domingo, 7 de fevereiro de 2010

Europa do Sul - um rosto para a crise europeia


A crise evidenciou um problema antigo que entrou no silêncio da discussão europeia... um problema que se colocou e de que deixou de se falar como se tivesse deixado de existir: a Europa a Duas Velocidades. Hoje, o problema não se coloca em termos de discriminação à partida mas, não tendo sido resolvida de facto a razão de ser que assitia a que se colocasse, defrontamo-nos agora com os resultados da capacidade de reacção a uma crise que, como um todo, atingiu todo o Espaço Euro e que, bem vistas as coisas, acaba por reeditar o problema. A Europa do Sul (Espanha, Grécia, Itália e Portugal) não está em condições de enfrentar o problema da redução do deficit no quadro do cumprimento dos procedimentos impostos pela regulação de Bruxelas, dado o elevado nível de dependência do financiamento externo das suas economias e as respectivas fragilidades no que respeita à sustentabilidade interna que, de modo diferente mas, igualmente deficitário, não respondem aos objectivos do Banco Central Europeu. Ora, considerando que, tal como disseram hoje, no programa "Olhar o Mundo" da RTP-N coordenado pela jornalista Márcia Rodrigues, os interlocutores convidados, a saber, Carlos Santos, Professor de Economia da Universidade Católica do Porto e Paulo Ferreira, Editor de Economia da RTP, não estando previstos mecanismos formais na União Europeia para resolver o problema dos incumprimentos, o problema da Europa do Sul é, antes de mais, um problema da União Europeia. Na verdade, este é um dos "vazios" da arquitectura institucional europeia para que o Professor Fausto de Quadros, especialista em Direito Institucional Comunitário, vem alertando desde pelo menos 1988... Foram precisos 22 anos para que o lapso se tornasse um problema incontestado designadamente perante a possibilidade da Grécia entrar em bancarrota e, quiçá!, outros se lhe seguirem... o facto é que a União Política que se construiu para aumentar o potencial da União Económica, relativizou as condições socio-económicas dos países da Europa do Sul e, ao invés de criar mecanismos adequados de compensação que lhes permitissem a consolidação das condições indispensáveis à concorrência e competitividade dos mercados, exerceu a igualdade de tratamento entre todos os seus membros, respondendo desta forma à acusação de discriminação com que os pequenos países encararam a questão da Europa a Duas Velocidades. Foi assim criada uma igualdade de oportunidades que se veio a revelar plataforma de agravamento de desigualdades, viabilizando a invenção artificial de níveis de desenvolvimento por parte dos Governos de cada pequeno país, no esforço de cumprir critérios de convergência que, de outra forma, não poderiam ter sido alcançados. O tecido sociológico dos países em causa, profundamente marcado pela ruralidade, o inter-conhecimento, o autoritarismo político e a estratificação social não podia, em 2 ou 3 décadas, pela simples injecção de capitais que, sob a forma de fundos comunitários, chegaram a Governos sem experiência técnica da sua gestão, resolver o problema e homogeneizar a orgânica do mercado económico europeu. A Europa do Sul tem corrido atrás dos indicadores de desenvolvimento da Europa do Norte, tudo fazendo para corresponder a uma imagem que não coincide com a dos seus tecidos sociais. O facto tem a sua expressão inequívoca nas taxas de pobreza, desemprego e mobilidade que caracterizam hoje o espaço europeu, em particular, ao sul. Por isso, o problema da economia portuguesa que é, endogenamente, um problema nacional é agora, politicamente, um problema europeu. E a solução requer, mais uma vez e como sempre, coragem política... coragem política não só para assumir como meta o reequilíbrio da distribuição da riqueza que aponta para medidas de aumento da receita incidindo na redução ou congelamento de prémios, aposentações e vencimentos de dirigentes e para o aumento da fiscalização da "fuga ao fisco"... mas, também, coragem política para não reduzir os direitos dos trabalhadores, para não congelar ou reduzir salários, para fomentar a criação de emprego e para desenvolver políticas sociais... contudo, a coragem política que hoje se exige é mais do que tudo isto... a coragem política que hoje é indispensável à Europa do Sul é a da renegociação dos procedimentos e dos mecanismos comunitários de apoio ao desenvolvimento das economias nacionais... com objectividade e sem o recurso às realidades ficcionadas em que andamos a viver há mais de duas décadas.

10 comentários:

  1. Estava aqui a analisar as políticas de acompanhamento do Mercado interno e a pensar como elas se tem vindo a diluir no tempo. Mais grave, ainda, foi não ter havido medidas de acompanhamento a uma certa forma de compreender a política e a vida. É interessante verificar como o problema maior do nosso endividamento vem quase sempre do único instrumento que poderíamos manipular, a política orçamental.Tivessem os poderes público, aparentemente tomados por elites nacionais, terem sabido criar um Estado igualitário e blindado, desprovido do tique da política de açambarcamento da refeição pública, e talvez o estado da nação fosse outro.

