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O meu país olhou-se ao espelho... e viu a imagem mal composta de partes de si, dispersas, pelo chão e pelos ares... viu os sonhos e as memórias de um tempo melhor que acreditou inteiro, afastando-se para sempre do pesadelo de que saiu em Abril, vai já para mais de 35 anos... e viu a realidade aproximar-se, cada vez mais velozmente, de uma outra paisagem, despida de gente, árvores e alento... o meu país, ao espelho, sonha consigo... devagarinho, em voz baixa, ao som de uma esperança que se reinventa a si própria para não soçobrar... o meu país, ao espelho, chora... pela crença convicta de ter ganho a luta do medo e pela consciência de que os medos renascem a cada passo na capacidade camaleónica que a desesperança confere aos seres colocados perante um dilema que mal conhecem, sobre o qual preferem não se pronunciar... do meu país, esse país que se orgulhava da sua imagem ao espelho, resta apenas a consciência de ser reflexo - a sombra de um desejo que no mundo encontrou, no intervalo da vida, o único reino da existência que o passado semeou e que o presente ainda não emancipou... o meu país, ao espelho, é uma imagem de si, uma imagem que evita fugir do que de si fizeram, com e sem o seu acordo - ou, até mesmo, contra ele... ao meu país resta, portanto, olhar de frente o espelho... e perceber, no que se esconde, a verdade do que há a revelar e, no que se mostra, o que há a corrigir... o meu país tem mãos e voz e pensamento... não pode, por isso, resumir-se aos figurantes que alegam ser seus representantes e dele nada dizem senão o mal que nos outros reconhecem, apenas e só na exacta medida da sua mesquinha ambição de poder... o meu país, adormecido, olha-se ao espelho, estremunhado... um dia, o meu país acorda e já não quer olhar-se ao espelho no caleidoscópio das palavras gratuitas de uns e outros... um dia, o meu país acorda decidido a viver e, nesse dia, rasgará (ele sim, rasgará) as ilusões com que lhe vendem os sonhos e lhe escravizam a alma... nesse dia, o meu país, acordado, não vai dar atenção às razões que justificam o mau-estar e vai, isso sim, querer acabar com o mau-estar... é por isso que é preciso combater a fome, o desemprego e a hipocrisia... é por isso que é importante dar razão de ser à esperança, no meu país... porque o meu país, ao acordar zangado, pode enganar-se na forma como se levanta contra o que o castiga e acabar por dar "um tiro no pé"...