quarta-feira, 18 de março de 2009

As Crianças Ciganas e a Escola - dos Direitos à Realidade


Se um menino cigano pudesse acompanhar o que tem suscitado na sociedade portuguesa o caso das crianças da sua etnia que, numa dada escola do norte do país, aprendem num espaço segregado de duvidosas condições, ao abrigo de uma intervenção concertada pelos parceiros locais (DREN, Junta de Freguesia e Câmara Municipal) incipientemente justificada, talvez escrevesse uma carta ao país... imagino-a, mais ou menos, nestes termos:


"Senhores, eu gostava muito de gostar de andar à escola... dizem que lá se aprendem coisas importantes e eu gostava muito de saber tudo porque o mundo é muito grande e há tantas coisas diferentes que eu gostava de perceber! Tenho muita curiosidade sobre coisas simples como, por exemplo, saber de que são feitas as estrelas e compreender porque é que há pessoas que moram sempre no mesmo sítio e outras que andam de um lado para o outro... gostava, Senhores, que me deixassem fazer perguntas na escola para me ajudarem a encontrar respostas e, depois de ter percebido tanta coisa, talvez até gostasse de ser médico ou professor, enfermeiro ou engenheiro, político ou comerciante... eu gostava de ir à escola sem aborrecimento, sem medo e sem a pressa de me vir embora... gostava que os meus pais gostassem que eu fosse à escola e que os professores gostassem dos meus pais e, todos juntos, me ajudassem a aprender! Mas, não é assim... as pessoas parecem não gostar dos ciganos e eu não vejo mal nenhum em ser cigano... nós, os ciganos vivemos uns com os outros, temos famílias, danças, festas, problemas mas, somos amigos uns dos outros... tenho pena que os outros meninos e as outras pessoas não percebam isso... porque, às vezes, os meus pais nem percebem o que dizem os professores e têm que trabalhar na vida deles... falta-lhes tempo para pensar noutras coisas e como ninguém nos visita não têm maneira de falar com calma... eu acho que lhes falta calma, Senhores... a todos. Nós, os ciganos queremos continuar a ser ciganos e eu gostava de ensinar o que aprendo com o meu povo aos outros meninos... e gostava de aprender o que eles sabem... computadores e isso... mas, eles nem querem brincar comigo porque eu não conheço as marcas dos sapatos e das roupas, dos jogos e dos vídeos que eles têm em casa... Senhores, será que não podem aprender a falar uma língua que todos percebam?... porque os meus pais querem que eu tenha uma vida boa, trabalho, saúde, amigos... como vocês querem para os vossos filhos... é por isso que eu não percebo porque é que temos que estar longe uns dos outros e porque é que na escola ralham tanto e não nos deixam falar e brincar... se calhar eu não sei brincar como os outros meninos mas, podiamos aprender a brincar uns com os outros... Senhores, eu não gosto que me ralhem... ninguém gosta, pois não?... mas, eu gostava de gostar da escola..."...


Em Portugal, as representações sociais que a cultura dominante induziu na maioria das pessoas conduziu à identificação do povo cigano com práticas consideradas indesejadas: comportamentos, regras, valores e atitudes. Os estereótipos inculcados por gerações e gerações de cidadãos para quem os Ciganos foram sempre um grupo perseguido porque não integrado, vinculam a sociedade a uma forma de pensar a própria intervenção social como uma solução de recurso, sem efeitos de inclusão... é pena!... É pena e é urgente alterar a representação cultural da diversidade... e o maior trabalho a fazer contra o racismo e a xenofobia é trabalhar a coexistência social com a minoria mais antiga que se conhece entre nós. Efectivamente, o problema que agora veio a lume é apenas um sinal do quão mal resolvida está, entre nós, a questão do reconhecimento e da valorização da diferença e da efectiva igualdade de direitos e oportunidades para todos... por isso, apesar de haver formas previstas no ensino público para apoiar a população infanto-juvenil nómada e da existência de currículos escolares alternativos (nomeadamente, no âmbito das "necessidades educativas especiais" que não significam, ao contrário do que a maioria pensa, cuidados com crianças portadoras de deficiência mas, isso sim, com crianças que requerem um trabalho psicossocial apoiado personalizadamente em termos motivacionais, cognitivos e culturais), elas não são praticadas... contudo, ninguém avoca estes direitos, uns por desconhecimento e outros, por considerarem difícil a sua execução... opta-se assim por soluções precárias que libertam a consciência caridosa de uma pretensa igualdade, apenas nominal e simbólica... e todos recusam a efectiva discussão sobre as questões da integração e da inclusão social da etnia cigana, a investigação e a experimentação pedagógica de estratégias de ensino/aprendizagem adequadas à especificidade desta população que, mesmo quando objecto de intervenção social, é remetida para a continuidade segregacionista porque nunca é perspectivada como um caminho para a ascensão social dos agora meninos e, amanhã, homens e mulheres deste país... Poderei escrever mais sobre este assunto num outro momento, não sei ainda quando, mas, para já, fico por aqui, recordando as palavras de António Aleixo sobre a infância do mundo que só poderá ser ultrapassada quando desaparecer... "do mundo, a ignorância"!... Hoje, numa sociedade auto-proclamada "do conhecimento" continuamos a agir de forma paradoxal... para iludir as aparências!?

3 comentários:

  1. Ana Paula,

    Desculpe avisar assim mas a sua inbox da netcabo está cheia.
    Carlos

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  2. Obrigado pelo aviso, Carlos... só há pouco percebi mas, já eliminei ou guardei documentação de anexos que tornara o correio excedente.
    Ana Paula

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  3. Oi Ana!!! Sou Letícia Azevedo, adorei seu trabalho. Estou produzindo um projeto de pesquisa sobre a Educação dos Ciganos-Uma Educação inclusiva. Estou tendo dificuldades em encontrar material sobre o mesmo, o que justifica o descaso para com o povo cigano e a carência de produções sobre esta linhagem. Gostaria de saber mais sobre vc e suas especializações. Beijos.

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