terça-feira, 10 de agosto de 2010

Ainda sobre as Violências...



Ontem, num espaço público, uma jovem mãe queixava-se a uma mulher mais velha que o seu filho, em idade escolar, fora ameaçado, via sms, por um colega, de "levar um tiro"... e dizia:"Já viu isto?... agora resolvem tudo assim... com aquela idade, o que lhe havia de dar para dizer!?"... volto, por isso, de novo, à questão das violências... no plural, sim! No plural porque os seus rostos são diversos e, como tal, a sua compreensão como fenómeno não se esgota no seu entendimento singular enquanto resposta agressiva a um estímulo, interno ou externo, que pode contribuir para permitir a análise dos fenómenos de violência social infantil, juvenil, doméstica, de grupo ou de género e até de violência política...


A título de preâmbulo, lembremos a natureza guerreira e masculina das culturas e sociedades que, nos respectivos processos históricos, permitem compreender as ideologias e sistemas de crenças, valores e juízos que subjazem, não só aos comportamentos mas, logo à partida, aos respectivos aparelhos políticos, religiosos, educativos e judiciais - dimensão relevante para a percepção e análise dos

fenómenos de guerra e luta pelo poder de que podemos evocar como exemplos mais e menos recentes mas, paradigmáticos: Israel, Afeganistão, Iraque ou ex-Jugoslávia e em que se podem integrar, ainda que como diferentes graus de expressão, as guerrilhas indonésias contra Timor, as FARC, os movimentos na Guiné-Bissau, a actuação das ditaduras africanas ou a tensão entre as Coreias... Contudo, a propósito dos rostos sociais da violência que têm marcado a percepção e análise do fenómeno designadamente no espaço europeu e, naturalmente!, em Portugal, quero apenas fazer algumas observações que consubstanciam a incidência da relação entre estes fenómenos e a cultura em que assenta o apelo à intervenção política e à educação... porém, cumpre-me ainda apresentar uma ressalva prévia que se resume à seguinte observação: não se pode considerar que, de forma absoluta, a violência exclua os afectos porque, quer se trate de violência física ou psicológica, o que está em causa é o conjunto de auto-representações e de representações relacionais dos indivíduos e das respectivas capacidades de expressão ... de forma breve, anoto: 1- a sociedade dos afectos é relativamente recente, tendo sido acentuada com o final da IIª GGM e algumas das suas decorrências, nomeadamente, a proclamação dos Direitos Humanos, da Criança e o desenvolvimento das Ciências Sociais e Médicas; 2- a violência e a austeridade, em particular a que seria denotável em contextos familiares e sociais anteriores ao referido em 1, não implicava a anulação dos afectos, se pensarmos que estes e as suas formas de expressão decorrem de auto-representações configuradas socio-culturalmente; 3- a realidade da continuidade dos comportamentos e da discrepância do seu ritmo de alterações relativamente ao das mudanças socio-políticas prolonga até aos dias de hoje a realidade referida no ponto anterior; 4- o que está em causa é a questão das representações sociais de afectos e violências que configura o quadro mental contemporâneo no âmbito do conhecimento público sobre o desenvolvimento dos indivíduos e a problemática da coexistência social numa sociedade e numa cultura valorizadora dos direitos; 5- a dinâmica socio-cultural da mudança que o referido anteriormente implica, torna emergente a problemática da coexistência de micro-realidades distintas em que é necessário intervir adequadamente; 6- há uma pedagogia cívica configurada politicamente que urge desenvolver garantindo a articulação concertada da Educação, da Justiça, da comunicação social e do apoio médico especializado contextualizado interdisciplinarmente e que implica mais trabalho no terreno do que a simples divulgação de slogans e dados estatísticos uma vez que só a mudança efectiva das práticas socio-culturais pode criar o exemplo que cidadãos e crianças podem assimilar e reproduzir.

6 comentários:

  1. Ana Paula Fitas

    Merecia ser tese. Merece ser tese. È tese. Que se abra a discussão...
    É um tema que não me larga e que a minha cara amiga acaba por me impor na agenda. Para já, vou chamar a atenção dos "meus" professores para este seu texto.

    Boa?

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  2. Rogério :)
    ... que palavras tão bonitas... gratificantes!... ainda bem que vamos sendo mais e mais nesta caminhada, esforçada!, pela paz :)
    Grande abraço

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  3. Cara Ana Paula Fitas :)
    Excelente... Adorei...
    No seu blogue prevalece a tranquilidade inerente à partilha de ideias importantes com o significado de investimento e dedicação gratuitas, impelindo à solidariedade com pessoas (des)conhecidas que se confrontam e se valorizam a si próprias reconhecendo a verdadeira dimensão dos resultados e estimulando-se a utilizar as próprias competências numa comunicação dita "afectiva".
    Com muita admiração pela forma como (re)cria os seus textos, aceite um abraço muito afectuoso, datado de 1895, deixando aflorar à consciência desnudada o modo como se vislumbram os afectos bastante comuns no percurso desenvolvimentista de todos nós.
    Com muito sol e mar :))
    Ana Brito

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  4. Cara Ana Brito :)
    ... quem agradece sou eu as palavras tão calorosas e amigas... muito, muito obrigado!
    Um grande abraço amigo e muito, muito mar :)

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  5. Gostei muito. Nem podia deixar de ser.
    Creio, porém, poder enfatizar as transformações sócio-económicas e o acentuar das desigualdades, como raízes da violência social; assim como, a banalização desta, incutida através de protótipos culturais e recreativos que, maquinalmente, os jovens assimilam e os mimetismos replicam. É um estilo de vida de jovem que, se não corrigido, contamina a idade adulta e os comportamentos sociais futuros.
    Um abraço amigo e de grande admiração!

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  6. Carlos,
    Tem toda a razão... aliás, resisti a não dar o enfoque principal nas questões socio-económicas e da desigualdade para me não dispersar e acabar por não destacar a vertente que apresentei... por isso, agradeço muito que aqui o relembre e que sintetize tão bem o modo como como a vivência juvenil compromete a acção social, individual e colectiva, no futuro. Obrigado pelas suas palavras... Com reciprocidade amiga, fica o meu abraço reconhecido e sincero!

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