terça-feira, 31 de março de 2009

Aproximações Institucionais à Realidade num Estado Democrático

Não são motivos de regozijo, naturalmente... mas são, isso sim, indicadores de uma aproximação à realidade de um Estado democrático onde, no final da 1ª década do século XXI, não seria admissível, a pura especulação demagógica e o marketing ilusionista da sociedade de consumo, designadamente, dadas as conquistas cívicas do século XX no designado mundo ocidental que integra já, além da velha Europa e dos EUA, a Rússia e todos os que fizeram parte da antiga Europa de Leste. Refiro-me a três acontecimentos que hoje foram notícia no nosso país e que resultaram de atitudes públicas assumidas por personalidades que simbolizam sectores institucionais: a) o comunicado emitido pelo PGR que, sublinhando a constitucionalidade da ordem democrática, emite sinais claros de não disponibilidade para pactuar com "golpes de secretaria" eventualmente voluntariosos mas com implicações graves no que se refere à reedição do papel centralizador e dominador de determinados orgãos de soberania que poderiam ser tentados a ultrapassar o reconhecimento constitucional relativo à definição das competências diferenciadas no plano hierárquico institucional; b) a afirmação do Bispo de Viseu sobre o direito ao divórcio e ao reconhecimento do fim do casamento religioso em caso de violência doméstica, feita após outra afirmação que mereceu já a análise do Vaticano, relativamente ao uso do preservativo como "obrigação moral" dos portadores de HIV/Sida; c) a afirmação do Ministro das Finanças sobre a possibilidade de Portugal vir a enfrentar, na sequência da crise económico-financeira internacional, uma complexa "crise social"... Se nada disto nos surpreende, pelo menos, temos uns instantes para respirar fundo, numa atmosfera que se tornava quase irrespirável de tão amargamente poluente...

A Economia - entre o G20 e o colapso social...

Enquanto nos países da OCDE se prevê uma descida do PIB, calculada na ordem dos 4,3% e em Portugal ganha cada vez mais consistência o horizonte dos 10% de desemprego, a discussão económica global continua, apesar de alguns apelos no sentido do encerramento dos sistemas de off-shores e de especulação, a insistir na liberalização e na competetividade como formas de resposta à crise e caminhos de retoma. O pressuposto, que ameaça dominar a Cimeira do G20, deixa que se reconfirme a convicção de que nada há a esperar desta oportunidade de criação de consensos entre as economias mais poderosas, reféns que são da sua incapacidade de assumir o não-lucro, mesmo em situações que se aproximam de cenários catastrofistas, mais ou menos assumidos publicamente, designadamente por motivos políticos. Na verdade, uma análise realista das taxas dos endividamentos nacionais equacionadas relativamente aos respectivos índices de produtividade, denotaria, comparativamente uma assimetria de resultados que, em termos de cômputo geral, poderia reforçar tendências de proteccionismo. Contudo, o facto não pode justificar que seja deixada exclusivamente ao nível comunitário e global, a responsabilidade pela definição dos eixos de intervenção no plano económico nacional sob pena de um colapso social que a arquitectura europeia não tem meios de controlar ou, sequer, evitar.

Um olhar distanciado...



... Claude Lévi-Strauss sabia do que falava quando falou do "olhar distanciado" e na sua expressão, inscrita, subrepticiamente, respirava ainda o "distanciamento" brechtiano que, interiorizado ocidentalmente, se compreende, sentido, na música e nas palavras de Leo Ferré em "Solitude"...

segunda-feira, 30 de março de 2009

Da Cimeira da Liga Árabe... (2)

Acabei de ver que a AFP publicou, há pouco, a notícia que aqui podemos ler sobre os resultados da reunião de hoje da Cimeira da Liga Árabe. Entretanto, continua a expectativa, ontem noticiada como se pode ler aqui, sobre a influência que a Liga Árabe pode exercer sobre o Sudão de modo a que aí seja readmitida a entrada e intervenção humanitária das ONG's... porque, antes de mais, as populações necessitam urgentemente de apoio para que seja possível a sua sobrevivência.

Da Cimeira da Liga Árabe...



Al-Bashir participa, no Qatar, na Cimeira da Liga Árabe... por tudo o que aconteceu e acontece no Sudão, todos nós precisamos de saber para compreender... gostariamos de saber como todos os países aí participantes pensam a situação no Darfur e como equacionam os dramas maiores das populações dos seus países, a saber: a fome, as epidemias, o desenvolvimento... do continente africano à Ásia e ao Médio Oriente! Todos nós precisamos de saber como pensam a coexistência pacífica entre os povos e gostariamos de conhecer como querem construir um planeta melhor para todos os seres humanos...

"Méditation" de "Thais"...



"Méditation" de "Thais" de Massenet, pela Orquestra Filarmónica de Berlim, conduzida por Plácido Domingo... e a preciosa interpretação de Sarah Chang!

domingo, 29 de março de 2009

Emprego Militar - procurar trabalho contra a crise...

Foi hoje notícia o registo de um aumento significativo da procura de emprego nas Forças Armadas... o facto não surpreende. Apesar do drama que, para todos nós, representou a Guerra Colonial, os portugueses continuam a integrar forças internacionais sem nunca se saber, ao certo, se uma paz precária não resulta, subitamente, numa guerra sangrenta... Mas, a crise justifica o esforço -justificou-o sempre!- de se tentar alcançar trabalho em qualquer área ou sector que se não encontre fechado ao recrutamento... e as Forças Armadas têm procura porque dispõem de oferta. O fenómeno, em tempos de valores que apelam à paz, é sintomático e nem sequer é novo. Em 1952, Gilbert Cesbron escreveu Les Saints vont en Enfer de que aqui se pode ler uma breve recensão... Li o livro há muito tempo, teria, se me não engano, 14 anos e impressionou-me, para além da tristeza, uma certa incoerência entre o momento histórico, os valores e as práticas que aí ficavam a nu. Hoje, depois de três décadas de observação e vivência, compreendo melhor o drama aí subjacente e a puerilidade inefável do seu fundamento. É que a coerência é, na maioria das vezes, uma aproximação ao desejo da não-contrariedade que as circunstâncias enformam, à revelia da vontade de realização... Tempos de crise, tempos de guerra... guerra de tudo contra tudo e contra si próprio... guerras latentes, mal-contidas, sufocadas... tempos de crise, tempos de medo... tempos incertos!

Entre a Crise e a Fé...

"Tempos de Crise, Tempos de Fé

(...) A dimensão do Sagrado é, se assim podemos dizer, uma espécie de “tábua de salvação” para efeitos de protecção e justiça, quando a vivência quotidiana e os procedimentos humanos parecem insuficientes para satisfazer desejos e necessidades das pessoas. Compreende-se, por esta razão, que o crescimento da adesão religiosa a múltiplas formas de relacionamento com o que nos ultrapassa e transcende, aumente significativamente, em resultado do agravamento de situações económicas, sociais e, naturalmente, afectivas, cuja resposta não encontramos no mundo em que vivemos.

Contudo, apesar da proliferação de confissões religiosas acessíveis no mundo contemporâneo e da dimensão individual, do domínio do privado, em que radica a questão da Fé, a organização institucional da religiosidade assume um papel orientador dos valores e práticas dos seus fiéis que, muitas vezes, contraria os princípios em que assentam, social e politicamente, as sociedades… O facto é evidente, nas mais diversas religiões e nos mais variados espaços do planeta: veja-se o caso da perseguição à religião tibetana na China, o anti-semitismo contra os judeus, o fundamentalismo talibã, e um sem-número de exemplos que, perigosa e injustamente, associam crueldades e terrorismo a expressões religiosas. O fenómeno, racista e xenófobo, é um drama do mundo contemporâneo porque a dimensão pessoal e afectiva que, em si mesma, revela a Fé é manipulada por razões de influência política e social que desvirtuam o carácter benigno da catarse individual acessível a todos e transformam a religião em mecanismos de controle social que, quase sempre, desenvolvem atitudes de auto-defesa dos respectivos grupos de crentes, tornando-os instrumentos de juízos e práticas capazes de contrariar o fundamento universal em que radica o pressuposto religioso: a bondade dos seres humanos e o seu direito à felicidade e à paz.

Desta outra dimensão da religião, de carácter socio-político, resultam porém conflitos individuais e de grupo com expressão pública e efeitos que, ao invés de tornarem a Fé um meio de apaziguamento, lhe conferem o estatuto de agente dinâmico, resistente e reactivo face à diversidade social. (...)

(...) Tempos de Fé, Tempos de Crise?!"

(Excertos do meu artigo "Tempos de Crise, Tempos de Fé", a publicar na revista "Viver...", ed. Adraces, no trimestre Abril-Maio-Junho)

Coerência e Harmonia...



O "Concerto de Violino e Orquestra" de Ludwig van Beethoven é, na interpretação de Sarah Chang, conduzida por Plácido Domingo, uma peça inesgotável de plenitude e significado... ocorre-me, também por isso, pensar o sentir que me diz que a coerência é, talvez, na sua forma mais perfeita, o crescimento harmonioso da potencialidade anunciada... um discurso latente na alma... como a sonoridade que Beethoven, apesar da surdez que o privou do ruído, continuou a ouvir... o som do silêncio, metáfora humana do som do Universo.

