A economia é hoje, felizmente!, tema de renovada discussão, a propósito da tentativa de contenção dos custos provocados pela crise financeira. Da intervenção estatal no sistema bancário à sua nacionalização e do congelamento dos prémios e comissões à elevada tributação dos salários situados em patamares verdadeiramente indefensáveis em contextos democráticos cuja ideologia promove a equidade e a igualdade social, as conhecidas economias neoliberais, dos EUA à UE, recorreram a estes procedimentos, justificando a re-leitura de Marx e a tentativa de revisão crítica das teorias económicas que dominaram o final do século XX e a sua transição para o século XXI. Do então anunciado fim da história (leia-se o texto de JM Correia Pinto no Politeia) às recentes medidas norte-americanas (leia-se o artigo de Philippe Frémeaux na revista Alternatives Economiques), o problema mantém-se no domínio da tentativa de colmatar brechas no sistema, como se fosse possível um retorno ao passado recente ainda perspectivado como padrão de normalidade... Acontece porém que os efeitos da conjuntura económica em curso revelam impactos de natureza estrutural que não serão absorvidos pelo modelo de mercado de trabalho de onde emergiram. Na realidade, o problema é mais grave do que tem sido apresentado, não só porque a crise global redinamizou, gravosamente, as fragilidades e crises nacionais mas, porque revelou a destituição de competências dos mecanismos político-financeiros no que respeita à construção de respostas adequadas e eficazes... Porque não se trata apenas de salvar o sistema financeiro e proteger os fluxos económicos... trata-se de responder a uma profunda crise social que, para além da nossa representação social dos quotidianos, se aproxima, a passos largos, de uma realidade que apenas conhecemos da ficção, onde o crescimento exponencial de excluídos é proporcional à consolidação da minoria dominante... o facto resulta do exercício centralizador do poder económico que a globalização fomenta e justifica e da inerente diminuição de custos da sua gestão que, para cumprir o seu objectivo compensatório e lucrativo, recorrerá cada vez mais à disponibilização da contratação... consequentemente, emprego e trabalho tendem a diminuir, sem alternativas compensatórias capazes de resolver o cada vez maior problema do desemprego... Só a revitalização dos processos produtivos e da distribuição da riqueza pode responder à grave crise social que se abateu sobre os cidadãos norte-americanos e europeus, da qual a consciência cívica é, por enquanto, extraordinariamente débil porque o impacto da crise ainda se não fez sentir declaradamente entre os consumidores e porque, por ora, a mensagem política das oposições se reduz às culpabilizações governamentais, não só como estratégia de ascensão ao poder mas, também, como forma de conveniente desresponsabilização já que as suas propostas não denotam sustentabilidade que justifique a confiança do eleitorado. Neste sentido, a dimensão política da crise é, ela própria, um problema para a credibilidade democrática nomeadamente por denotar uma reprodução das condições para a indistinção entre as formas de actuação do poder e da oposição... Pensar a crise implica repensar o seu enunciado: ao contrário do que nos é dado pensar, não são as vertentes económico-financeiras o âmago da questão mas, sim, as vertentes social e política relativamente às quais as anteriores devem ser definidas... persistir em não assumir esta realidade como enfoque de partida não nos permitirá sair da simples especulação.
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