domingo, 24 de outubro de 2010

Pensar a Igualdade e a Revisão Constitucional...


Através do link disponível no post publicado no A Carta a Garcia, acedi ao Projecto de Revisão Constitucional do PS e li a proposta de reformulação redactorial do artigo 13º da CRP cujo ponto 2 passo a transcrever,:
"(...) 2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, género, etnia, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.(...)".

A questão, importante por definir os princípios da igualdade que configuram o Estado de Direito democrático, protegendo os cidadãos de práticas discriminatórias, merece alguma reflexão conceptual designadamente porque, no século XXI, face à mudança social e ao reconhecimento sectorial de definições e práticas recorrentes, é indispensável que integre com justeza a referência explícita às principais causas de discriminação que podem, de forma indirecta, legitimar algumas das desigualdades sociais que o próprio espírito da lei se propõe combater.

Neste contexto é de destacar a cumulatividade dos conceitos, esclarecendo: a) na medida em que o género é uma unidade discursiva que integra as relações de dominação entre grupos sexuais no espaço público ou privado como é o caso da violência doméstica (que se refere a violência sobre conjuges, relações parentais e idosos), do assédio ou da violência homossexual poderá considerar-se uma redundância na medida em que os factores activos que a constituem como variáveis são também enunciados no texto de forma explícita, a saber: sexo, ascendência e orientação sexual; b) na medida em que o conceito de "ascendência" é, em si próprio, alargado e dotado de uma adequação material plástica, a redundância persiste na enunciação de questões como: território de origem, situação económica, condição social.

Compreendendo as razões em que assenta o propósito desta proposta de revisão do artigo 13º da CRP e concordando com a manutenção do conceito de "ascendência" (cujo campo de interpretação se prolonga desde o território de origem, à prevalência das origens familiares ou da condição socio-económica), penso que não referir explicitamente os conceitos de "idade" e "deficiência" se constitui como inconsistência num tempo em que, por exemplo, se verifica o aumento da idade de reforma no âmbito de uma lógica de mercado assente na flexibilidade e na mobilidade e em que os preconceitos relativamente à imagem adquiriram o estatuto de dimensão invisível de avaliação.
Por esta razão, seria pertinente a manutenção de um enunciar objectivo dos factores estruturais em que assentam as discriminações que põem em causa a igualdade, que considero terem sido correctamente definidos na Decisão do Conselho e do Parlamento Europeu nº771/2006/CE que instituiu 2007 como Ano Europeu da Igualdade de Oportunidades para Todos. Refiro-me às discriminações em função do sexo, da idade, da etnia, da deficiência, da orientação sexual, das religiões e crenças. Contudo, para aperfeiçoar a legislação na matéria e atendendo à especificidade da realidade nacional e ao actual texto da Constituição da República Portuguesa, vale a pena sublinhar que, relativamente à Decisão 771/2006/CE do Conselho e do Parlamento, para além das questões já enunciadas sobre as referências ao sexo, idade e deficiência, poderiam ainda ser alvo de atenção as seguintes observações: a) substituição do termo "religião" pelo seu plural: "religiões"; b) persistência no uso da expressão: "convicções políticas ou ideológicas" cujo âmbito conceptual é significativamente mais adequado do que o termo da Decisão em epígrafe "crenças"; c) substituição do termo "instrução" por "qualificação".

A este propósito e porque a jurisprudência concorre para a clarificação dos conceitos consagrados em sede de CRP, lembremo-nos que existe, em Portugal, legislação específica e complementar sobre a matéria em causa, da qual vale a pena salientar, no âmbito do Direito Penal, a que se refere à violência sexual, violência doméstica e crimes de ódio e, no âmbito do Código do Trabalho, a que, nos seus artigos 22º e 23º, se refere à discriminação etária.

1 comentário:

  1. Daqui se prova que o fabrico das leis não pode ficar entregue apenas a técnicos de factos e a visões de um real que eles imaginam que existe plasmado nos códigos. Obrigado um abraço.

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