O Respeito Humano...



Uma visita ao Praça Stephens reavivou-me a imagem do virtuosismo de Sarah Chang... a quem hoje, aqui, através da sua interpretação de Chopin previamente ilustrada pelas palavras clarividentes do Mestre, presto homenagem, em nome do imenso respeito que nos merecem todos os seres... em nome do extraordinário potencial de sensibilidade e razão que, das mais diversas formas, existe em cada criança!... Pelo direito à realização integral do seu desenvolvimento! Por uma cidadania mais pacífica e mais conforme ao melhor da natureza humana como sentido primeiro da nossa comum responsabilidade social!

Referências da Liberdade...



A banda australiana "The Beautiful Girls" criou este vídeo para o tema "Freedom"... entretanto, ontem, 28 de Março, enquanto a China celebrava a ocupação do Tibete num novo feriado nacional, na Índia assistiu-se à manifestação de milhares de tibetanos que assinalaram a necessidade de acabar com o genocídio cultural no Tibete e a ocupação chinesa do seu país... entretanto, também pelo direito à auto-determinação, em Londres, marcharam cerca de 35.000 pessoas contra a globalização... A Liberdade requer, para sua salvaguarda, a nossa Memória e a nossa firmeza!

sábado, 28 de março de 2009

Tomados por parvos...


Como pode um documento da natureza da gravação da que tem feito manchete nos noticiários televisivos após a sua transmissão ontem à noite, passar das "autoridades inglesas" para a TVI? Qual a razão para se ter seguido à polémica suscitada pelo Bastonário da Ordem dos Advogados?... Por quem tomam o público ao insuflar mais e mais suspeitas assentes em "pés de barro"? O que estará efectivamente por detrás da motivação com que se insiste em criar notícias ou melhor dito, o que irão, na prática e objectivamente, ganhar com este ruído? Se há algo irritante, capaz de indignar as pessoas, é este sentimento de se ser vítima do exercício de um qualquer "todo o poder" que permite tratar os cidadãos como débeis mentais moldados por uma espécie de analfabetismo funcional ingénuo...

O Sino da Consciência Cívica entre Sexualidade e Religião

Depois das recentes dogmáticas e perigosas declarações de Bento XVI a propósito do uso de preservativos no continente africano onde a Sida é uma ameaça gravissima para a saúde pública, pondo em risco a própria sobrevivência populacional, são hoje notícia, em Portugal, as declarações do Bispo de Viseu que, afirmando "a obrigação moral" de não transmissão da doença, defende, para o efeito, o uso do preservativo por pessoas infectadas com HIV... reabilitando a imagem da Igreja seriamente afectada com o teor das palavras do Papa, o Bispo de Viseu assume o que todos reconhecem como uma verdade de senso-comum, contando já com o apoio de diversas personalidades e entidades católicas portuguesas. Rebate de sinos da consciência cívica ou estratégia de marketing para a diminuição do impacto social da condenação do preservativo, importa destacar o significado simbólico da afirmação pública do Bispo de Viseu... designadamente, para que os crentes não sejam obrigados a esconder do meio católico, opiniões e posturas pessoais que, conformes à razoabilidade mínima, não podem explicar ou sequer compreender como é que um princípio radical se sobrepõe, no contexto da doutrina cristã, ao reconhecimento do valor da vida e do direito à saúde... no dia em que, em Portugal, é lançada a campanha do Preservativo Feminino, será que ainda vamos ouvir declarações sobre o direito das mulheres à sua protecção face a doenças sexualmente transmissíveis?

Tocata e Fuga...



Vanessa Mae... em "Tocata e Fuga" com a Orquestra Filarmónica de Berlim...

Mais Estado... Pelo direito a existir com dignidade?



Na sondagem ontem divulgada pela revista Visão, a maioria dos portugueses pronuncia-se favorável a uma maior participação e intervenção do Estado na vida pública, nomeadamente, em sectores estratégicos de que destaco: poder local, segurança social, saúde e educação. Não, na realidade, não creio que essa convicção se deva a uma eventual imagem do Estado a título de agente protector paternal, nem, menos ainda, a aspirações a uma economia planificada e centralizada. O resultado deve-se, antes de mais, à falta de credibilidade pública do sector privado cujos empresários não têm garantido ao longo dos tempos, no nosso país, a sobrevivência sustentável do mercado de trabalho... o argumento reforça-se aliás, no facto de, simultaneamente, os mecanismos de acesso e exercício do poder económico levarem os cidadãos a considerar a classe política e a própria actuação política como susceptível de representação de grupos definidos no contexto dos quais não se demonstra, a título de prioridade, a defesa do interesse público... Fica, por isso, a pergunta: Mais Estado porque se considera do seu âmbito de competências a defesa do direito a existir com dignidade?

sexta-feira, 27 de março de 2009

Negro Torrão - paisagens do Freeport...


Surpreendam-se! ... porque, talvez como a mim, ainda vos surpreenda que a comunicação social, alegadamente por efeito do "jornalismo de investigação", não tenha desenvolvido um eco proporcional à ruidosa campanha que acompanhou, desenfreadamente, o designado "caso Freeport" sobre o facto a que, agora, deu alta voz, Marinho Pinto, Bastonário da Ordem dos Advogados. Na verdade, de Torrão ao tio Monteiro e a Smith, pela leviandade grosseira da abordagem jornalística que levou os "pivots" televisivos e a imprensa à histeria, levantaram-se suspeitas graves e denegriu-se o nome não apenas de um cidadão, coisa por si só, muito grave!, mas, pior que isso, de um Primeiro-Ministro! Falar de "Jornalismo de Investigação" é agora, em Portugal, uma expressão que dificilmente readquirirá a seriedade que, justamente, se lhe atribuía... quanto à comunicação social, passou, naturalmente, ao nível, nem sequer da chamada "imprensa côr-de-rosa" mas, da "imprensa negra" e o bom nome de uma classe profissional que mereceria o crédito dos cidadãos, enquanto instrumento de clarificação e transparência das sociedades democráticas adquiriu, com mais este folhetim, o cheiro e o sabor de uma certa berlusconização que concorre para a suspeita opacidade que acompanha a anónima e inefável promiscuidade entre a comunicação social e a política.

quinta-feira, 26 de março de 2009

Leituras Cruzadas...

A complexidade internacional tem, nos casos concretos protagonizados pelos agentes regionais, designadamente, EUA, UE, Médio Oriente, Índia, China, as sementes da matriz que nos vai, diariamente, configurando o futuro... Pela sua diversidade, a expectativa da mudança implica cenários que é necessário equacionar para se agir em tempo próprio e em conformidade... neste contexto, vale a pena ler o que escreveu Ana Gomes no Causa Nossa. E se a este texto somarmos sínteses de um assunto que aqui abordei no post anterior, como a que nos apresenta Pedro Correia no Delito de Opinião ou a análise de Guillaume Duval na revista Alternatives économiques, ficamos mais cientes que nunca, da relevância do princípio de incerteza que nos deixa perplexos, aguardando um planeamento estratégico capaz de garantir eficácia à sua própria sustentabilidade, evitando a Depressão para que caminha a economia marcada pelo crescimento galopante do desemprego. Compreende-se por isso, cada vez melhor, a importância da reformulação do papel do Estado e a função do investimento público que Carlos Santos explica de forma clara no Valor das Ideias... o que não se compreende é que, neste contexto, ao invés dos agentes políticos nacionais lutarem, através da apresentação alternativa e comparada de projectos de intervenção económico-política e social, capazes de travar ou inverter a vertiginosa derrapagem que caracteriza a sustentabilidade social dos nossos dias, se limitem à crítica gratuita ou à enunciação demagógica de sugestões sobre as quais o eleitorado não tem tempo para avaliar devidamente o seu eventual grau de execuibilidade e eficácia... Razão tem João Abel de Freitas quando, no PuxaPalavra, nos oferece, como parábola, o drama dos incêndios...

quarta-feira, 25 de março de 2009

Sinais...


