"Tempos de Crise, Tempos de Fé
(...) A dimensão do Sagrado é, se assim podemos dizer, uma espécie de “tábua de salvação” para efeitos de protecção e justiça, quando a vivência quotidiana e os procedimentos humanos parecem insuficientes para satisfazer desejos e necessidades das pessoas. Compreende-se, por esta razão, que o crescimento da adesão religiosa a múltiplas formas de relacionamento com o que nos ultrapassa e transcende, aumente significativamente, em resultado do agravamento de situações económicas, sociais e, naturalmente, afectivas, cuja resposta não encontramos no mundo em que vivemos.
Contudo, apesar da proliferação de confissões religiosas acessíveis no mundo contemporâneo e da dimensão individual, do domínio do privado, em que radica a questão da Fé, a organização institucional da religiosidade assume um papel orientador dos valores e práticas dos seus fiéis que, muitas vezes, contraria os princípios em que assentam, social e politicamente, as sociedades… O facto é evidente, nas mais diversas religiões e nos mais variados espaços do planeta: veja-se o caso da perseguição à religião tibetana na China, o anti-semitismo contra os judeus, o fundamentalismo talibã, e um sem-número de exemplos que, perigosa e injustamente, associam crueldades e terrorismo a expressões religiosas. O fenómeno, racista e xenófobo, é um drama do mundo contemporâneo porque a dimensão pessoal e afectiva que, em si mesma, revela a Fé é manipulada por razões de influência política e social que desvirtuam o carácter benigno da catarse individual acessível a todos e transformam a religião em mecanismos de controle social que, quase sempre, desenvolvem atitudes de auto-defesa dos respectivos grupos de crentes, tornando-os instrumentos de juízos e práticas capazes de contrariar o fundamento universal em que radica o pressuposto religioso: a bondade dos seres humanos e o seu direito à felicidade e à paz.
Desta outra dimensão da religião, de carácter socio-político, resultam porém conflitos individuais e de grupo com expressão pública e efeitos que, ao invés de tornarem a Fé um meio de apaziguamento, lhe conferem o estatuto de agente dinâmico, resistente e reactivo face à diversidade social. (...)
(...) Tempos de Fé, Tempos de Crise?!"
(Excertos do meu artigo "Tempos de Crise, Tempos de Fé", a publicar na revista "Viver...", ed. Adraces, no trimestre Abril-Maio-Junho)
Ocupei-me algumas vezes em pensar se fazia algum sentido distinguir “hermeneus” de “hermeneia”. Talvez sim… Se recuasse no tempo pensaria “hermeneus” não como cadeira filosófica, mas auxiliar, ou seja, no fundo, seria o caminho a decorrer pela dimensão simbólica dos grandes textos que fundam a “comunidade”. Já no que diz respeito à “hermeneia” seria uma “techné” (não uma ciência), a qual permitiria a interpretação dos textos (inicialmente sagrados), criando a possibilidade de “comunidade”. Assim, talvez também por isto, tal como diz a: “(...) A dimensão do Sagrado é, se assim podemos dizer, uma espécie de “tábua de salvação” para efeitos de protecção e justiça, quando a vivência quotidiana e os procedimentos humanos parecem insuficientes para satisfazer desejos e necessidades das pessoas”. O problema, que volta a cada vez, diz respeito ao segunda momento da Reforma Protestante (quando Lutero “fez aparecer” uma hermenêutica do texto)… Obviamente, após estarem implementados o princípio da “literalidade”, o da fé e o da autonomia, imagino (ainda que não concorde) que a via que permita ultrapassar as dificuldades (aqui do “texto”) seja a relação da fé e também das partes com o todo… Por outro lado, não esquecendo que o Iluminismo “foi” ao princípio da Reforma Protestante tirar o princípio da fé o que é que ficou? Ficou a gramática, levando ao rápido desenvolvimento da hermenêutica e, permitindo haver no “espírito dos crentes” a necessidade de conhecer (gramática, linguística, etc.). De certo modo, esta “adaptação” deve ver-se como o texto que deve ser lido de tal modo que possa adaptar-se ao real… “Tivemos” na História o momento em que “seres humanos” decidiram tornar-se senhores do seu destino, aceitou-se de forma universal que o homem era autónomo, era tal e qual devia ser e, por isso, a exigência da autonomia separou o “poder temporal” do “espiritual”…E agora falamos de crise? “Fé”? O Que é a “Fé”? Também Abraão teve de suspender o estádio estético e ético para “alcançar” o da “Fé”…Se assim foi, então como diz: “Fé é manipulada por razões de influência política e social que desvirtuam o carácter benigno da catarse individual acessível a todos e transformam a religião em mecanismos de controle social que, quase sempre, desenvolvem atitudes de auto-defesa dos respectivos grupos de crentes, tornando-os instrumentos de juízos e práticas capazes de contrariar o fundamento universal em que radica o pressuposto religioso: a bondade dos seres humanos e o seu direito à felicidade e à paz”. Enfim, pequenas considerações quando li o seu “post”… Estamos num paradoxo….
ResponderEliminarObrigado pela reflexão, Jeune Dame de Jazz... e, em particular, pela sua fundamentação... obrigado também por criar espaço para que possa enunciar o que segue: é o paradoxo que configura a consciência da responsabilidade... do ser, do pensar, do agir... e do dizer! Um abraço.
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