de forma construtiva... Por tudo isto, Rogério, o meu muito, muito obrigado, sentido e sincero, pela evocação do Professor José Barata Moura!
    Um grnade abraço.

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  3. Querida Ariel,
    Obrigado pelo entendimento solidário :)))
    ... e, se me permite a sugestão, leia, por favor o comentário anterior do nosso amigo Rogério e, já agora!, a minha observação a esse propósito... aproveito aliás para acrescentar que tendo assistido a esse programa, na altura, não pude aceder ao blog para escrever o muito bem que pensei e o elogio que me merecia a intervenção do Professor J.Barata Moura que foi, aliás, sempre!, ouvido pelo Professor Adriano Moreira, com admiração e concordância :))
    Um beijinho :)

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  4. Caríssima APF

    Não vou comentar o seu texto, onde invoca a posição do Professor Adriano Moreira.Embora me apeteça agradecer-lhe a oportunidade de o ter escrito.Vou, simplesmente acrescentar, que era bom para a sociedade portuguesa que fossem, claramente conhecidas, as suas posições politicas assumidas (e publicadas) durante o tempo do Estado Novo e de Salazar.
    Pergunto-me mesmo, se terá havido naqueles tempos,um Ministro tão à esquerda daquele regime?
    Ou seja,um Ministro do Ultramar que sempre apontou para a resolução do problema colonial num sentido histórico,político e humano adequado e de acordo com os tempos que se viviam e vieram a suceder-se?

    Se assim foi,não deve admirar-nos que assim continue a ser.Aliás,se bem se lembra, o próprio PCP aplaudiu-o,de pé,quando saiu do Parlamento.

    Poderia talvez acrescentar que, tanto quanto aprendi, enquanto seu simples aluno,o Professor Adriano Moreira, vem também avisando, repetidas vezes, para a falta de lideranças capazes e corajosas.
    Tanto a nível europeu.Como,é claro, também ao nosso nível.

    Cabe,portanto,deixar aqui e agora, mais uma questão:será que os pequenos países e/ou os grandes projectos, podem dispensar líderes verdadeiramente sérios e competentes?

    Com as melhores saudaçoes e um harmonioso abraço

    ANB

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  5. Cara Ana Paula Fitas
    Permita-me dar o meu modesto contributo para a excelente discussão que o seu post provocou.
    Sou daqueles que acredita que há em Portugal Homens e Mulheres capazes se colocados nos sitios certos, dar a volta à gritante situação que enfrentamos.
    Creio que o grande problema politico que surgiu em Portugal se traduziu no "assalto" aos aparelhos partidários por gente que a partir daí chegou a responsabilidades politicas, governativas e outras para que não estavam preparados, pode-se mesmo dizer que até não era factor a ter em conta.
    Creio que o problema não passa pela inexistência de massa cinzenta. Passa por a colocar onde faz falta.
    Abraço

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  6. Caro ANB,
    ... nada acrescento às suas palavras que valem por si e dizem exactamente o que aqui partilha... Obrigado!... resta-me agora, caro amigo, desejar-lhe um Feliz Ano Novo, cheiiinho de saúde, boa-disposição e sucessos.
    Um abraço harmonioso e amigo.

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  7. Caro Rodrigo,
    ... obrigado por ter colocado, tão justa eobjectivamente, o "dedo na ferida"!... passe o estrangeirismo, o nosso país está pejado dos chamados "erros de casting", retirados às redes de clientelismos medíocres e colocados em lugares-chave para a consolidação e o desenvolvimento do país! É uma pena porque, por essa forma de "pagamento de favores" pagamos todos e o próprio interesse nacional... atrever-me-ia mesmo a dizer que foi esta lógica que nos conduziu onde estamos e acrescento que é, também, disto que falo, quando refiro que a nossa República está contaminada pela lógica monárquica e os seus protagonistas nem sequer "piscam os os lhos" quando confrontados com esta inaceitável forma de gerir a "res publica".
    ... não, meu amigo, tem toda a razão: não nos falta massa cinzenta; o que nos falta, digo eu!, é a coragem de a requer e deixar actuar em conformidade com a inteligência, a razão e o conhecimento por receio de perda do controle do poder provinciano que grassa na sociedade e na política portuguesas.
    Um grande abraço, Rodrigo!... faça tudo por ter um 2011 muito feliz!

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