quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Da Lei e das Regras no Estado de Direito

Os portugueses precisam de encontrar bodes expiatórios para canalizar as razões do descontentamento social... só assim pode ser entendida a insistência num episódio que, ignorando o cumprimento das regras da Justiça e do Direito, continua a ser alimentado pelos que consideram ser o dedo acusatório da suspeição e da desconfiança a forma de corrigir o que, no país, pode ser melhorado política e institucionalmente.
Para quem recusa perceber que a convicção gratuita se pode aproximar da insistência obsessiva que, em muitos locais do mundo, é suficiente para condenar à morte, vale a pena lembrar alguns depoimentos tecnicamente prestigiados e insuspeitos de Maria José Morgado, António Garcia Pereira, Marinho Pinto, Pedro Soares de Albergaria e Proença de Carvalho:

As denúncias gratuitas que permitiram à Inquisição e ao Estado Novo perseguir impunemente os cidadãos não se afastam muito do clima persecutório para onde estão a tentar conduzir a Justiça e o bom-nome das instituições em que assenta o Estado de Direito... e quem, num regime democrático que permite o diálogo sobre a mudança das suas regras, troca o rigor da Lei e da Prova pelo boato, a opinião e a impressão não comprovada, das duas, uma: ou não compreende o precedente que deixa em aberto ou visa intencionalmente desacreditar esse regime democrático e o respectivo Estado de Direito.

11 comentários:

  1. Cara Ana Paula Fitas
    Alude, e muito bem, a Ana Paula, no seu texto,
    às figuras "bode expiatório" e "boato".
    Os portugueses, em sentido literal, estão a adorar viver uma situação que, historicamente, designa o bode que, por desígnio da personagem bíblica Aarão, carrega com todos os "pecados" do seu povo e por isso deve ser sacrificado a "Deus". Se pensarmos em sentido figurado, vive-se um caso que representa alguém que terá de suportar as consequências dos erros ou "pecados" dos outros e expiá-los ainda que inocente.
    De certa forma, este expediente permite, em muitos casos, que o verdadeiro culpado se liberte do sentimento de culpa e é frequente que os autores do “mal” não sejam descobertos encontrando-se para tomar o seu lugar alguém que não se pode defender. A hostilidade que é suscitada nasce de uma espécie de ciúme, de perversão e de irresponsabilidade. Admira-se que o "herói" não se preocupe com as intermitências correntes.
    Assim, também, o boato é notícia que passa de boca em boca e enquanto é propagado vai mudando de conteúdo e, muitas vezes, quem o difunde não se lembra sequer de quem o ouviu ou acha as suas fontes a não passar de um "diz-se" e, assim, certos boatos não vão além de um restrito âmbito, outros propagam-se através de um país inteiro, sobretudo quando põem em causa personalidades conhecidas da vida mundana, política ou cultural. Há sempre bastantes zonas de sombra em torno do poder para darem margem à circulação dos boatos utilizados como arma política contra um adversário, embora se incorra no risco de a ver voltar-se contra quem lhe deu origem.
    A evidente deslealdade do processo e os riscos que faz correr a quem o emprega devem levar a que não se acredite, por princípio, no boato de que não se pode verificar a legitimidade.
    Por outro lado, a imaginação engrandece ou encurta “gigantes” convertidos em “anões”, ou vice-versa, já para não falar da possibilidade de "anjos" combinados com formas humanas e com as de´pássaros que são as ideias e as teias a voar desequilibradamente. Pode muito bem acontecer que estes “sonhos” em estado desperto assumam tão grande "presença" que a diferença entre a realidade e os fantasmas seja abolida. A imaginação ultrapassa a realidade quando é associada a um jogo de todo injustificado, mas que parece constituir fonte de prazer na medida em que cria livremente um “espaço lúdico” que lhe é próprio e que alimenta, desmesuradamente, abordagens de experiências passadas que não queremos ver repetidas, uma vez conquistado um Estado de Direito e um respeito pela Lei e pelo Direito – “checks and balances” do qual não podemos abrir mão sob pena de penalizarmos a nossa jovem Democracia.
    Um Grande Abraço comprometido com sol e mar :)
    Ana Brito

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  2. Cara Ana Brito :)
    Muito feliz e elucidativa esta motivação cultural religiosa que funciona como sustentáculo desta nacional forma de estar... hoje, Adelino Maltez lançou um desafio interessante às Escolas de Direito em Portugal: o de, através de concurso público, proporem novas regras para a regulação do Ministério Público :)
    Grande Abraço com votos de que mantenha no climax esse valioso compromisso que ainda podemos ter com o sol e o mar :)

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  3. Cara Ana Paula,

    Assino por baixo. Apenas um alerta a uma lacuna importante no seu texto. O papel da imprensa. Um pequeno exemplo. Hoje a RTP 1 opta por não ouvir um dos seus elencados técnicos, que por acaso até é bastonário da Ordem de Advogados e dá tempo da antena a alguém que vai aparecendo com uma insistencia incompreensivel, não passando de um ex-bastonário, no lugar onde devia estar o seu...bastonário.
    São lamentáveis as suas declarações de hoje (que pena que tenha o meu nome...)