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  2. Obrigado pelo lúcido contributo, Maioria Silenciosa... como há pouco escrevia em resposta a um dos comentários, o pior é que não estamos perante um problema de ausência de "massa crítica" mas, isso sim, de falta de coragem política... ou, mais precisamente, na intencional negligência que subjaz e sustenta a sua invisibilidade...
    ... mais uma vez, obrigado!

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  3. Tenho andado aqui a escutar analistas, jornalistas e outros “istas” ligados à política e que de um dia para o outro, salvo raras excepções, descobriram agora que o país está em maus lençóis, como se diz na minha terra!
    O problema é antigo, começou no 1º quadro comunitário, quando os fundos foram entregues a quem foi escolhido para comprar quintas, carros, propriedades para se construírem grandes piscinas e casas de ferias.
    Foi assim no Sul e no Norte. Toda a gente sabia, mas os governantes deixavam e o povo português tem um ditado para este tipo de coisas” quem teve unhas tocou guitarra”.
    As empresas criadas no inicio estão praticamente todas fechadas, as que sobrevivem, salvo raríssimas excepções, ou continuaram a ter apoio dos quadros seguintes, das medidas de apoio extraordinárias ou dos programas criados de cada vez que o barco tremeu, ou são aquelas que não tiveram apoios, dêem-se ao trabalho de verificar se estou ou não a dizer a verdade!
    Hoje, com quadros comunitários mais apertados, com uma crise internacional, a nossa fragilidade ficou á vista!
    Mas mesmo assim, e quando verificamos que os exemplos que chegam de cima são mais uma vez “quem tem unhas é que toca guitarra”, voltamos a safar-nos como podemos. As empresas não podem aceitar trabalhos, porque á boleia da crise despediram os funcionários, e agora não podem num prazo curto de tempo colocar outros, então o mais simples é não aceitar as encomendas (este facto constatei-o eu mesma, ninguém me contou)!
    Tenta-se enganar o Fisco, afinal os de cima também o fazem!
    Tenta-se fazer um trabalhinho sem papeis, pois está-se reformado, e se os de cima podem ter reformas milionárias e continuar a trabalhar, porque não nós!
    Tenta-se um apoio para o pai, que já tem uma certa idade, e não precisa de apoio, mas se os profissionais liberais que só apresentam os rendimentos que querem, podem ter bolsas para os filhos e para os pais porque não nós!
    Continua-se a pratica do “Alguém nos há-de salvar”, sempre foi assim porque seria agora diferente!
    E apesar das catástrofes agregadas agora aos ventos, encolhemos os ombros e continuamos nós e os que por nós decidem a fazer orelhas moucas e a viver de fachada!
    Um dia isto rebenta, disto não nos podemos escapar, a não ser que os nossos dirigentes mudem de caminho e nos obriguem a mudar!
    Lurdes

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  4. Lurdes,
    Sinceramente, obrigado pelo testemunho... é, de facto, como dizes. Gostaria de acrescentar alguma coisa mas, na verdade, as tuas palavras chegam para ilustrar a dimensão prática em que se reflecte, no concreto, o problema. Há pouco deixei um comentário a um texto do Lopes Guerreiro no Alvitrando - queres lá ir espreitar?
    Um beijinho.

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  5. Desculpe a extenção dos meus comentários, Querida Ana Paula...
    Deixo aqui um texto do blogue "Crónicas da Planície" de André Miguel para reflectir... é que hoje fui almoçar a casa da minha mãe e ela disse-me, que segue os blogues todos por onde andam as filhas "andam" e depois acrescentou:- "vocês bloggers, andam num Mundo completamente à parte... parece que estão isolados dentro de uma gigante bolha, do Mundo real!"
    Resolvi apreciar à saída, o comportamento das pessoas e não passar a correr na cidade ou no meio das pessoas!... :)) e não é que fiquei com a real sensação do que me tinha feito ver?! Anda tudo assim tão alienado?! seremos uma minoria?! Depois li este artigo e fiquei esclarecida!

