domingo, 17 de outubro de 2010

Angela Merkel, o paradigma da desinteligência europeia


Angela Merkel veio hoje anunciar que a sociedade multicultural falhou na Alemanha (ler Aqui). A falta de cultura e a evidente desinteligência estratégica reveladas por esta declaração devem ser encaradas com efectiva preocupação por todos os cidadãos europeus. De facto, para além da conhecida xenofobia germanófila (vale a pena ler o texto de Carlos Fonseca), o problema tem hoje uma dimensão gravissima designadamente por ter sido enunciado desta assertiva e negativa forma, pela líder política de uma das mais poderosas economias europeias. A verdade é que, antes de mais, esta afirmação é uma inaceitável asneira conceptual porque a construção da sociedade multicultural é um processo em permanente consolidação que depende da atenção político-pedagógica e cívica socialmente reconhecida no que à importância desta questão respeita e que se constitui como peça fundamental para a coexistência pacífica dos cidadãos. O sucesso desta construção não depende, por isso, de um decreto nem tem, obviamente, prazo de conclusão! Por isso, Angela Merkel deu o sinal maior da sua verdadeira ignorância científica e da sua incompetência política na gestão social de uma qualquer população. Como se tudo isto não fosse já, por si, suficientemente grave, dois factos acrescem ainda à hecatombe socio-política das declarações de Merkel: por um lado, em plena crise, institucionalizar a xenofobia reconhecendo que a não-discriminação não é prática e valor incontornável das sociedades em que participamos é uma forma de legitimar a violência social e criar condições para o aumento dos crimes de ódio que, para além de cruéis e profundamente injustos e infundados, servem apenas para criar mais instabilidade, insegurança, medo e agressividade entre as pessoas, 84 milhões das quais são pobres! Por outro lado, uma afirmação desta natureza deixa enunciada a desresponsabilização política pela defesa dos Direitos Humanos, dos princípios da igualdade de tratamento e de oportunidades para todos, da não-discriminação e da valorização da diversidade. Com esta declaração, a União Europeia neoliberal e capitalista no plano económico-financeiro, passou a assumir uma ideologia política e social perigosa, que cabe a todos nós, defensores de um projecto de Europa Social, combater sem tréguas.

18 comentários:

  1. Ana Paula,
    um violento disparate de uma líder sem categoria como se tem visto no desenrolar dos anos e que, mesmo a nível da Alemanha, está a demonstrar os seus efeitos com os resultados dos últimos actos eleitorais para os estados em que o seu partido tem perdido.
    A falta de categoria dos actuais líderes europeus (a que aliás faço referencia no meu último poste) está aqui mais uma vez demonstrado.
    Estão a querer cavar o fim da UE. Cabe-nos a nós não deixar.
    Um abraço.

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  2. Querida Ana Paula,

    Maus tempos vêm aí por toda Europa. Estamos entregues a lideranças medíocres, sem visão nem memória. Estas declarações da Merkel são absolutamente pavorosas.

    Beijinho

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  3. porquê não questionar nada? o multicultarismo tem que ser múto. o contariar um mal estar evidente é a melhor forma de perigosamente dar espaço aos xenófobos. Se uma europeia for a um pais árabe, coloca um véu, e aceita essa "obrigação" é apenas um sinal de respeito. Existem algumas questões que o multicularismo não dá resposta, tem que haver alguma aculturação. A europeia não deve exigir o direito de usar mini-saia num país árabe. Os imigrantes têm que "dar2 algo de cultural

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  4. Miguel,
    Um disparate perigoso, irresponsável que merece, de facto, que chamemos pelos nomes o que está em causa, assunto sobre o qual o Miguel põe o "dedo na ferida": os políticos que hoje lideram e representam as populações estão muito aquém do que seria útil, adequado e necessário... A UE é, nestes termos, o grande exemplo e como o Miguel bem diz: "Estão a querer cavar o fim da UE. Cabe-nos a nós não deixar."
    Um grande abraço.

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  5. Querida Ariel,
    Excelente e clara síntese... são tempos maus os que se aproximam e a mediocridade das lideranças políticas só agrava e acelera os problemas.
    Um beijinho :)

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  6. Caro Anónimo,
    Obrigado por ter vindo até aqui... a questão que aqui coloca é o cerne do problema: o empenho e o esforço na construção da sociedade multicultural têm que ser mútuos! É por isso que nenhuma das partes pode desistir de responsavelmente continuar esta construção onde a aculturação pacífica e recíproca resultante da valorização e do respeito pela diversidade é uma mais-valia enriquecedora para todos nós.
    Volte sempre!