Enquanto a crise se avoluma sob o olhar banalizante e mediático dos meios de comunicação social, os receios dos Governos e a desconfiança de investidores e consumidores, a sociedade globalizada de hoje vai emitindo sinais, aparentemente paradoxais... e digo paradoxais por revelarem, simultaneamente, a expressão da vontade de mudança e a persistência do exercício de lógicas de continuidade enquanto factores da dinâmica que configura, desde sempre, o presente e o futuro, por força de uma tensão dialéctica omnipresente que se revela, mais visivelmente, na praxis cívica e política. A exemplificar esta correlação de forças contraditória de que dependem tantos impasses, duplamente gravosos em tempos de crise, ocorre-me destacar dois desses sinais: um, referente à preparação da cimeira de Abril do G20 e ao entendimento económico entre EUA e China em que se assume e reconhece a dependência da parceria chinesa, ao ponto de se negligenciar a proibição do acesso ao YouTube e à internet no vastissimo território chinês com o objectivo de reduzir o impacto social dos testemunhos do genocídio tibetano e de outras violações de Direitos Humanos como o número que ontem foi notícia, a propósito das quase 3.000 execuções sentenciadas por determinação da pena de morte, 70% das quais levadas à prática pela China... Outro dos sinais a destacar é o esforço que Barack Obama tem desenvolvido no que respeita à política do desarmamento nuclear, de que é simbólica e politicamente relevante o seu encontro na Casa Branca com Mikhail Gorbatchov, no âmbito do reforço da cooperação entre os EUA e a Rússia e da sensibilização dos restantes parceiros políticos de modo a demonstrar, designadamente ao Irão, que esta é uma questão que, para além do que representa para a segurança planetária, implica riscos e custos, que ainda ontem ficaram, mais uma vez, exemplificados na indemnização francesa às vítimas dos testes nucleares realizados no Sahara entre 1960 e 1996... A interacção e a complexidade dos processos multidimensionais em curso na sociedade contemporânea permitem que o nosso tempo seja, potencialmente, uma oportunidade única para a emergência de uma mudança promotora da equidade e do equilíbrio ao nível global ou, pelo contrário, um passo no sentido de um tal agravamento socio-económico e político-ambiental que, muito dificilmente, poderemos anular...

terça-feira, 24 de março de 2009

O Caleidoscópio da Crise...

A economia é hoje, felizmente!, tema de renovada discussão, a propósito da tentativa de contenção dos custos provocados pela crise financeira. Da intervenção estatal no sistema bancário à sua nacionalização e do congelamento dos prémios e comissões à elevada tributação dos salários situados em patamares verdadeiramente indefensáveis em contextos democráticos cuja ideologia promove a equidade e a igualdade social, as conhecidas economias neoliberais, dos EUA à UE, recorreram a estes procedimentos, justificando a re-leitura de Marx e a tentativa de revisão crítica das teorias económicas que dominaram o final do século XX e a sua transição para o século XXI. Do então anunciado fim da história (leia-se o texto de JM Correia Pinto no Politeia) às recentes medidas norte-americanas (leia-se o artigo de Philippe Frémeaux na revista Alternatives Economiques), o problema mantém-se no domínio da tentativa de colmatar brechas no sistema, como se fosse possível um retorno ao passado recente ainda perspectivado como padrão de normalidade... Acontece porém que os efeitos da conjuntura económica em curso revelam impactos de natureza estrutural que não serão absorvidos pelo modelo de mercado de trabalho de onde emergiram. Na realidade, o problema é mais grave do que tem sido apresentado, não só porque a crise global redinamizou, gravosamente, as fragilidades e crises nacionais mas, porque revelou a destituição de competências dos mecanismos político-financeiros no que respeita à construção de respostas adequadas e eficazes... Porque não se trata apenas de salvar o sistema financeiro e proteger os fluxos económicos... trata-se de responder a uma profunda crise social que, para além da nossa representação social dos quotidianos, se aproxima, a passos largos, de uma realidade que apenas conhecemos da ficção, onde o crescimento exponencial de excluídos é proporcional à consolidação da minoria dominante... o facto resulta do exercício centralizador do poder económico que a globalização fomenta e justifica e da inerente diminuição de custos da sua gestão que, para cumprir o seu objectivo compensatório e lucrativo, recorrerá cada vez mais à disponibilização da contratação... consequentemente, emprego e trabalho tendem a diminuir, sem alternativas compensatórias capazes de resolver o cada vez maior problema do desemprego... Só a revitalização dos processos produtivos e da distribuição da riqueza pode responder à grave crise social que se abateu sobre os cidadãos norte-americanos e europeus, da qual a consciência cívica é, por enquanto, extraordinariamente débil porque o impacto da crise ainda se não fez sentir declaradamente entre os consumidores e porque, por ora, a mensagem política das oposições se reduz às culpabilizações governamentais, não só como estratégia de ascensão ao poder mas, também, como forma de conveniente desresponsabilização já que as suas propostas não denotam sustentabilidade que justifique a confiança do eleitorado. Neste sentido, a dimensão política da crise é, ela própria, um problema para a credibilidade democrática nomeadamente por denotar uma reprodução das condições para a indistinção entre as formas de actuação do poder e da oposição... Pensar a crise implica repensar o seu enunciado: ao contrário do que nos é dado pensar, não são as vertentes económico-financeiras o âmago da questão mas, sim, as vertentes social e política relativamente às quais as anteriores devem ser definidas... persistir em não assumir esta realidade como enfoque de partida não nos permitirá sair da simples especulação.

segunda-feira, 23 de março de 2009

domingo, 22 de março de 2009

A mudança - entre a oportunidade e o fracasso...



Apesar do imenso susto que a emergência da crise suscitou, entre cenários impensáveis há apenas 2 ou 3 anos atrás como é o caso do investimento estatal de capitais no sistema bancário, os países do G20 e a própria UE persistem na elaboração de cenários possíveis a levar à prática em caso de maiores sinais de ruptura. Lamentavelmente, ao invés de aproveitarem o tremendo cenário de crise social que os recentes acontecimentos provocados no sistema financeiro, fizeram eclodir, tornando incontornável para a prosperidade das populações o problema do desemprego, os Estados e Governos persistiram na gestão do impasse, aguardando que a corrente de fluxos do mercado reduza o impacto dos efeitos que desequilibraram as economias, remetidas para segundo plano face à prioridade concedida ao sistema bancário que tem canalizado todos os investimentos para a sua sustentabilidade institucional e não para viabilizar o crédito que, empresas, famílias e cidadãos, requerem para controlarem os níveis de integração social. Estivemos - e ainda estamos - perante uma oportunidade efectivamente adequada ao repensar da economia e à construção de uma ideologia assente numa filosofia socio-política capaz de corresponder aos objectivos de um modelo de desenvolvimento que, não saindo da sua abstracta invocação, tem vindo a ser alardeado em nome de uma saudável globalização e da Europa Social... reféns de uma lógica política incapaz de, criativamente, revitalizar os circuitos e regras da interdependência económica no quadro de um centralismo financeiro de que ninguém fala e cuja responsabilidade implica, em última análise, o bloqueio à diversificação dos procedimentos e da conceptualização das regras e das excepções, os mecanismos políticos ficam cada vez mais aquém das respostas necessárias às políticas sociais de sustentabilidade das populações... até que estale, violentamente, nas ruas a insustentabilidade das consequências desta sua, teimosamente concertada, actuação!?

sábado, 21 de março de 2009

A Natureza - entre a Sociedade, a Cultura e a Política


A ecologia foi, durante um curto período de tempo, uma moda de que restam, um pouco por todo o lado, os partidos verdes que permanecem na periferia do poder... muito por culpa própria, diga-se em abono da verdade, já que, por opção e estratégia de fixação de um eleitorado que quiseram transversal, se demitiram de uma construção ideológica consistente, global e integradora, reduzindo-se a uma participação política de natureza temático-sectorial que não resulta, para a opinião pública, na clara identificação de modelos sociais coerentes e sustentados, amputados que se apresentam, no que respeita à sua potencial dimensão alternativa, do enfoque político a que a discussão cívica atribui sentido. Contudo, os recursos naturais, particularmente a Água e a Florestação, são problemas políticos prioritários para todos, apesar de, para além das políticas energéticas que pretendem a produção de "energia alternativa" mais por razões de (in)dependência política e despesismo do que por consciência equitativa do que, nesta problemática, diz respeito aos Direitos Humanos e à salvaguarda indispensável da qualidade de vida, quase só o combate às emissões de CO2 ser objecto da negociação internacional e das questões da salubridade ou acessibilidade da água se resumirem a uma preocupação regional denotável em pontos críticos do planeta... Da gravidade do problema temos uma ideia que remete para uma espécie de consciência longínqua e ocasional relativamente a África ou, por exemplo, ao Médio Oriente mas, o drama assume hoje dimensões muitissimo mais vastas como o afirmou o Vice-Presidente do Conselho Mundial da Água que, apesar de optimista, relativamente às possibilidades científico-tecnológicas, não deixa de ter, na vontade política, um poderoso protagonista capaz de atrasar o tempo próprio para uma intervenção pública e global capaz de salvaguardar a diversidade da vida planetária, como se demonstra num dos acontecimentos que hoje, 21 de Março, Dia da Árvore, marcou o Forum Mundial da Água onde se não obteve consenso político para a consideração dos recursos hídricos como um Direito Humano. Conquistámos o direito à discussão pública e à visibilidade das questões ecológicas, bem como a sua consagração e celebração simbólicas... está contudo, tudo por fazer, até que estas dimensões da existência sejam parte integrante da agenda política e eixos estruturais da sua intervenção.

Leituras Cruzadas...