    «A culpa é nossa
    A confusão está instalada e o país está ao rubro.
    A economia de rastos, as agências de rating e as bolsas a pressionarem cada vez mais, a justiça a passo de caracol, a saúde ineficaz, o desemprego a explodir e José Sócrates preocupado com máriocrespisses e umas migalhas a mais para a Madeira. O futuro parece negro, ou pelo menos, incerto certamente que o é. Mas a culpa de tudo isto é nossa, só nossa e de mais ninguém.
    Culpa nossa, porque votamos e não exigimos, reclamamos mas não nos informamos, protestamos e não nos aplicamos, trabalhamos a pensar só no fim do mês, promovemos a cunha e o favorzinho ao invés do mérito, não pedimos factura para nos esquivarmos a 20%, reclamamos com o professor ao invés de exigir dos nossos filhos, aproveitamos a baixa médica porque as férias são curtas, acreditamos que ninguém enriquece com o suor do seu trabalho, julgamos que o colega é promovido só porque é um lambe botas, vendemos inflacionado para ganhar tudo de uma só vez, vamos de férias para a neve depois de despedir mais 100 colaboradores, reclamamos com o ministro da agricultura porque os subsídios não chegam para comprar outro todo-o-terreno, acusamos os subordinados de incapazes quando a maior incompetência é ter incompetentes a trabalhar para si, preferimos comprar a Caras ou a Lux a ler o Diário Económico, gostamos mais da telenovela que do telejornal, discutimos tudo e mais mais alguma coisa com superior sapiência na tasca da esquina mas na hora de chegar à frente "Ah e tal não posso...", achamos que a culpa é sempre do parceiro do lado e nunca nossa, etc, etc, etc…
    Os nossos políticos vêm da mesma massa populacional que todos nós, foram paridos pelo mesmo país que os seus cidadãos, andaram nas mesmas escolas, nas mesmas universidades, resumindo: são iguais a todos nós. Não é à toa que cada povo tem os governantes que merece, pois antes de governar também eles foram, tal como serão sempre, parte do povo.
    Enquanto não nos recordarmos que ao apontarmos o dedo temos três a apontar para nós, nada feito. É chegada a hora de olhar bem no mais profundo das nossas consciências, enquanto fazemos fé num dos ensinamentos de Kennedy: não devemos perguntar o que o país pode fazer por nós, mas o que nós podemos fazer pelo país. Portugal, mais do que nunca, precisa e agradece.»
    Publicada por André Miguel

    Se calhar, andamos noutro PLANETA mesmo!!!
    Um beijinho de um grão de pó. :)

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  6. Os seus comentários nunca são excessivos, Fada do Bosque... temos sempre tanto a aprender!... é bom que as nossas mães e o mundo nos chamem a atenção para a dimensão do "outro" olhar... o olhar de quem vê com pragmatismo e se não distrai no uso das grandes capacidades ainda demasiadamente em desuso, do exercício crítico e do sonho... é assim que aprendemos a educar o olhar na compreensão do outro... ficamos assim a perceber que, como diz o André Miguel (de um blog que fiquei agora a conhecer), podemos com eficácia pensar no que podemos fazer porque vivemos um mundo onde de todos se pode dizer, como o disse António Aleixo: "Não sou parvo nem bruto/Nem bem nem mal-educado/Sou apenas o produto/Do meio em que fui criado" :)
    ... pois... de qualquer modo é preciso que a utopia caminhe à nossa frente não como objectivo cego de exigência inegociável mas como referencial para o aperfeiçoamento constante... se assim não tivesse sido feita a História da Humanidade, menos nos teriamos afastado de uma inquestionável escravatura e do que nos permitiu conceptualizar os Direitos Humanos... e reivindicá-los!... Dizia o Sebastião da Gama: "Pelo sonho é que vamos"... e vamos, sem esquecer os condicionalismos das pessoas, dos grupos e da sociedade que, se não podem legitimar as mais absurdas práticas, não podem tornar-nos tão distanciados da realidade ao ponto de nem as palavras terem sentido... pelo sonho e pela palavra, pela utopia e a compreensão do outro continuaremos fazendo as aproximações possíveis ao real, com a consciência tranquila por de nós partilharmos o nosso melhor...
    Um pirilampo mais feliz por ver que os desassossegos encontram sempre um ponto de acalmia onde retemperar as forças :)

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  7. Olá, Ana,
    Deixe-me ser irónica: É só a "duas velocidades"?! (risos). Bem, o assunto não é para desresponsabilizações, mas (ainda que leiga) já não seria a primeira vez que insisto que, em matéria económica, um dos problemas traduz-se no abismo entre a avaliação económica e a análise financeira de projectos, ou seja, uma discrepância que se traduz em níveis de incidência diferentes por se esquecer da amplitude das consequências de uma dada aplicação de recursos… pois: "coragem política"!!!
    Abraço.

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  8. errata- extensão...

    Obrigada Ana Paula pela sua reconfortante e inteligente resposta, como sempre... mas esta tocou-me bem fundo.
    Realmente temos de ter a consciência tranquila e partilhar as palavras, os sonhos e o nosso melhor.
    Sim Pirilampo Iluminado, aqui encontra-se a acalmia da compreensão, no desabafo.
    Obrigada pela sua sabedoria e coragem na divulgação daquilo que é injusto.
    Um beijinho. :)

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  9. realmente, a crise que esta afetada na Europa cada vez mais contagiante e muito preocupante.Apesar de tudo isso não duvidirei que que possa piorar e até mesmo passar até mesmo para o Mercosul,Nafta nem tanto e nem para os Tigres Asiáticos. Mas, para mim, acho que essa crise , esse conflito ,essa guerra poderá ser ganhada.
    dependerá muito do governo e disso mostrar que a U.E. tem "uma arma contra tudo isso".

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  10. realmente, a crise que esta afetada na Europa cada vez mais contagiante e muito preocupante.Apesar de tudo isso não duvidirei que que possa piorar e até mesmo passar até mesmo para o Mercosul,Nafta nem tanto e nem para os Tigres Asiáticos. Mas, para mim, acho que essa crise , esse conflito ,essa guerra poderá ser ganhada.
    dependerá muito do governo e disso mostrar que a U.E. tem "uma arma contra tudo isso".

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