    Abraço

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  4. Caro Rogério,
    Tem toda a razão... também reparei e, como o Rogério, não acredito em coincidências - tanto mais que se queriam tanto ouvir o seu homónimo, o poderiam ter feito sem que isso anulasse a presença do Bastonário da Ordem dos Advogados, Marinho Pinto...
    Abraço :)

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  5. Olá minha querida Amiga :-)
    Em primeiro lugar espero muito sinceramente que estejas melhor, até pk em Setembro quero ver-te no Alandroal ( mas isso é para falar mais tarde :-))
    Realmente não sei que mais esperar ou pensar deste país! A justiça é aquilo que se vê, a educação vai de mal a pior, a Saúde está um caos... enfim, "Ai Portugal, Portugal..." Concordo plenamente contigo...
    Em relação ao Alandroal, não se fechou a porta, mas a realidade é que, e para já ficamos na mesma :-( !!! Poderás saber mais em: http://www.cm-alandroal.pt/pt/conteudos/noticias/Comunicado.htm
    Vê se entras em contacto comigo, tenho uma série de coisas para te contar :-)
    Aquele Abraço Alentejano cheio de calor mas também de esperança :-))
    Beijinhos
    Beatriz

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  6. Cara Ana Paula,
    Há dias escrevi isto:
    Talvez um dia conheçamos as verdadeiras motivações para tamanhos ódios e absoluta confissão de falta de isenção dos Srs. Procuradores que colocaram nos jornais, depois de terem encerrado o Processo, as perguntas que dizem agora queriam ter colocado a Sócrates e que durante dois anos da sua "direcção" não se lembraram de concretizar.
    Trata-se da forma mais vil, mais premeditada e anti-democrática de tratar qualquer cidadão, retirando-lhe a possibilidade de se defender.
    Isto é anti-constitucional, isto é contra qualquer ideia básica sobre a presunção de inocência e tem os contornos de um verdadeiro auto-de-fé medieval!
    Pobre país que suporta esta classe de magistrados!

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  7. Uma vez mais, totalmente de acordo com o seu post, Ana Paula.
    gostaria apenas de acrescentar que esse clima persecutórioa, alimentado por alguma comunicação social, opinion makers e os blogs do costume a que João Galamba há dias fazia referência encontra cada vez menos eco no povo português, como revela esta sondagem de hoje:

    "Uma sondagem Expresso/SIC/ RR/ Eurosondagem revela que a decisão do Ministério Público de excluir José Sócrates da acusação do processo Freeport é aceite por mais de metade dos inquiridos ( 60%)
    Consensual é a convicção de que a Justiça poderia ter encerrado este caso mais cedo: são mais de 80% os inquiridos na sondagem que pensam isso. E são ainda mais (86%) os que defendem que se estabeleça um prazo-limite para a conclusão de uma investigação".
    Claro que aos blogs do costume isto não interessa nada. Escrevem, normalmente, depois de almoços com o PPC e de acordo com as instruções/sugestões que aí lhes são dadas.
    Abraço e bom fds

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  8. Caro MFerrer,
    Só posso subscrever as suas afirmações e reiterar que é inaceitável esta forma de pensar e usar a Justiça em democracia tal como o Ferrer regista e bem ao lembrar o carácter anti-constitucional de tal actuação.
    Abraço.

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  9. Carlos,
    Sou eu que agradeço a "achega" que aqui regista e que denota a capacidade com que os portugueses vão reagindo aos ataques gratuitos, cegos e aborrecidos com que vão instilando veneno no regime democrático à luz de convicções ou instruções ingeridas e digeridas em refeições indigestas para o comum dos cidadãos de boa-fé...
    Grande abraço e excelente fds.

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  10. Proença de Carvalho é o advogado de Sácrates, mas ainda vá que não vá, mas essa de chamar prestigiado ao Marinho Pinto é forte. Muiti forte, APF.

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  11. Cara Ana Trigo,
    O prestígio é relativo como a verdade e todo o juízo... por isso, reconhecendo que muitos podem não concordar com o qualificativo, junto-me aos que admiram a coragem de desafiar os corporativismos e sim, considero que o papel de Marinho Pinto como Bastonário da Ordem dos Advogados dignifica a profissão num regime democrático.
    Obrigado pelo seu comentário.

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