Nascimento Rodrigues anunciou a sua renúncia ao cargo de Provedor de Justiça no prazo de 10 dias; não se esperaria outra atitude da parte de quem, cansado das inúteis divergências entre PS e PSD sobre a escolha do seu sucessor, proferiu as declarações forçadas por 9 meses de uma adiada decisão, por motivos de somenos que ficam mais claras depois da indicação do nome de Jorge Miranda (leia-se o que dizem Tomás Vasques no Hoje há Conquilhas... , Miguel Abrantes no Câmara Corporativa e José Gomes André no Delito de Opinião)... O facto, repetido até à exaustão, é um sinal de menoridade democrática... efectivamente, depois de tantos nomes apresentados e rejeitados por motivos que radicam, na generalidade dos casos, na vontade política de recusa das sugestões de cada proponente, assim é. Lamentável, a situação denota que os principais protagonistas políticos do país não acreditam, eles próprios, na democraticidade institucional nacional... porque, um lugar que se pretende desempenhado de forma universal, justa, objectiva e imparcial tanto quanto é possível fazê-lo, deveria ser objecto de uma análise e decisão em função do mérito e perfil dos potenciais candidatos e não o objecto de uma representação partidária, mais ou menos nominal, mas, ainda assim, tendenciosa e suspeita... Começa aqui a deformação intrínseca da auto-representação democrática onde o exercício do poder não é, nem a representatividade partidária pretende que seja, independente, autónomo e, consequentemente, credível.

O Mistério do Equinócio...


... é a Côr da Primavera!

Europa desafinada...

Há mais uma nota desafinada no Concerto da Primavera que todos, apesar de tudo, gostariamos de continuar a celebrar: a notícia da possível reeleição de Durão Barroso como Presidente da Comissão Europeia... na verdade, para além da falta de candidatos alternativos à presidência comunitária num contexto de crise que torna arriscado o assumir deste lugar em tempos que se anunciam tão complexos, seria bom que, em consonância com o equinócio da mudança, do renascimento e da fertilidade (na sua concepção mais alargada!), uma revitalização renovada fosse a ideia europeia de futuro... contudo, dada a crise financeira, económica e política, nem isso, simbolicamente, podemos esperar... porque o horizonte não nos permite ver, neste anúncio, um qualquer sinal de mudança... e, ao contrário, dos tradicionalmente aliados Estados Unidos da América, a União Europeia, aparentemente imobilizada pelo medo da crise, parece apostada em investir numa continuidade de má memória que arrasta, na sua raiz, a "Cimeira da Vergonha" em que, nos Açores, Aznar, Bush, Durão Barroso e Tony Blair pactuaram o início da Guerra contra o Iraque... A política europeia continua sem soluções para a crise?!... parece que sim!

sexta-feira, 20 de março de 2009

Canção da Primavera



de Felix Mendelssohn, "Canção da Primavera", 1841

quarta-feira, 18 de março de 2009

As Crianças Ciganas e a Escola - dos Direitos à Realidade


Se um menino cigano pudesse acompanhar o que tem suscitado na sociedade portuguesa o caso das crianças da sua etnia que, numa dada escola do norte do país, aprendem num espaço segregado de duvidosas condições, ao abrigo de uma intervenção concertada pelos parceiros locais (DREN, Junta de Freguesia e Câmara Municipal) incipientemente justificada, talvez escrevesse uma carta ao país... imagino-a, mais ou menos, nestes termos:


"Senhores, eu gostava muito de gostar de andar à escola... dizem que lá se aprendem coisas importantes e eu gostava muito de saber tudo porque o mundo é muito grande e há tantas coisas diferentes que eu gostava de perceber! Tenho muita curiosidade sobre coisas simples como, por exemplo, saber de que são feitas as estrelas e compreender porque é que há pessoas que moram sempre no mesmo sítio e outras que andam de um lado para o outro... gostava, Senhores, que me deixassem fazer perguntas na escola para me ajudarem a encontrar respostas e, depois de ter percebido tanta coisa, talvez até gostasse de ser médico ou professor, enfermeiro ou engenheiro, político ou comerciante... eu gostava de ir à escola sem aborrecimento, sem medo e sem a pressa de me vir embora... gostava que os meus pais gostassem que eu fosse à escola e que os professores gostassem dos meus pais e, todos juntos, me ajudassem a aprender! Mas, não é assim... as pessoas parecem não gostar dos ciganos e eu não vejo mal nenhum em ser cigano... nós, os ciganos vivemos uns com os outros, temos famílias, danças, festas, problemas mas, somos amigos uns dos outros... tenho pena que os outros meninos e as outras pessoas não percebam isso... porque, às vezes, os meus pais nem percebem o que dizem os professores e têm que trabalhar na vida deles... falta-lhes tempo para pensar noutras coisas e como ninguém nos visita não têm maneira de falar com calma... eu acho que lhes falta calma, Senhores... a todos. Nós, os ciganos queremos continuar a ser ciganos e eu gostava de ensinar o que aprendo com o meu povo aos outros meninos... e gostava de aprender o que eles sabem... computadores e isso... mas, eles nem querem brincar comigo porque eu não conheço as marcas dos sapatos e das roupas, dos jogos e dos vídeos que eles têm em casa... Senhores, será que não podem aprender a falar uma língua que todos percebam?... porque os meus pais querem que eu tenha uma vida boa, trabalho, saúde, amigos... como vocês querem para os vossos filhos... é por isso que eu não percebo porque é que temos que estar longe uns dos outros e porque é que na escola ralham tanto e não nos deixam falar e brincar... se calhar eu não sei brincar como os outros meninos mas, podiamos aprender a brincar uns com os outros... Senhores, eu não gosto que me ralhem... ninguém gosta, pois não?... mas, eu gostava de gostar da escola..."...


Em Portugal, as representações sociais que a cultura dominante induziu na maioria das pessoas conduziu à identificação do povo cigano com práticas consideradas indesejadas: comportamentos, regras, valores e atitudes. Os estereótipos inculcados por gerações e gerações de cidadãos para quem os Ciganos foram sempre um grupo perseguido porque não integrado, vinculam a sociedade a uma forma de pensar a própria intervenção social como uma solução de recurso, sem efeitos de inclusão... é pena!... É pena e é urgente alterar a representação cultural da diversidade... e o maior trabalho a fazer contra o racismo e a xenofobia é trabalhar a coexistência social com a minoria mais antiga que se conhece entre nós. Efectivamente, o problema que agora veio a lume é apenas um sinal do quão mal resolvida está, entre nós, a questão do reconhecimento e da valorização da diferença e da efectiva igualdade de direitos e oportunidades para todos... por isso, apesar de haver formas previstas no ensino público para apoiar a população infanto-juvenil nómada e da existência de currículos escolares alternativos (nomeadamente, no âmbito das "necessidades educativas especiais" que não significam, ao contrário do que a maioria pensa, cuidados com crianças portadoras de deficiência mas, isso sim, com crianças que requerem um trabalho psicossocial apoiado personalizadamente em termos motivacionais, cognitivos e culturais), elas não são praticadas... contudo, ninguém avoca estes direitos, uns por desconhecimento e outros, por considerarem difícil a sua execução... opta-se assim por soluções precárias que libertam a consciência caridosa de uma pretensa igualdade, apenas nominal e simbólica... e todos recusam a efectiva discussão sobre as questões da integração e da inclusão social da etnia cigana, a investigação e a experimentação pedagógica de estratégias de ensino/aprendizagem adequadas à especificidade desta população que, mesmo quando objecto de intervenção social, é remetida para a continuidade segregacionista porque nunca é perspectivada como um caminho para a ascensão social dos agora meninos e, amanhã, homens e mulheres deste país... Poderei escrever mais sobre este assunto num outro momento, não sei ainda quando, mas, para já, fico por aqui, recordando as palavras de António Aleixo sobre a infância do mundo que só poderá ser ultrapassada quando desaparecer... "do mundo, a ignorância"!... Hoje, numa sociedade auto-proclamada "do conhecimento" continuamos a agir de forma paradoxal... para iludir as aparências!?

terça-feira, 17 de março de 2009

O Atentado da Igreja à Saúde Pública - entre a Sida e a Protecção da Vida Humana!


A irresponsabilidade cívica e política, de que tanto se fala, a propósito de tudo e de nada, recorrendo-se à já sistemática argumentação da "crise dos valores", atingiu o seu ponto alto com as declarações de Bento XVI que, em pleno continente africano, onde a fome e a morte ceifam vidas de todas as idades e a sida produz gerações de crianças condenadas pela doença, teve a aleivosia de proclamar que o uso de preservativos não só não resolve nada, como -pasme-se!- ainda complica mais o problema clínico de natureza epidemiológica mais grave da actualidade! E, se pouco já me espanta no que à instituição da Igreja Católica diz respeito, considero contudo, insustentável, que um líder religioso, com responsabilidades acrescidas no que à formação da opinião pública diz respeito, recorra a tais afirmações em nome de dogmas hipócritas que gritaram a condenação do aborto ao ponto de terem recentemente acedido à condenação da violação de uma criança de 9 anos, simbolicamente castigada por ter engravidado e abortado... Ao proclamar em África a condenação do preservativo, forma acessível de prevenção da sida em sociedades de tradição oral onde já é tão difícil passar a mensagem da protecção de toda a população, Bento XVI enfrenta a ciência, as organizações internacionais e todo o esforço de promoção de cidadania, indispensável à paz e à vida. Com mais este gravissimo dislate, Bento XVI arrisca-se a ficar na História como o Papa que descredibilizou a Igreja e a remeteu para o estatuto de instituição fundamentalista porque dogmática... condenar esta actuação deveria hoje ser uma prioridade de todos os políticos, todas as ONG's, da OMS e da ONU... se verdadeiramente reconhecem alguma validade a um mínimo sentido de bom-senso, aos mais elementares valores de defesa da vida humana e à imperiosa necessidade de exercício de uma pedagogia colectiva que deveria, em pleno século XXI, unir todos os homens de boa-vontade... ah! já agora: a Igreja perdeu hoje toda a autoridade moral para falar em "crise de valores".

