sábado, 21 de agosto de 2010

Educação, Escolarização e Desenvolvimento (1)


Muito se tem escrito sobre Educação ou melhor, sobre o sistema de ensino e as suas condições logísticas... porque, de facto, sobre Educação e sobre a qualidade do ensino muito pouco se tem dito (rara excepção para a professora Maria do Carmo Vieira). Sobre o encerramento das escolas gostaria de deixar um pequeno preâmbulo: não é verdade que todas as escolas para onde vão ser transferidas as pequenas crianças que frequentam as 700 que vão encerrar sejam tão boas como se tem tentado fazer crer; não é verdade que as escolas por serem pequenas e terem poucas crianças sejam necessariamente deficitárias em competências educativas e sociais; não é verdade que seja melhor para as crianças ficarem longe da família e do seu espaço de socialização durante um longo período por dia; não é verdade que o anterior encerramento de cerca de 2.000 escolas tenha provado que as crianças têm melhores resultados ou que são mais felizes!... Não é verdade! Ponto! Daí que não seja, também!, verdadeiro, o argumento das razões pedagógicas como fundamento da medida que, a 3 semanas da abertura do ano lectivo, foi anunciada e que a qualidade de ensino seja, de facto, o cerne da questão e a principal preocupação do Ministério da Educação. Partindo destes considerandos, vale a pena registar outras tantas dimensões "a jusante" do problema: a) o desenraizamento social das crianças é um problema socio-cognitivo a que deve atender o desenvolvimento infantil, bem como o reconhecimendo da importância da sua dimensão cultural - que se não mede ou esgota no número de contactos interpessoais ou na quantidade de recursos materiais; b) a dimensão, afectiva, da segurança e da confiança são essenciais para o sucesso educativo, sendo reconhecido o facto de serem crianças desenraizadas as que mais facilmente crescem disfuncionalmente; c) o incontornável impacto socio-territorial desta medida, incentivará o êxodo rural, aumentará a densidade populacional das cidades e, atendendo às dinâmicas de desemprego e empobrecimento das populações, contribuirá para o aumento da pobreza e da violência social; d) a criação de melhores condições pedagógicas nos locais onde vão encerrar as escolas com o melhoramento de ATL's, actividades extra-curriculares e equipas interdisciplinares em articulação com as juntas de freguesia, as sociedades recreativas, as famílias e o apoio ao incentivo de projectos financiados para a criação de emprego contribuiria para diminuir o desemprego, contrariar a desertificação e contribuir para a criação de cidadãos com mais competências para integrarem, de forma útil, saudável e qualificada, a sociedade em que vivem. A terminar o primeiro post sobre o tema deixo um testemunho dos problemas que esta medida está já a provocar (in AL-TEJO) e, a título de introdução do post seguinte, um outro testemunho (in Quanto Tempo Tem o Tempo?).

10 comentários:

  1. De facto Ana Paula, já li várias das questões aqui afloradas e concordo absolutamente com o que publicou. Vivemos num país onde a mentira é sistemática e a sensação de náusea é algo com que temos que viver.
    Obrigada pela exposição do assunto de uma forma tão esclarecedora.
    Bj,
    Manuela

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  2. Parabéns pelo artigo.
    Foi com base, um pouco, na minha experiência de 18 anos(não é muita, mas já deu para ver alguma coisa) que eu escrevi aquele texto, colocado ontem, no meu blogue. Haverá com certeza tanto, mas tanto para dizer sobre este assunto, que a "novela" poderia dar uma série interminável.
    O facto das crianças irem para uma escola fora da sua terra, da sua freguesia(também acontece)é desolador.
    É como diz a Ana Paula no seu texto, não se criam raízes. Os afectos e tudo o que devia ligar a criança a um espaço social e emocional que lhe diz muito mais do que a terra ao lado, acaba por se desvanecer. Daqui uns anos, seria interessante alguém fazer um estudo sobre isto....
    Depois, querem que estejamos ao nível de uma Finlândia!!! Assim?!... Jamais de la vie!

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  3. Olá Manuela :)
    Obrigado pela boa partilha desta reflexão.
    É lamentável que, cientes da crise e dos problemas sociais contemporâneos, se assumam como opções o que mais contribui para os agravar.
    Um bj

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  4. Minha cara amiga :)
    sou eu que agradeço o excelente post para que aqui fiz link... a experiência de quem está no terreno é fundamental para que a opinião pública compreenda a verdade dos factos e a sua dimensão... 18 anos, minha amiga, confere-lhe toda a autoridade na matéria :)
    Obrigado pelas suas boas palavras :)
    Um abraço amigo e solidário.

