quarta-feira, 17 de março de 2010

Do PEC às Funções Sociais do Estado...

Confesso! Ainda não compreendi a razão pela qual se chama PEC-Programa de Estabilidade e Crescimento ao... PEC! O rigor requeria que o documento se designasse, honesta e frontalmente, Programa de Austeridade para o Combate à Crise... no mínimo! - e para além de todas as justas e merecidas críticas que o nome aqui sugerido pudesse implicar mas teria, pelo menos, o mérito de não efabular os objectivos das medidas a adoptar e de não desvirtuar os conceitos de "estabilidade" e "crescimento"!... porque é uma amarga e desrespeitosa ironia, designar por "programa de estabilidade e crescimento" um conjunto de medidas que incidem mais sobre os mais pobres do que sobre a taxa de 45% de IRS ou o adiamento de infra-estruturas, no contexto de uma hipótese decorrente de uma espécie de "overbooking", previsto para os utentes dependentes de prestações sociais como o subsídio de desemprego, o Rendimento Social de Inserção ou o suplemento complementar para idosos (vale a pena ler o que Paulo Pedroso bem escreveu sobre a matéria no Banco Corrido). Vejamos... quando se designa e anuncia um documento desta natureza, num clima socio-económico fragilizado como o nosso, como instrumento de apoio ao crescimento e à estabilidade, está, assumidamente!, a perverter-se a linguagem, a ideologia e a percepção cívica da governibilidade de toda uma população que vive de facto!, cada vez mais, em dificuldades, num cenário onde não páram de crescer os apelos aos sacrifícios colectivos - que, a serem feitos, deveriam ser fundamentados, justificados e compreendidos como expressão de "último recurso", no quadro de uma governação que valorizasse e defendesse, "de factum" e "de jure", as funções sociais do Estado. É caso para reflectir... porque fica cada vez mais inverosímil a defesa destas propostas e procedimentos adoptados por quem governa e constrói o referido programa a pensar em termos pauperrimamente economicistas, reduzindo a vida nacional ao deficit e ao esforço de controle das contas públicas que o exterior tutela e penaliza, em prejuízo da sociedade portuguesa e do efectivo crescimento da economia nacional - que, diga-se em abono da verdade!, se dá ao luxo de se pensar e apregoar, ignorando potencialidades de investimento e desenvolvimento de sectores estratégicos nacionais de que destaco, a título de mero exemplo, a indústria naval portuguesa.

6 comentários:

  1. Mantém-se a lógica mistificadora do PEC ligado à União Monetária que, como toda a gente já percebeu - e era bom que o MF também tivesse percebido -, não assegura a estabilidade económica e, muito menos, o crescimento.
    Portanto, de emprego nem quer ouvir falar. O PEC de Bruxelas só está interessado na estabilidade monetária e no controlo da inflação.
    O nosso PEC sendo filho "legítimo" do de Bruxelas não vai resolver a situação dos portugueses, mesmo com todas as injustiças, grandes e pequenas, que ele encerra, porque não haverá crescimento. Todos os PEC remetidos à Comissão Europeia assentam numa ficção de crescimento, que não ocorrerá, exactamente por se tratar de uma ficção.
    O mais grave é que a própria Comissão já o disse ou está em vias de o dizer, exigindo mais austeridade para garantir o equilíbrio orçamental imposto por essa nova entidade do sacro-império romano-germânico chamada BCE, pseudónimo de Bundesbank.
    Escrevi sobre isto
    Abraço
    CP

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  2. Caro JMCorreia-Pinto,
    Obrigado pelo seu elucidativo e assertivo comentário que, naturalmente, subscrevo na íntegra. É, de facto, uma "lógica mistificadora" a que tem presidido à apresentação e discussão do PEC... pelo que se torna ainda mais chocante essa "ficção de crescimento" com que se ilude uma discussão que afinal não incide sobre crescimento algum.
    Vou (naturalmente e como sempre!) ler o Politeia.
    Um grande abraço :)

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  3. Olá Ana,
    "Austeirdade", mas que palavra tão transparente! Tudo menos transparência… Ao extinguir-se o PEC (Pagamento Especial por Conta) havia que aproveitar-se o rasgo de luz (até o IDEFF vai problematizar o PEC) … Não há nada detalhado porque até 2013 haverá tempo para dizer que: os objectivos inicias já estão desenquadrados da situação inicial…

    O meu abraço.

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  4. Jeune Dame :)
    ... é brilhante o rigor e o poder corrosivo da amarga ironia com que vamos deixando adiar os dias... expostos ao ritmo do que não somos, do que não queremos e do que não pensamos...

    O meu abraço, Jeune Dame. ... Obrigado :)

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  5. Cara Ana Paula Fitas,
    estou de acordo com a mesquinhez estratégica do PEC, ligado à estabilidade monetária como nos diz JM Correia Pinto, porquanto como disse Jorge Sampaio ( ligado às eventuais dicas de Daniel Sampaio )"há vida além do défice".

    Contudo, o problema passa por resolver rapidamente a presente crise demográfica Europeia e da concorrência injusta das potências emergentes que não são signatárias de uma consciência respeitadora dos Direitos do Homem...

    Concordo inteiramente com a Ana ao dizer que a designação de PEC "peca" por ser um mero eufemismo retórico...

    Se o genial Rafael Bordalo Pinheiro fosse vivo teria aqui valentes argumentos para a sua sátira política que tanto o prestigiara, pois os políticos de tanto emagrecerem o Zé Povinho com o apertar do cinto lhe faria com certeza saltar as Tripas...

    Subscrevo que só a defesa intransigente das funções Sociais do Estado pode garantir o cumprimento do Homem Universal, ou pleno, por meio da inteligência emocional e e dos Direitos .
    Humanos, sendo trilhos inilúdiveis de progressismo social.

    Nuno Sotto Mayor Ferrao
    www.cronicasdoprofessorferrao.blogs.sapo.pt

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  6. Caro Nuno Sotto Mayor Ferrão,

    Antes de mais, as minhas desculpas por só responder agora... os afazeres diários têm feito com que passe por aqui um pouco a correr e sem a atenção devida aos amigos e aos que colaboram nesta cidadania participativa de que não podemos desistir.

    Quanto ao seu comentário, caro amigo, deixe que lhe agradeça, sinceramente, as palavras justas, clarividentes e pedagógicas.
    Um grande abraço.
    Um

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