Da conversa e da memória...


As conversas são como as cerejas... quando são boas, nunca são demais! ... e as imagens têm, muitas vezes, esse duplo poder de significado e significante que nos permite falar dos contrários sem perdermos a consciência do enfoque com que a razão nos configura o olhar! ... vem este post a propósito do que escreveu João Tunes no Água Lisa e da interessante reflexão que poderia resultar para a sociedade portuguesa se a dimensão da Memória fosse equacionada como um factor capaz de bloquear ou condicionar opções... de origem e natureza vária!

segunda-feira, 16 de março de 2009

Memória, Identidade e Futuro - o caso da Guerra Civil de Espanha...


A Memória é hoje reconhecida como dimensão inalienável do Património, depois de décadas e décadas de uma redutora atribuição da dimensão patrimonial à materialidade arqueológica, histórica, arquitectónica e etnográfica. Esse reconhecimento, gratificante e precioso para a explicação e compreensão da História da Humanidade, permitiu aliás que a História, a Sociedade e a Cultura Contemporâneas voltassem a sua atenção não para um passado estático, conhecido apenas através de fontes documentais ou de vestígios materiais mas, para a própria investigação do tempo presente, onde as vivências são dotadas de uma riqueza dinâmica, alheada desse complexo distanciamento que a manipulação interpretativa da documentação ou do próprio património edificado arrasta, em maior proporção do que seria desejável para a aproximação à realidade que toda a ciência busca, na ânsia do conhecimento e da verdade... foi essa a grande revolução das Ciências Sociais que, no nosso país e por muitos territórios deste mundo que habitamos, é ainda, perdoe-se a expressão, "parente menor" do reconhecimento institucional e público, dado o seu incipiente e tantas vezes retórico uso... Vem este texto a propósito do justo texto de João Tunes que, no Água Lisa, refere a minha "complacência" para com a sociedade espanhola, quando afirmei a persistência de "nuestros hermanos" na resistência ao branqueamento da Guerra Civil de Espanha... Tem toda a razão, caro João Tunes, quando afirma que essa minha referência é excessivamente generalista e oblitera uma parte importante da relação do povo e do Estado espanhol com este período da sua História. Na verdade, como bem descreve no seu texto, foi necessária a promulgação legislativa para que fosse incontestável o reconhecimento dessa verdade capaz de reduzir o "negacionismo" ou "relativismo" latente e subjacente que muitos faziam questão de invocar, a pura intencionalidade ideológica "contra los rojos" e que, ao longo de décadas, prolongou pela Democracia a tentativa branqueadora de uma Memória Social e Colectiva, dando forma à construção de um negligente esquecimento que, presumo!, contaria com a minimização dos efeitos que o tempo e a ideologia dominante tendem a produzir... ora, estimado João Tunes, foi exactamente por me ser profundamente dolorosa e sentida a profunda injustiça que, a ter sido assim, se cometeria contra todos os que lutaram, viveram, morreram e sobreviveram que me tem sido tão grato o processo de reabilitação da verdade em que, entre muitos outros, Baltazar Garzón investiu, ao decidir, judicialmente, prosseguir as investigações relativamente aos mortos e desaparecidos da Guerra Civil de Espanha... porque, finalmente, foi concedido à Memória o seu lugar no reconhecimento, na valorização e na integração no conceito de Património considerado como parte única, imaterial e multifacetada (porque susceptível de múltiplas variações -tantas quantas os sujeitos que a convocam!) do Legado social, cultural e político que, ainda, em muito, configura a sociedade espanhola... Porque, para além de todos os franquistas e colaboracionistas, há um povo, uma sociedade e milhões de pessoas que, além dos mortos, trazem também na memória e na experiência de vida, os efeitos de uma guerra que legitima o sentimento de revolta de muitos dos que, do alto da sua idade, dizem, referindo-se ao fascismo: "eles estão aí... eu conheço-os... sei como é que tudo se passou..."... a questão, estimado amigo, é que, quem tentou branquear a História estava próximo do poder, enquanto aqueles que a sentiram como perseguição, execução, sofrimento, fome, fuga, exílio e morte, estavam, maioritariamente, entre os que menos acesso têm ao poder... e esses, são "nuestros hermanos", os "nuestros hermanos" que finalmente assistem ao reconhecimento do seu justo sentimento de injustiçados! Este é um tema que me apaixona... e, se aqui acabo este texto, é apenas para que se não torne excessivo... contudo, não posso deixar de lhe agradecer o contributo que deu para o conhecimento, entre nós, dessa História real mal-contada pelos Manuais e que a Memória retém viva, que, também me permitiu enunciar o que aqui escrevo... Pelo futuro, pelo passado e pelo presente, permitam-me ainda evocar o nome feliz desse movimento que, em Portugal, se tenta afirmar e que merece um apoio sério e credível: "Não Apaguem a Memória"!

Águas sentidas...



Na voz inconfundível de Peter Gabriel, "Here Comes the Flood"... o som sentido perante tudo o que as águas levam...

domingo, 15 de março de 2009

Actualidades Políticas... com Leituras Cruzadas...

Decorridos 70 anos da Guerra Civil de Espanha que "nuestros hermanos" não esquecem, insistindo na investigação e descoberta de um passado que se recusam a branquear, o corpo de Garcia Lorca continua desaparecido... do crime e da sua memória vale a pena aceder à publicação de Osvaldo Castro no Praça Stephens... Entretanto, enquanto esperamos para ver o que quer efectivamente dizer, na prática, a disponibilidade do G20 para se empenhar "num esforço continuado" que visa o restabelecimento do crédito, o evitar do proteccionismo e a estabilidade do sistema financeiro, Bento XVI, na sequência dos funestos acontecimentos protagonizados, por um lado, pelo bispo Williamson que negou o Holocausto, ganhando uma justa expulsão da Argentina e, por outro lado, pelo bispo do Recife que excomungou uma menor de 9 anos violada pelo padrasto pela prática de aborto, bem como todos os que a apoiaram, Bento XVI, dizia, não deixa de causar alarme ao afirmar que irá tomar África "nos braços" porque, sabemo-lo bem, nunca um destes actos é gratuito e torna-se até verdadeiramente duvidoso quando lhe subjaz uma intenção ideológica, manipuladora ou evangelizadora... Neste contexto, de evocação da manipulação, não posso deixar de referir a política chinesa que tem recorrido, nos 50 anos da ocupação do Tibete, marcados pela violência e o genocídio numa ostentatória violação dos Direitos Humanos, a estratagemas desta natureza que nos remetem para o que de mais perverso se encontra nos processos de domínio de um povo, colocando a sua própria cultura ao serviço dos seus interesses imperialistas... leia-se a referência de Jorge Assunção no Delito de Opinião que remete para um artigo sobre a matéria publicado no JN... finalmente, a este propósito, ocorreu-me, há dias, a pergunta: será que o BE teria saido do Parlamento se o visitante fosse o Presidente da China?... trabalho pelo meio, esqueci-me da pergunta que, agora, perante a notícia que acabei de referir e o texto de hoje, de Valupi, no Aspirina B, aqui enuncio... entre comentários, citações e notícias que nos dão, dos dias e do mundo, as peças de um puzzle em constante construção, caleidoscópio de ideias do muito que há para fazer...

Das verdades da História...