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  7. Ana Paula,

    Muito bem! Como enfatiza, a xenofobia é contrária a tudo o que seja correcto e de bom senso nas relações entre povos; sobretudo, é fortemente adversa da construção da Europa Social. O mais grave é que, na Alemanha, a Sr.ª Merkel, além de não combater a tendência, está acompanhada de muitos na afronta racista.
    Obrigado.
    Um abraço de sincera amizade,
    Carlos Fonseca

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  8. Temo que não seja mero disparate e que estas declarações da Merkel, que a Ariel considera pavorosas, serão uma forma de responder às pressões que estará a sofrer por parte de sectores influentes do seu partido. Tais afirmações concorrem para que se retirem conclusões semelhantes a nível do espaço europeu. Daí até ao aparecimento de politicas explosivas irá um passo que muitos desejam. A situação é realmente preocupante!

    Oportuno post, minha cara amiga

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  9. Carlos,
    Antes de mais, sou eu que agradeço o seu texto para o qual fiz link :)
    ... depois, sim, Carlos, o que é grave é o enquadramento político favorável em que a declaração é proferida não só na Alemanha mas, por toda a Europa: lembremo-nos do governo holandês com apoio da extrema-direita, de Sarkozy em França, de Berlusconi na Itália, da frágil situação da Bélgica dividida entre Valões e Flamengos e todas as vozes que, por todo o lado, aproveitam sempre os efeitos das contrariedades económicas para diminuir a democracia e promover a xenofobia... Temos uma Europa para construir e não podemos perder esta grande batalha democrática.
    Um grato e grande abraço Carlos, de sincera amizade e admiração.

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  10. Rogério,
    As suas palavras chegam na senda das que acabei de escrever responder ao amigo Carlos Fonseca... temos pela frente duras batalhas porque nos estão a confrontar com um exército político armado de euros e instituições que nos dominam... o futuro que ainda não chegou já se faz anunciar, doendo!
    Resistir é, pois, a palavra de ordem... e continuar a rever e a pensar o "manifesto dos economistas horrorizados" que o Rogério ainda há pouco tempo voltou a recordar :)
    Um abraço.

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  11. Combater sem tréguas. Concordo. Faltam, contudo, generais ou "generalas" que comandem o combate e impeçam a "onda" de alastrar nesta Europa actual onde a ética, a moral e a solidariedade cederam a primazia aos mercados às finanças e à economia. O que a Sra Merkel está afinal a dizer é que os outros são um estorvo na medida em que não contribuem para o aumento da produtividade alemã. A economia: o alfa e ómega ...

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  12. Nanda,
    ... sim, o alfa e o ómega com que se trocam princípios por interesses e ideias que diminuem a dimensão humana... faltam, sim, Nanda, faltam pessoas com capacidade de liderança, carácter, carisma e uma ética capaz de conjugar criatividade e razoabilidade... e sim, Nanda, considerar os outros "um estorvo" é próprio de um egoísmo que projecta sempre as culpas para fora de si, pensando proteger-se e ignorando que o próprio desenvolvimento das competências humanas resultou da troca, do intercâmbio e não do segregacionismo...
    Obrigado.
    Um abraço.

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  13. Cara Ana Paula Fitas
    Absolutamente de acordo consigo...
    Merkel assume a posição de cangalheira de si própria ao fazer o funeral da Alemanha multicultural e na qual coabitam comunidades de várias culturas em boa harmonia.
    Abraço amigo :)
    Ana Brito

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  14. Cara Ana Paula,

    Creio que importará reflectir sobre os conceitos que estão relacionados com esta matéria.

    Sem esquecer que a ideia de "cultura" vem sofrendo evidentes mudanças, tal como, por exemplo, sabiamente tem demonstrado Alvin Toffler, gostava de me situar aqui (embora com a óbvia limitação que este fórum supõe), ao nível de dois conceitos: - O "multiculturalismo" e o "interculturalismo.

    Assim, creio que esta matéria nos remete para a já longa discussão em torno dos conceitos "multiculturalismo" e de "interculturalismo" e da respectiva aplicação, segundo os diversos contextos e situações geográfico-culturais, económicas ou políticas (entendidas como variáveis moderadoras, de forma directa ou indirecta).
    Em definitivo, embora admita outro tipo de abordagem para este assunto, importa reflectir sobre os objectivos alcançar e sobre a metodologia mais adequada para tal [tudo isto situado ao nível da clarificação conceptual].

