segunda-feira, 16 de março de 2009

Memória, Identidade e Futuro - o caso da Guerra Civil de Espanha...


A Memória é hoje reconhecida como dimensão inalienável do Património, depois de décadas e décadas de uma redutora atribuição da dimensão patrimonial à materialidade arqueológica, histórica, arquitectónica e etnográfica. Esse reconhecimento, gratificante e precioso para a explicação e compreensão da História da Humanidade, permitiu aliás que a História, a Sociedade e a Cultura Contemporâneas voltassem a sua atenção não para um passado estático, conhecido apenas através de fontes documentais ou de vestígios materiais mas, para a própria investigação do tempo presente, onde as vivências são dotadas de uma riqueza dinâmica, alheada desse complexo distanciamento que a manipulação interpretativa da documentação ou do próprio património edificado arrasta, em maior proporção do que seria desejável para a aproximação à realidade que toda a ciência busca, na ânsia do conhecimento e da verdade... foi essa a grande revolução das Ciências Sociais que, no nosso país e por muitos territórios deste mundo que habitamos, é ainda, perdoe-se a expressão, "parente menor" do reconhecimento institucional e público, dado o seu incipiente e tantas vezes retórico uso... Vem este texto a propósito do justo texto de João Tunes que, no Água Lisa, refere a minha "complacência" para com a sociedade espanhola, quando afirmei a persistência de "nuestros hermanos" na resistência ao branqueamento da Guerra Civil de Espanha... Tem toda a razão, caro João Tunes, quando afirma que essa minha referência é excessivamente generalista e oblitera uma parte importante da relação do povo e do Estado espanhol com este período da sua História. Na verdade, como bem descreve no seu texto, foi necessária a promulgação legislativa para que fosse incontestável o reconhecimento dessa verdade capaz de reduzir o "negacionismo" ou "relativismo" latente e subjacente que muitos faziam questão de invocar, a pura intencionalidade ideológica "contra los rojos" e que, ao longo de décadas, prolongou pela Democracia a tentativa branqueadora de uma Memória Social e Colectiva, dando forma à construção de um negligente esquecimento que, presumo!, contaria com a minimização dos efeitos que o tempo e a ideologia dominante tendem a produzir... ora, estimado João Tunes, foi exactamente por me ser profundamente dolorosa e sentida a profunda injustiça que, a ter sido assim, se cometeria contra todos os que lutaram, viveram, morreram e sobreviveram que me tem sido tão grato o processo de reabilitação da verdade em que, entre muitos outros, Baltazar Garzón investiu, ao decidir, judicialmente, prosseguir as investigações relativamente aos mortos e desaparecidos da Guerra Civil de Espanha... porque, finalmente, foi concedido à Memória o seu lugar no reconhecimento, na valorização e na integração no conceito de Património considerado como parte única, imaterial e multifacetada (porque susceptível de múltiplas variações -tantas quantas os sujeitos que a convocam!) do Legado social, cultural e político que, ainda, em muito, configura a sociedade espanhola... Porque, para além de todos os franquistas e colaboracionistas, há um povo, uma sociedade e milhões de pessoas que, além dos mortos, trazem também na memória e na experiência de vida, os efeitos de uma guerra que legitima o sentimento de revolta de muitos dos que, do alto da sua idade, dizem, referindo-se ao fascismo: "eles estão aí... eu conheço-os... sei como é que tudo se passou..."... a questão, estimado amigo, é que, quem tentou branquear a História estava próximo do poder, enquanto aqueles que a sentiram como perseguição, execução, sofrimento, fome, fuga, exílio e morte, estavam, maioritariamente, entre os que menos acesso têm ao poder... e esses, são "nuestros hermanos", os "nuestros hermanos" que finalmente assistem ao reconhecimento do seu justo sentimento de injustiçados! Este é um tema que me apaixona... e, se aqui acabo este texto, é apenas para que se não torne excessivo... contudo, não posso deixar de lhe agradecer o contributo que deu para o conhecimento, entre nós, dessa História real mal-contada pelos Manuais e que a Memória retém viva, que, também me permitiu enunciar o que aqui escrevo... Pelo futuro, pelo passado e pelo presente, permitam-me ainda evocar o nome feliz desse movimento que, em Portugal, se tenta afirmar e que merece um apoio sério e credível: "Não Apaguem a Memória"!

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