A verdade histórica é sempre uma aproximação... por isso, gosto de conhecer as versões das partes que a escrevem para delas extrair o que considero relevante para uma compreensão equilibrada, isto é, satisfatória, dos tempos e dos factos. Ciente de que todo o esforço de objectivação implica a múltipla subjectividade de que os autores não puderam ou não quiseram distanciar-se (e digo "múltipla" porque são diversas e coexistentes as facetas desta inesgotável dimensão da produção intelectual, científica e artística: pessoal, psicológica, sociológica, cultural, política e ideológica), resolvi, finalmente, ler "1808" de Laurentino Gomes, cuja primeira edição data de Janeiro de 2008 e cuja 2ªedição, de Fevereiro do mesmo ano, comprei assim que surgiu nos escaparates. À vista, o livro percorreu todo este tempo na minha sala, entre mesas, secretárias e prateleiras, porque sempre outra leitura se lhe sobrepunha, motivada por critérios de vontade ou necessidade... quanto ao "1808" lá resistia ao olhar a sua capa amarelo-acastanhada, a lembrar impérios de um século que estudei demasiado bem para ter paciência para reler repetições que poderiam ser retratos parciais de uma perspectiva que eu construira em leituras cruzadas e plurais... uma destas manhãs peguei-lhe e, já não sei se no autocarro ou no metro, comecei a ler... sinceramente, foi uma agradável surpresa! De leitura escorreita e escrito com a preocupação de tornar os factos descritos numa narrativa coerente e dinâmica, "1808" tem a vantagem de ser uma obra resultante de fontes menos conhecidas e, naturalmente, menos envolvidas na condescendente complacência com que se analisam e relatam os períodos e episódios da história de um país. Trata-se da saída de Lisboa da corte portuguesa com D. João VI a procurar no Brasil um exílio justificado pela premência das invasões napoleónicas a Portugal, enredado num contexto de alianças internacionais, onde o seu peso não equivalia à sua dimensão imperial mas, apenas, à sua vulnerável dimensão nacional. De tudo o que estudara e lera, a impressão que extraira da realidade da época aproximava-se, sem que o tivesse lido, de um contexto e de conjunturas onde faz sentido o relato deste "1808"... Laurentino Gomes escreveu-o e descreveu-o. Vale a pena ler! Do muito que fica por dizer, já que nem foi propósito do autor exceder o âmbito temático do período histórico a que se dedicou, encontram-se outros ecos... se os procurarmos! O século XIX faz luz sobre o que foi e tem vindo a ser Portugal... "1808" é, também por isso, além de interessante, indispensável.

sábado, 14 de março de 2009

Mercado e Perspectiva...


A América do Sul é um extraordinário cadinho do universo humano, resíduo de memórias ancestrais, colonialismos, ditaduras senhoriais e militares, revoluções, indigenismo, catolicismo, animismo, economias rurais, urbanizações metropolitanas, comércio, narcotráfico, corrupção, património natural e edificado... um espaço onde os fenómenos socio-económicos interagem de forma complexa, deixando sempre por explicar ou compreender alguma dimensão da realidade, retrato de todas as sociedades. Hoje, num excelente documentário do National Geographic sobre a América do Sul, nomeadamente, Bolívia, Chile, Colômbia, México e Perú, um cientista social enunciou, enquadrado na metrópole de lata que envolve as grandes cidades, dois factos perturbadores: um, atribuindo à má gestão da agricultura e da posse da terra, a responsabilidade pelo êxodo rural das populações para as cidades; e outro, demonstrando que a defesa do sector e da actividade privada, bem como do mercado e da livre concorrência, é, não um princípio de organização económica reconhecido pela maioria das pessoas em função da sua utilidade, mas, apenas, uma estratégia dos mais pobres que, destituídos de bens, procuram uma oportunidade de fazer negócio para ascenderem na escala social... neste contexto, o mercado emerge como a solução de recurso da economia informal, éncarada enquanto meio de sobrevivência, favorável à multiplicação de estratagemas propiciadores da corrupção, da exploração e da dependência. Assim, ao contrário do que geralmente se supõe, o mercado representa, nesta perspectiva, a possibilidade de legitimação do próprio exercício da fuga ao controle e da livre concorrência que não garante a estabilidade mas, apenas, a circulação de capitais... O discurso não é novo... mas, a perspectiva denota o quão manipulados temos sido pela repetição das inverdades que conduziram à crise que hoje se vive em todo o mundo e cuja resolução Paul Krugman acredita ser muito demorada...

A dimensão dos sinais - entre as armas e as Escolas


A violência nas escolas foi tema de discussão pública em Portugal até se tornar objecto de preocupação do PGR... entretanto, apesar da problemática polémica de que se reveste o sistema educativo, pensar os conteúdos educativos e as relações sociais e pedagógicas não tem sido uma das prioridades da discussão, apesar de todos sabermos que são os alunos a própria razão de ser da instituição escolar... talvez esse pudesse ser um dos ângulos para se pensar uma outra realidade que, verdadeiramente, ameaça e ensombra a sociedade contemporânea: a violência contra as Escolas... Os factos, dada, por um lado, a sua dimensão mediática e, por outro lado, o envolvimento de um factor individual de natureza psicológica são perspectivados apenas como criminalidade e é nessa dimensão que permanece a sua representação... contudo, o massacre ocorrido na Alemanha demonstra, no contexto cada vez mais frequente deste tipo de acontecimentos, que outros casos recentes (este crime de crime aumentou exponencialmente a partir da década de 90), não foram incidentes de excepção mas, isso sim, sérios indicadores de uma tendência paradigmática de transmissão de uma mensagem que é urgente interpretar e prevenir. Na verdade, a quantidade de ameaças detectadas em vários países europeus e norte-americanos, não nos permite já continuar a ignorar o problema que transcende a necessidade de "chamar a atenção" ou os acessos individuais de "loucura temporária"... o facto é triplamente confirmado a priori: pelo número de suicídios que se seguem a estas manifestações, pela sua organização premeditada e pela gratuitidade dos seus objectivos... Estamos perante atitudes não abertas ao diálogo e à negociação, cujos protagonistas, maioritariamente jovens, esgotam no próprio acto todas as intenções, sem a revelação de expectativas que lhe confiram sentido... contudo, o significado está à vista: destruir e promover o sofrimento de outrem... ou seja, castigar!... mesmo que o castigo tenha como preço a própria vida! Assustador e aparentemente absurdo, o fenómeno é expressão de um isolamento e de uma desintegração social silenciosa de dimensões imprevisíveis... para o prevenir, todos os cidadãos, entidades e instituições serão indispensáveis... por uma cultura e uma organização social e económica que garanta a todos o exercício dos mesmos direitos... por uma sociedade que tenha como prioridade indiscutível, as Pessoas... pela Cidadania que passa, também, pelo controle do acesso às armas!

Hoje, o som... amanhã, as palavras...



Beethoven, Sonata "Au Clair de Lune", op.27, nº2, 1º movimento...

quarta-feira, 11 de março de 2009

Leituras Cruzadas...

As leituras cruzadas permitem o encontrar de olhares diversos, cujo cruzamento enriquece o nosso re-pensar quotidiano das realidades em que nos movemos ou a que vamos assistindo, colaborando para que a elas nos ajustemos ou delas nos distanciemos com mais propriedade... Nesta actualização radiológica ou, melhor dizendo, blogológica do panorama político, vale a pena ler o que diz João Tunes no Água Lisa a propósito dos recentes acontecimentos na Guiné-Bissau e dos comentários por eles suscitados... a não deixar de ler é também o que escreveu JM Correia Pinto sobre a postura do BE face à presença do Presidente da República de Angola na AR bem como a interessantissima leitura política que, também no Politeia, apresenta sobre a perspectiva relacional entre Manuel Alegre e o PS... recomendável é também a leitura de Pedro Magalhães no Margens de Erro onde se torna evidente a forma equívoca da leitura socio-política que o conhecido comentador social-democrata, Pacheco Pereira, exibe com assertiva frequência e o comentário de Miguel Cabrita no País Relativo sobre a actual liderança e orientação do PSD...

terça-feira, 10 de março de 2009

Tibete - um genocídio e uma ocupação de 50 anos!


Há 50 anos que o povo e a cultura do Tibete viram ocupado o seu território. Perseguidos, os tibetanos formaram no exílio o Governo que, através dos incansáveis esforços do Dalai-Lama, procura reconhecimento e apoio internacional no sentido de, ao menos, ser concedida autonomia cultural a esta região, conhecida como "Tecto do Mundo", espaço onde a sociedade e a cultura integraram a religião como filosofia de vida. Da sociedade rural de meados do século XX ao Tibete de hoje, uma mudança imensa ocorreu com o massivo povoamento chinês e a aculturação forçada que, desde 1959, nunca deixou de recorrer à violência e à violação continuada dos Direitos Humanos, ao ponto do genocídio cultural do Tibete ser actualmente reconhecido em todo o mundo. Porém, marcadas que são as relações internacionais pelas lógicas económicas e comerciais, ao longo destas décadas e apesar da admiração que o Nobel da Paz, Dalai-Lama Tenzin Gyatso, desperta também, nas democracias ocidentais, não houve resultados positivos capazes de travar a devastação da vida e da cultura tibetana... O Tibete onde se sonhou realizar um novo modo de gestão e organização social, útil a todas as sociedades, como resultado da associação que o próprio Dalai-Lama descreveu como potencialmente adequada à promoção da igualdade, da modernidade, da justiça e da solidariedade: a associação entre uma economia de inspiração marxista e uma cultura de inspiração budista. No dia 10 de Março de 1959 aconteceu, no Tibete, a ocupação chinesa que tem já 50 anos de duração... Simbolicamente, foi também no dia 10 de Março de 1963, que o Governo tibetano no exílio, adoptou a sua Constituição. Por um Tibete Livre!

segunda-feira, 9 de março de 2009

O mar suspeito dos anúncios e das interrogações...