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  5. Cara Ana Paula Fitas
    Fiz um comentário ao seu post que reflecte 30 anos de experiência e mais de uma dezena de artigos publicados sobre Educação ao longo da vida. Não consegui enviá-lo por excesso de caracteres... e fazer um comentário à medida de uma "caixa de comentários" é amputar a minha visão como investigadora na área.
    Fica, assim, a justificação e a solidariedade com os assuntos que postou, matéria muito complexa... mas não me posso ficar por meias palavras face às funções que exerço. Espero que compreenda!
    Um abraço amigo e solidário :)
    Ana Brito

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  6. Estou cansada- a praia cansa tanto- mas mesmo assim não pude de deixar de dizer algo sobre a matéria.
    Paula, tudo quanto dizes vem na sequência de matérias deliberadas anterirmente a conta gotas até a machadada final do ensino público português. Os sindicatos há muito v~em avisado para a questão e, num futuro já «amanhã», o que está predestinado é a privatização do ensino , tal como saúde.
    No entanto e enquanto professora constato que existe uma grande falta de identidade entre nós--- temos pessoas com diferentes formações, diferentes perspectivas e outras ainda sem qualquer perspectiva. seguem cordeiramente tudo
    Mea culpa também. a culpa , neste caso, não morre solteira, é minha , é dos meus colegas e dos nossos representantes sindicais- a este propósito ando a pensar seriamente entregar o cartão. Com efeito, e custa -me muito dizê-lo, parece que o que os professores não querem mesmo é serem avaliados n, nem ninguém dentro de suas aulas. Aí vimos todos para arua gritar. Em contrapartida contra todas as aberrações de que temos sido alvo não se ouvem os holofotes. A escola está moribunda e os professores nada ensinam, mas ainda assim alguns a tudo se prestam , estou a lembrar-me do caso das escolas agrupadas, onde poderás ver professores,na componente não lectiva, a dar água aos meninos do 1º ciclo ou entretê-los na fila para refeitório... pode haver maior anormalidade?? não está em causa qq pedantismo ou menosprezo pelas referidas tarefas, antes o papel a que nos deixámos reduzir... e a culpa é todinha nossa

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  7. Cara Ana Brito,
    O problema é de facto complexo e compreendo que tenha muito a dizer, dada a experiência e a reflexão de tanto tempo... é pena que o comentário não tenha seguido uma vez que as caixas de comentários têm limite de caracteres (presumo!)... de qualquer modo, se quiser, pode sempre tentar dar contributos que considerar adequados à discussão...
    Abraço amigo :)

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  8. Olá Isabel :)
    Obrigado!... pela honestidade, a frontalidade e a descrição de um sentir sem reservas sobre o caos do ensino/aprendizagem que se vive nas escolas e que pouco dignifica a instituição - ou melhor, que a dissocia de facto da Educação...
    Bj

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  9. Entendo que a função de professor é de ensinar, no que respeita a logística e outras coisas mais deve haver alguém mais vocacionado para isso. Não vamos querer tocar sete instrumentos e depois acabamos por não saber tocar nenhum. Dá-me a impressão que o grande problema não passa pela deslocação das crianças mas sim dos professores. Qualquer mudança, em princípio, origina desconforto e as pessoas estão habituadas a que nada mude.
    Se não mudarem na pré-primária e no primeiro ciclo quando passarem para o segundo têm de sair da sua terra e irem para as sedes dos concelhos que é onde eles existem. Nesta idade é que começam a ter entendimento e aí é que podem optar um dia mudar de terra mas aí quem deve olhar por esses problemas deve ser os autarcas e há os que são favor que as escolas com menos de vinte e um alunos devem fechar.
    Sou avô, tenho dois netos, um frequentar o pré-primário e outro o primário, as escolas que frequentam são as mesmas que frequentaram os seus avós e pais, sem condições higiénicas, climáticas, recreativas e desportivas. O novo estabelecimento de ensino vai comportar todo o ensino, pré-primário e primário, se forem perguntar aos professores de certeza que dizem que antes preferiam estar nas antigas. É como disse as mudanças a muitos geram desconforto. Depois não há uma medida da Ministra, seja esta ou Lurdes Rodrigues, que não seja contestada pelos sindicatos e seus associados se for no privado aceitam tudo. O que escrevo não é agradável para a classe de professores mas mesmo assim arrisco a ser criticado se não insultado.

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  10. Caro Manuel Pacheco,
    Compreendo a sua interpretação mas, se me permite, penso que peca por excesso de linearidade... tentarei,no post publicado com o nº2, contribuir para esta reflexºao partilhada.
    Um abraço.

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