    De facto, sem prejuízo dos posicionamentos políticos, cívicos e éticos da referida senhora, trata-se de evidenciar que a "multicultalidade" se refere à coexistência de diferentes entes culturais, ficando os "entes mais vulneráveis" aditivamente, também, "mais vulneráveis", pelas razões conhecidas. Em muitos casos, este conceito acaba, infelizmente, por derivar em processos etnocêntricos, nada afins à sua natureza.

    Em contraposição, a "interculturalidade", mais do que o reconhecimento da coexistência desses entes culturais, situa-se ao nível da respectiva interdependência e interacção. Bem entendido, que este "modelo" também tem os seus pontos fracos, não se podendo ignorar, por exemplo, que existem diversos graus e formas de vulnerabilidade nesses entes.
    A evidência diz-nos que a perspectiva da "interculturalidade" parece ser mais ousada que a "multiculturalidade", pois tem na sua natureza e metodologia a necessidade das interdependência e interacção antes referidas, aliás, como suporte determinante da vitalidade daquele modelo próprio "modelo".
    Enfim, entre tantas discussões sobre conceitos, uma verdade sobra: Ainda estamos longe de encarar as coisas numa perspectiva simultaneamente personalista, humanista e universalista.
    Um abraço
    Manuel Barroso

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  15. Amiga Paula,

    ...no meu entender, o problema gravíssimo é o de se confundirem Seres Humanos e Cidadãos com Capital Humano... pessoas = mercado, tipo «coisas» descartáveis...e na minha opinião, talvez, a Senhora devesse fazer reciclagem e/ou acções de formação na área da pedagogia da essência e pedagogia da existência...porque essa separação abysmal e decretada só nos conduzirá ao inferno, não o de Dante mas o do Fuhrer... :( e mais o conceito de Capital Humano deveria ser riscado do nosso vocabulário... :(

    Oxalá aceite minha proposta;)

    Abraço Grande

    M. José

    Namasté

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  16. Cara Ana Brito,
    De facto, estas declarações de Angela Merkel revelam o minimizar irresponsável de uma consciência social que, por toda a Europa, é urgente reeditar...
    Um abraço amigo :)

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  17. Caro Manuel Barroso,
    Obrigado por este construtivo contributo, assente na consciência da urgência de um real investimento no reforço dos mecanismos que, civicamente, concorrem para a paz, a segurança e a coexistência pacífica da diversidade no espaço europeu.
    Agradeço particularmente a abordagem conceptual do multiculturalismo que, enquanto simples constatação da pluralidade cultural existente num determinado território, não significa necessariamente o sucesso socio-político de um grau equitativamente satisfatório de integração e inclusão social de indivíduos e grupos coexistentes no espaço mas, culturalmente diversos. Daí que eu tenha enunciado a questão da estratégia pedagógico-política como o problema essencial da irresponsabilidade da chanceler alemã... porque se, na realidade, pretendemos construir uma Europa Social Inter-Cultural (interpretado o "interculturalismo" como realidade ou referencial significante de uma representação social colectiva não problematizadora das relações multiculturais e onde a valorização da diversidade se encontra interiorizada ao ponto de já não ser um factor de tensão ou potencial conflito), é fundamental reforçar os mecanismos inerentes ao desenvolvimento de uma dinâmica multicultural capaz de promover relações socio-económicas e interpessoais que não encontrem nas dimensões culturais (designadamente, religiosa e étnica) motivo e pretexto de desigualdade social... mas, como bem dizes, meu amigo, este é um caminho ainda por construir... uma construção que requer prudência, inteligência e boa-fé no contexto de uma intencionalidade política direccionada pedagogicamente, de que esteja afastada a demagogia populista da verbalização gratuita em cujo contexto emerge, contraditório e perigoso, o sentido imprudente das palavras de Merkel que, queiramos ou não, será lido por governantes e cidadãos de forma antagónica, com consequências sociais graves que, em particular neste momento, toda a Europa dispensa.
    Continuemos, Manuel, continuemos na senda de um caminho mais humanista, capaz de, com vocação universal, valorizar, promover e valorizar o indivíduo - condição "sine qua non" de uma sociedade mais justa e mais competente para permitir a todos e a cada um, o tal "desenvolvimento integral" do ser humano :)
    Um abraço.

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  18. Minha querida amiga :)
    ... grande ideia essa de acabar com a expressão "capital humano" :)
    ... de facto, os símbolos são essencialmente significantes e, por isso, a expressão é, ao contrário do que se possa pensar, sinónimo de uma acepção negativa sobre a condição humana, perspectivada enquanto força-de-trabalho e matéria explorável :)
    ...e mais não digo porque "para boa entendedora, meia-palavra basta", não é? :))
    Beijos
    Namasté!

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