O Banco Mundial anunciou hoje, sem reservas, que nos encontramos perante a mais grave contracção económica desde a II Guerra Mundial... entretanto, Jean-Claude Trichet perspectivou como hipotética a aproximação do final da crise sem contudo deixar de apelar ao controle da inflação como forma de afastar o mais temido dos cenários, a deflação. Da eventual objectividade analítica à possível estratégia de controle de danos através do recurso a mecanismos informativos capazes de travar a falta de confiança de investidores e consumidores no mercado, fica-nos uma imensa margem para a especulação feita de perguntas, dúvidas e cálculos. Entretanto, chegam-nos notícias do Luxemburgo como as que podemos ler no Cogir e sinais que denunciam tomadas de consciência com reflexos na mudança de paradigmas dos economistas intervenientes no mundo laboral norte-americano como as que os Ladrões de Bicicletas sublinham... depois, para além do dramático desemprego que grassa entre nós, neste cantinho de brandos costumes onde aumenta o número de cidadãos, jovens, famílias e idoso dependentes das ajudas institucionais por endividamento ou simples carência, temos ainda uma política que se confronta com intrigas e mais ou menos dissimuladas perseguições e pequenas vendettas que nos ocupam o espaço público e reduzem cada vez mais o debate na diluição da causa pública entre interesses narcisistas ou corporativos... chega?... não, não chega... porque, ainda sobra tempo para a demagogia de todas as cores, como bem observou João Tunes no Água Lisa num cenário que já reconhecemos de muitas outras performances de fazer política... haja paciência ou, no mínimo, consciência, responsabilidade e Atitude!... ou então, pelo menos, assumamos que o país não passa da imagem no espelho que uma fotografia feliz encontrada ao acaso me permite aqui partilhar...

Inédito...

domingo, 8 de março de 2009

Uma Mulher...



Há vozes eternas... apesar das pessoas e dos seres acabarem, infelizmente, tantas vezes, de forma trágica... porque, humanamente, até as estrelas se deixam entristecer!... Em vida, Elis Regina fascinou o mundo... ao ponto de, durante as suas exéquias fúnebres, os milhares de brasileiros que fizeram fila noite e dia para dela se despedirem, terem cantado incansavelmente as suas músicas numa manifestação lindissima que a tornou, para sempre, simplesmente "a Elis"! ... a sua voz, o seu modo de estar, ser e sentir, fizeram de Elis uma referência... do seu povo e de todos nós!... aqui fica, in memoriam, um tema lindissimo, no Dia Internacional da Mulher!

Mulheres...



No dia 8 de Março de 1857, um grupo de operárias de uma fábrica têxtil lutou pela redução de 16 para 10h de trabalho... nos Estados Unidos, claro! Da sua luta nasceu o Dia Internacional da Mulher que se celebra hoje, 152 anos depois, quando as mulheres continuam a ter salários mais baixos que os homens, a ser a maioria silenciosa das vítimas de violência doméstica e do tráfico de seres humanos... Sobre o evento de 1857, Hilary Swann protagonizou um filme notável que vale a pena recordar aqui.

sábado, 7 de março de 2009

Recursos educativos e Histórias elucidativas do país que somos...



A notícia sobre os erros ortográficos do "Magalhães" é um exemplo da negligência com que, em Portugal, se perspectiva o problema educativo... não, não está em causa se a utilidade do acesso à tecnologia informática é ou não importante mas, o que o facto revela é que se dá primazia à forma e se subalterniza o conteúdo... seria grave se o erro fosse comercial mas, é muito mais preocupante saber que a responsabilidade da distribuição deste equipamento didáctico envolve o Ministério da Educação... o problema, vá lá saber-se porquê, lembra-me uma história de Luís Bento que acabei de ler no Delito de Opinião...

A Morte Saiu à Rua...



A Liberdade nunca morre!... e se alguém parte, como partiu Zeca Afonso, no dia 23 de Fevereiro de 1987, ficam as saudades... elos vivos da memória!

A Inquisição não voltará!


O que é que se passa com a Igreja Católica? Depois das vergonhosas declarações do Bispo Williamson que levou à sua expulsão da Argentina cujo Governo não pactuou com uma afirmação simbolicamente contrária aos Direitos Humanos, é agora a vez do Brasil, onde o Bispo do Recife condenou à Excomunhão uma menor de 9 (nove!) anos de idade, toda a sua família e todos os que colaboraram no apoio ao aborto clínico da menor! A menina (de 9 anos de idade, repito!) engravidara, na sequência de uma Violação cometida pelo padrasto estando em causa a sua própria vida! No Vaticano, segundo noticiaram há pouco as televisões, compreendeu-se a decisão do bispo por considerarem que "a questão é delicada" e que a Igreja não pode ir contra os seus próprios princípios!!!... Princípios? Quais princípios? Dogmas, quereriam dizer!... Dogmas de uma crueldade sem nome, tutelada por uma arrogância moral capaz de condenar à morte uma criança de 9 anos!... Felizmente, o Presidente da República, Lula da Silva, manifestou-se já sobre o caso, afirmando que a Igreja não se deveria sequer ter pronunciado sobre o caso e pedindo contenção na intervenção cívica e social desta instituição! ... Felizmente, há Presidentes, políticos e cidadãos que garantem a sua solidez ética e moral na defesa da democracia e na condenação pública de inaceitáveis e cruéis imoralidades!

A cega teimosia do provincianismo nacional - Adenda

Estimados leitores: por lapso, decorrente do facto de ter guardado uma pequena nota em Rascunho que hoje retomei sem pensar no erro que daí decorreria, o texto aqui publicado sob o título "A cega teimosia do provincianismo nacional" foi editado com a data de ontem, dia 6 de Março apesar de, como poderão verificar na notícia do DN que aí refiro, ter sido publicado hoje, 7 de Março, pelas 12. 20h... Por esta razão, agradeço a vossa compreensão para o facto de, entre esse texto e esta Adenda, ficar um momento com que pretendi partilhar convosco um sorriso...

A natureza animada...



Apesar de tudo o que tem sido dito sobre Walt Disney, das suas origens à ideologia, em 1932, quando fez o primeiro filme de desenhos animados colorido, Walt Disney criou a primeira história ecológica da animação... e digo ecológica no sentido lato que radica, em termos didáctico-pedagógicos, na valorização da natureza e do ambiente... antropomorfizada é certo, segundo os padrões do seu tempo... mas, encantadora! Convido-vos a deixar fluir a criança que guardamos em todos nós e a ver, até ao fim, "Árvores e Flores"... Sorriam! ... Sorrir faz bem... e, por vezes, rir e sorrir são a nossa melhor arma contra o stress! Espero que gostem!

sexta-feira, 6 de março de 2009

A cega teimosia do provincianismo nacional



Uma pessoa esforça-se mas, a realidade persiste em não nos deixar ignorar o provincianismo e a manipulação grosseira com que, no nosso país, se vão sucedendo os factos, de que trago aqui apenas 2 exemplos que considero sintomáticos... Por razões várias, alegadamente, não parecer oportunismo eleitoral, o PS não revogou as taxas moderadoras... O facto manifesta, no contexto de um mutismo autista sem racionalidade aparente para além de um extemporâneo e bacoco economicismo face à crise, a persistência política na adopção de uma medida lesiva do interesse público, resultante de um provincianismo assustador incapaz de retroceder quando se torna evidente o erro... Ora, sabemos, nomeadamente desde que Pierre Bourdieu o explicou há já tempo suficiente para não ser conhecido de todos, que o poder assenta numa dimensão simbólica que, atrevo-me a dizê-lo, a ser ignorada, pode reduzir a sua influência até à sua extinção fundada na divergência entre a sua afirmação e o seu reconhecimento social. De igual modo, questão a que poucos parecem dar relevo nesta democracia republicana e laica em que se pretende sustentar a cidadania e a igualdade de direitos e de oportunidades, é a da canonização de Nuno Álvares Pereira - não pelo facto em si mesmo por ser legítimo e livre, no âmbito da crença, da religiosidade e do corporativismo, a adulação e efabulação dos aderentes mas, pelo carácter simbólico que teve a votação de regozijo ao evento na Assembleia da República, numa inútil e humilhante cedência dos princípios do Estado democrático ao folclore eclesiástico e político... sim, porque o mais grave é a dimensão política deste simbolismo (leia-se aqui o texto hoje publicado no DN) que denota não se poder pensar a questão de ânimo leve, desculpabilizando-a como se fosse relativizável como o faz Paulo Pedroso no Banco Corrido, quando diz "(...) não vejo porque há-de o Parlamento abster-se de se congratular (...)" apesar de, diga-se em abono da verdade e da justiça, reconhecer que o facto manifesta afastamento do laicismo... ah! é verdade!... ontem, a televisão noticiava que o santuário de Fátima era um fortissimo cliente do BPN - o que me fez lembrar de um livro já com décadas mas que recomendo vivamente: O Empório do Vaticano de Nino Lo Bello.

Ridículo oportunismo ...


Escrevi, há pouco tempo, neste blogue Como se fazem os santos?... Hoje, após o voto de regozijo da Assembleia da República sobre a canonização de Nuno Álvares Pereira, o Condestável, em que até o PCP se absteve e apenas o Bloco de Esquerda votou contra, fico a pensar sobre a persistência endémica e epidémica do oportunismo político que, afinal, toca toda a demagogia política, remetendo para segundo plano princípios e valores em troca da mais gratuita ambição eleitoral... é caso para perguntar: quem é que não se distingue de quem? Lamentável é apenas a Assembleia da República não defender a sua honra republicana, laica, responsável e progressista deixando-se render ao senso-comum que deixa dúvidas sobre a prática dos valores e princípios do Estado. A democracia ficou mais popularucha... é pena!

quinta-feira, 5 de março de 2009

Leituras Cruzadas...

Vale a pena ler o que dizem Miguel Abrantes num contributo publicado no Câmara Corporativa e José Manuel Dias no Cogir onde se refere uma das notícias que não são manchete mas que denotam o reconhecimento do esforço de Portugal no que respeita à inovação que, apesar de insuficiente em dimensão e diversidade, não deixa de revelar o facto relevante do nosso país investir numa área estratégica do desenvolvimento... e quem fala em inovação, fala de Educação que, relativamente à questão da laicidade da escola pública coloca, no nosso país, problemas que aqui tenho abordado na perspectiva na transversalidade formativa que é preciso reforçar na dimensão informativa da instrução, justificando a abertura a abordagens menos assumidas pelo sistema educativo nacional, como as que se referem nos textos de Ricardo Santos Pinto no Cinco Dias e de Ana Gomes no Causa Nossa. As Leituras Cruzadas de hoje, assinalam ainda, com particular destaque, o bem-humorado, interessante e perspicaz texto em que são analisados os desafios de Marcelo Rebelo de Sousa a propósito das eleições europeias, por Osvaldo Castro no Praça Stephens.

terça-feira, 3 de março de 2009

Valores e Práticas...


A OCDE, após ter assinalado que a actual crise é a mais grave desde 1960, disse à Reuters que prevê um declínio económico superior ao previsto pelo FMI, esperando ainda um acréscimo de 8 milhões de desempregados e a descida para metade das pensões... a situação, de extrema violência para o equilíbrio social de cidadãos e famílias, faz prever o aumento exponencial da violência nas ruas, da delinquência, da violência doméstica (que, no nosso país, atinge índices de mortalidade que teimam em não baixar proporcionalmente ao investimento em campanhas que a condenam, alertando as pessoas para o fenómeno), da violência contra idosos... e... da violência contra as crianças, 30.000 das quais vivem, em Portugal, em risco de maus-tratos... estão à vista os custos sociais de uma sociedade que não tem conseguido resolver os problemas cívicos nem levar à prática o exercício dos direitos humanos ou, sequer, da igualdade de género... Que o fundamento das representações sociais e dos padrões comportamentais tem na Educação um factor determinante, sabemo-lo todos... contudo, no nosso país, esta perspectiva não emerge da discussão pública dos problemas do sistema educativo e quando surge, aparece sob pretexto de uma intervenção pontual... vivemos ainda, pelo que nos é dado percepcionar, de acordo com uma filosofia de gestão cartesiana, dicotómica, que insiste em separar a dimensão informativa da instrução da sua dimensão formativa... por isso, corremos o risco dos nossos melhores esforços no sentido de promover a cidadania virem a revelar-se infrutíferos face aos efeitos regressivos resultantes das crises económicas e sociais... infelizmente, no mundo político, a sensibilidade e a consciência do problema não é uma evidência... ressalvem-se algumas excepções de que destaco:

"(...)quando uma criança recorre à violência, é porque tem um buraco no coração que nenhum governo, sózinho, consegue preencher.(...)" (Barack Obama, Discurso proferido em Springfield em 10 de Fevereiro de 2007).

segunda-feira, 2 de março de 2009

Cenários da crise...


A crise está aí e a construção de respostas que na UE vai sendo concertada, evolui de forma muito lenta. De facto, as últimas notícias que afirmam o consenso europeu relativamente à aplicação de medidas comuns (e simultâneas?) dirigidas à eliminação dos off-shores e das medidas proteccionistas, deixam a suspeita de um caminho a percorrer que deixa tempo e espaço de acção suficiente a cada país para activar os mecanismos necessários à salvaguarda de interesses nacionalmente considerados prioritários pelos respectivos governos. Apesar de alguns comentadores e analistas políticos considerarem que a subida, em Fevereiro, de uma décima na inflação, contraria o cenário deflacionário que tem assombrado a economia mundial e ainda que alertando para a necessidade de deverem ser tomadas medidas recorrentes, como é o caso da descida do preço do dinheiro para efeitos de estímulo à procura e ao próprio investimento, o facto não me parece suficiente para que dele se possa inferir a inversão do ritmo da crise, designadamente se tivermos em consideração as preocupações e observações resultantes da cimeira informal que decorreu, ontem, no Conselho Europeu e hoje, na Cimeira Ibero-Americana. De qualquer modo, um eventual abrandamento desta crise não significaria senão a redução dos seus factores primeiros de agravamento porque a crise irá prolongar-se para além de si mesma, em cenários que não podemos ainda hoje avaliar... cenários que remetem para crises sociais muito graves que se vão anunciando mas, cuja dimensão real ainda não conhecemos e crises políticas que, no actual contexto europeu, poderão ressuscitar a radicalização de governações à direita, em detrimento dos interesses das populações e dos cidadãos trabalhadores/consumidores... isto para não falar dos desempregados que, dos 600.000 em Portugal aos milhões que contabilizaremos na UE, dificilmente reintegrarão, no curto ou no médio prazo, o mercado de trabalho.

A morte de Nino Vieira - entre a previsibilidade e o imprevisto


Morreu Nino Vieira. Presidente da Guiné-Bissau, eleito por 3 vezes, Nino, nome de guerrilha pelo qual ficou conhecido João Bernardo Vieira, esteve 21 anos no poder, inaugurando na África subsaariana o exercício da democracia eleitoral. Uma morte várias vezes prevista, é certo mas, preocupante para toda a África, nomeadamente a África ocidental onde se procura a estabilidade política e onde dificilmente se constrói qualquer economia... na verdade, as sociedades africanas continuam a debater-se com a extrema pobreza e a miséria, marcadas pela repetitiva acção da guerra e da fome, da seca, das epidemias e do abuso do poder... A morte de Nino Vieira traz à memória os fantasmas das lutas tribais e fraticidas que o envolvimento no narcotráfico pode reactivar já que a economia paralela é aquela pela qual mais facilmente se acede a meios financeiros infelizmente investidos, em proporção significativa, em armamento - opção considerada comum num contexto onde a prática democrática é ainda frágil e dada, nomeadamente, a conjuntura política regional e continental onde direitos humanos ou a simples erradicação da fome, não são prioridades inequívocas. Multicultural, a Guiné-Bissau representa um caso exemplar de como a tomada do poder a qualquer preço é ainda um recurso que medra como cenário político nos países mais pobres do mundo... a condenação do assassinato de Nino Vieira foi imediatamente anunciada pela União Africana, Angola, Moçambique, Portugal, a CEDEAO e a CPLP - que reúne esta tarde de emergência para analisar a situação guineense e africana... a situação é, efectivamente, grave. Com a actual crise financeira a resvalar para a economia real, a situação altamente fragilizada e deficitária dos países pobres corre sérios riscos, pela vulnerabilidade político-económica das suas sociedades, expostas, sem defesa, ao dispor da exploração nas piores formas que a economia paralela pode assumir.

Pancho Villa...




"Esquadrão Guilhotina" de Guillermo Arriaga é um livro cuja acção se situa na primeira década do século XX, durante a Revolução em que, no México, foram protagonistas Francisco Villa e Emiliano Zapata. Com humor e um sentido metafórico sobre os bastidores de todas as guerras, Guillermo Arriaga, mexicano, historiador, autor de outro livro já publicado em Portugal, "O Búfalo da Noite", assinou argumentos cinematográficos premiados internacionalmente por várias vezes em Cannes: "Babel", "Amor Cão", "Três Enterros de um Homem" e "21 Gramas"... Com uma investigação histórica credível, Guillermo Arriaga tem em "Esquadrão Guilhotina" uma parábola aos estereotipos, aos acasos e oportunismos dos "situacionistas" que, no caso, a título de exemplo, integraram as forças de Pancho Villa, no México rural e pobre de inícios do século passado, que as guerrilhas lideradas por ele próprio e por Emiliano Zapata, transformaram na Revolução Mexicana. O conhecimento do terreno e o olhar atento às dinâmicas interpessoais fazem de "Esquadrão Guilhotina" um exemplo da boa literatura que, associando o espírito jornalista e o humor, nos leva a ler, num ápice, um história bem contada, cujo final nos permite o sentimento de que há modos vários de dizer a verdade e transmitir o sentido...